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Se estivesse na PGR, Fonteles diz que já teria denunciado Jair Bolsonaro

Do UOL, em São Paulo

02/06/2020 15h46Atualizada em 02/06/2020 18h46

Resumo da notícia

  • Se fosse o atual PGR, Claudio Fonteles já teria, com as provas disponíveis, denunciado Bolsonaro pelo crime de prevaricação
  • Para Fonteles, Bolsonaro cometeu o ato ilegal de interferir na PF por interesses pessoais
  • O interesse pessoal estaria demonstrado na fala da reunião ministerial de 22 de abril em que o presidente disse que não deixará f... com sua família
  • Fonteles defendeu a lista tríplice para o cargo de PGR e diz que Aras não deveria expressar sentimento em relação a Bolsonaro

O ex-procurador-geral da República (PGR) Claudio Fonteles afirmou na edição de hoje do UOL Entrevista que, diante dos fatos expostos desde a saída de Sergio Moro do governo, e da divulgação das imagens da reunião interministerial e de atitudes recentes de Jair Bolsonaro (sem partido), já teria denunciado o presidente da República pelo crime de prevaricação.

"Fosse eu o PGR, já teria encaminhado perguntas para que o presidente respondesse por escrito", afirmou.

"O presidente diz, em mensagem encaminhada ao então ministro [da Justiça] Sergio Moro: 'Você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do RJ'. Depois, em 23 de abril passado, quando o site 'O Antagonista' estampa reportagem sobre investigação sobre deputados bolsonaristas, ele afirma: 'Há mais um motivo para a troca [da chefia da PF]'. Terceiro: o depoimento do Maurício Valeixo [ex-diretor-geral da PF] mostra que ele não foi exonerado a pedido", afirmou ao repórter Marcelo Oliveira.

O crime de prevaricação e como ele se aplicaria a Bolsonaro

O crime de prevaricação ocorre quando um servidor público retarda, deixa de praticar ou pratica indevidamente ato de ofício, contra a lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Para Fonteles, Bolsonaro praticou ato de ofício ilegal ao dizer em mensagem para Moro que queria a Superintendência da PF no RJ. O interesse pessoal ficou claro quando o presidente, na reunião ministerial disse que não esperaria "f... com a minha família toda".

"Prevaricar é praticado só por funcionário público. E o presidente da República é funcionário público. Prevaricar é praticar ato ilegal motivado por sentimentos pessoais", argumentou.

Ele afirmou que as normas do direito preveem que, para acusar alguém, "não se necessita provar a culpa, basta que você apresente indícios concretos, como aqui mostrei, e bem concatenados". E reiterou que vê indícios de prevaricação na suposta tentativa de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal, trocando a chefia do órgão.

Atos contra a democracia

Fonteles afirmou que vê a presença semanal de Bolsonaro em manifestações que pedem o fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília como um ato de incitação à subversão da ordem política e social, crime previsto no artigo 23 da Lei de Segurança Nacional. "Isso não significa que você está a incitar a quebra da ordem democrática?", questionou o entrevistado.

O jurista disse esperar que o atual chefe da PGR, Augusto Aras, questione o presidente da República formalmente sobre essas ações: "Diante desse quadro, está mais do que claro o crime de responsabilidade. Se trata de abrir um quadro de apuração, está nas mãos do PGR, ele deveria fazê-lo e abrirmos um grande trabalho investigativo onde o sr. presidente terá a ampla defesa para explicar esses atos".

Lista tríplice para a escolha do PGR

Fonteles foi procurador-geral da República nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 2003 a 2005, escolhido a partir da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República. Seu mandato inaugurou a prática de que o presidente da República indique um dos três nomes mais votados pela categoria para ocupar a PGR, cargo máximo do MPF (Ministério Público Federal).

Ele defende que a lista tríplice seja prevista no texto constitucional e se torne obrigatória para a escolha do ocupante do cargo. Semana passada, procuradores da República de todos os níveis da carreira lançaram um manifesto para que a lista tríplice seja oficializada. Já foram colhidas 654 assinaturas, 56% de todos os membros do MPF.

Fonteles também defendeu que, na seara da política, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), aceite e coloque na pauta do Congresso um dos mais de 30 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro. Maia tem dito que não quer colocar mais lenha na fogueira. Para o ex-PGR, isso não significa que o presidente é um criminoso, mas que é necessário colocar o assunto "em discussão".

Aras não deve expressar sentimento em relação a Bolsonaro

Fonteles ainda cobrou que Aras tenha atitudes coerentes com o princípio de independência funcional e evite expressar sentimentos em relação a autoridades da República.

Ele citou um episódio em que Aras disse esperar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) "com a alegria de sempre" para participar de um evento interno da PGR.

"Eu diria: 'Com toda a educação e respeito, sr. presidente, o ato já se encerrou na sede da PGR, de sorte que não vejo razão para vossa excelência comparecer. Se o presidente insistisse, dada a minha postura de investigador de condutas de vossa excelência, não o receberei", disse. "Acho que são posturas coerentes com o princípio da independência funcional."

Segundo o ex-PGR, o chefe do Ministério Público Federal não deve "expressar nenhum sentimento" em relação às autoridades que tem a prerrogativa de investigar. Aras, por sua vez, em entrevista à Pedro Bial, na TV Globo, disse que foi surpreendido pela visita e recebeu o presidente de forma cordial.

Perguntado se o MPF cumpre seu papel na defesa da democracia, constantemente atacada em atos que pedem intervenção militar, Fonteles disse que a instituição, "na fugura do dr. Aras" falha na defesa do regime democrático.

Sobre a tal "intervenção militar", invocada por manifestantes, o ex-PGR defende que ela não está prevista no artigo 142 da constituição, como dizem os defensores da medida.

Inquérito das fake news

Para Fonteles, o inquérito das fake news, que tramita no STF não é regular, uma vez que a corte supervisiona a colheita das provas e dirige a investigação, papel que cabe constitucionalmente ao MPF, que é o órgão titular da ação penal. Contudo, ele crê que a investigação possa ser sanada se a PGR validar as provas colhidas.

Sobre a Lava Jato, Fonteles disse que a operação foi muito importante para mostrar que o direito penal pode não ser seletivo e atingir pessoas ricas e poderosas. Segundo ele, ainda se vê muito o direito penal atingindo somente o PPP (os pretos, os pobres e as prostitutas), mas que a operação ajudou um pouco a mudar essa realidade.

Contudo, ele acusou a Lava Jato de estrelismo e considera, por exemplo, a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio da Silva "totalmente fora de padrão".

Participaram desta produção Alex Tajra, Diego Henrique de Carvalho, Gabriela Sá Pessoa e Marcelo Oliveira

Errata: este conteúdo foi atualizado
Rodrigo Maia é do DEM, e não do PSDB. A informação foi corrigida.