Topo

Ives Gandra: Intervenção militar que mexe no STF e no Congresso é golpe

Guilherme Mazieiro e Alex Tajra

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

20/05/2020 17h17Atualizada em 20/05/2020 17h54

O jurista Ives Gandra Martins disse hoje que uma intervenção militar que tire o poder de parlamentares e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) é um golpe de Estado. Em entrevista aos colunistas do UOL Tales Faria e Chico Alves, Gandra afirmou que, na sua avaliação, as Forças Armadas podem interferir para "repor a lei e a ordem" se houver conflito entre Poderes, mas não podem alterar a composição do Supremo nem do Congresso.

"Se fosse uma intervenção militar que desconstitui o poder, isto é, [que] afasta ministros do Supremo, afasta deputado e senadores, seria um golpe de Estado. Isso não é garantir a lei e a ordem. Isso é romper com a lei e a ordem", disse o jurista.

O assunto da intervenção militar voltou à discussão com manifestações feitas aos domingos por grupo políticos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O mandatário tem participado dos atos nos quais manifestantes pedem o fechamento do Congresso e do STF.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada ontem, Gandra Martins disse acreditar que as ações de ministros do STF fora da zona de competência do tribunal têm gerado instabilidade que pode desembocar em uma intervenção pontual das Forças Armadas para resolver a disputa entre os Poderes.

Segundo Gandra, a Constituição estabelece que as Forças Armadas podem atuar como poder moderador para repor a lei e a ordem. Ele cita, para embasar sua posição, o artigo 142 da Constituição Federal.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem

O texto constitucional é, no entanto, utilizado por apoiadores de Bolsonaro em manifestações que, além de defender o governo, pedem a intervenção do Exército e a edição de um novo AI-5 (Ato Institucional que aprofundou a repressão durante a ditadura militar).

No entendimento do professor, deve-se deixar claro que o Brasil vive sob um regime democrático de direito. Ele também rechaça a interpretação de que haja qualquer possibilidade de intervenção, que não seja para "resguardar a lei e a ordem".

"Esse regime democrático existe em função da representação popular. O nosso é um Estado democrático de Direito e todo poder emana do povo. Ele é veiculado através de três poderes, Judiciário, Legislativo e Executivo", afirmou.

"A intervenção é para garantir a lei e a ordem, não mudar jamais o regime [democrático]", disse.

"Moro criou crise política difícil para a nação"

Para Ives Gandra, a saída do ex-ministro Sergio Moro, que ocupava a pasta da Justiça e Segurança Pública, gerou uma "crise política difícil para a nação". "É o primeiro ministro que deixou o governo cinematograficamente nos últimos tempos

Gandra tem posição crítica ao que chama de interferência do STF em atribuições do Executivo, como na nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, suspensa pelo ministro da corte Alexandre de Moraes no final de abril.

Para respaldar sua decisão, Moraes afirmou que houve "desvio de finalidade" na indicação. Ele levou em consideração o inquérito autorizado pelo ministro Celso de Mello, que apura supostos crimes cometidos pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro e pelo presidente Jair Bolsonaro — a investigação teve como base as declarações e acusações que Moro fez ao presidente no momento em que deixava o ministério.

"Naquele momento, Bolsonaro tinha discricionariamente o poder para nomear quem ele quisesse [na diretoria da Polícia Federal]. Se depois dessa nomeação fossem levantadas acusações, suspeitas [contra Ramagem], aí é outra coisa", afirmou Gandra. Bolsonaro acabou por desistir de nomear Ramagem, que permanece como diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), cargo que já ocupava.

Sou a favor do isolamento social, diz

Ives Gandra, que tem 85 anos, está em isolamento em casa após ter sido diagnosticado com a covid-19. O jurista foi infectado após ter sido submetido a uma cirurgia em fevereiro e ter ficado mais de um mês internado.

Professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Filosofia, Gandra defende o isolamento social e "a importância de salvar vidas primeiro, depois a economia do país".

"Confinamento é a primeira batalha, para primeiro salvar vidas, depois a economia e a situação política do país", afirmou.

Ele ponderou que nenhum país do mundo estava preparado para lidar com a pandemia, mas alguas nações se uniram no combate ao vírus.

"A sensação que eu tenho é de que os governos estão lidando com dificuldade. Alguns países, inteligentemente, uniram situação e oposição. Em Israel e na Alemanha. Infelizmente, no Brasil, ao lado da crise econômica e de saúde, temos uma crise política", disse.