Militares estarem acima dos Poderes vai contra artigo 142, diz Cardozo
O ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ressaltou em sua participação no UOL Debate de hoje que os militares não estão acima dos outros Poderes segundo o artigo 142 da Constituição. Este trecho da Carta Magna é usado frequentemente como argumento entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para uma intervenção militar.
"A ideia do poder militar acima dos outros Poderes vai no sentido oposto ao que o artigo [142] diz", afirmou. "São três os Poderes, não existe o tal do poder moderador e se existisse não seria as Forças Armadas, uma vez que estão subordinadas ao chefe do Executivo", argumentou o jurista, que integrou o governo de Dilma Rousseff (PT) na Presidência da República.
Miguel Reale Jr, também ex-ministro da Justiça, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), participou do debate e concorda com Cardozo. Para ele, se uma intervenção fosse necessária, ela deveria defender os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O jurista foi autor do pedido de impeachment de Dilma.
Segundo Reale, com "as ameaças pessoais que têm sido feitas a ministros do Supremo, inclusive à frente de suas residências, se fosse para haver alguma intervenção seria para proteção dos ministros do Supremo".
Bolsonaro tenta "sequestrar PF", diz Cardozo
Cardozo também criticou a postura de Bolsonaro em relação à PF (Polícia Federal). Questionado sobre a suposta intervenção, que veio à tona após a saída do ex-ministro Sergio Moro e se tornou objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal, José Eduardo Cardozo afirmou que o presidente tentou "sequestrar" a instituição.
"O presidente tem praticado atos desatinados. Agora o que nós temos assistido é uma ofensa, uma tentativa de capturar a Polícia Federal fazendo com que ela se transformasse num órgão que atuasse protegendo familiares e amigos, tentando obter informações sigilosas", disse o jurista.
Cardozo, que também foi advogado-geral da União no governo de Dilma, responsável pela defesa da presidente durante o processo de impeachment, disse que Bolsonaro possui uma "postura autoritária" que ele usa para criar crises institucionais com outros Poderes.
"O presidente não pode atentar contra a liberdade de atuação dos outros Poderes", enfatizou.
Citando as manifestações de cunho antidemocrático que o presidente participa desde o ano passado, o ex-ministro defendeu o impedimento de Bolsonaro com base em supostos crimes de responsabilidade.
Reale Jr. vê Bolsonaro receoso com protestos
Para Reale Jr., o presidente ter classificado os manifestantes contrários ao seu governo como "terroristas", mostra que o presidente está com receio do aumento dos protestos. Esta ampliação poderia desembocar, diz o jurista, em um impedimento do presidente por conta da pressão popular.
"Houve uma pequena manifestação organizada por torcidas organizadas e o presidente já sai dizendo que são terroristas. Ele tem receio de que venha a ocorrer na [avenida] Paulista a reunião de todos estes que assinam os manifestos em prol de um impeachment do Bolsonaro. Ele tem medo que haja uma manifestação reunindo toda a sociedade civil que está se levantando contra ele", disse
Na avaliação de Reale Jr, Bolsonaro "está se antecipando" com a atitude de chamar manifestantes de terroristas "para justificar um ato de lei e ordem ou justificar até mesmo uma intervenção".
"Crise artificial"
Para Reale Jr, a crise política brasileira foi criada artificialmente pelo atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a nação está exausta. Para o jurista, não existem motivos para o alarde feito por Bolsonaro e seus aliados em tom de ameaça.
"O que se vê é uma crise artificial, o presidente precisa estar sempre mobilizado criando crises, nós estamos exaustos. A nação fora a pandemia está exausta, está cansada desse clima de confronto que gerou, logicamente, essa reação da sociedade civil organizada com tantos manifestos. Porque estamos absolutamente exaustos desse clima de tensão artificial que está sendo criado. O que importa saber é até onde haverá esse clima e por quê, qual o objetivo final. Não existe confronto entre Poderes, o que existe é um presidente que cria confronto artificial para justificar eventualmente soluções extraconstitucionais", disse.
Participaram dessa cobertura Alex Tajra, Beatriz Sanz, Fabio Regula, Talyta Vespa e Stella Borges (redação) e Diego Henrique de Carvalho (produção).
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