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Deltan Dallagnol: Sergio Moro ter aceitado ministério foi um equívoco

Do UOL, em São Paulo

07/07/2020 11h44Atualizada em 07/07/2020 14h14

O procurador federal e coordenador da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, afirmou hoje ao UOL Entrevista que, analisando como se deu a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi "ruim" o ex-juiz ter aceitado o convite do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para fazer parte do governo.

Em entrevista ao colunista Josias de Souza, Dallagnol também defendeu a volta da prisão de condenados em segunda instância, admitiu que criar um fundo com dinheiro da Lava Jato foi um erro, negou que a operação tenha ajudado na eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) e fez mea-culpa sobre a apresentação em PowerPoint com denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Moro no governo

Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública no final de abril, acusando o presidente Jair Bolsonaro de tentar intervir politicamente na Polícia Federal. As acusações levantadas pelo ex-juiz geraram um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal).

Considerando um privilégio de visão retrospectiva, considerando o mundo que aconteceu, eu entendo que foi um equívoco. Acabou sendo ruim no sentido de que não foi possível gerar as mudanças [anticorrupção] que podia gerar.

Segundo o procurador, ele "entende" o motivo de Moro ter aceitado o convite. Ele teria esperança de que pudesse promover avanços no combate à corrupção, o que, ao longo do tempo, mostrou-se impossível.

"No final de 2018, numa análise pessimista, você diria que o governo não teria boas ações, e, numa otimista, você diria que existia esperança de que alguém novo entrando poderia fazer a diferença. Eu diria que um pessimista estava certo", afirmou.

"Governo esvaziou combate à corrupção"

O procurador negou que a Lava Jato tenha contribuído para a eleição de Bolsonaro. Para ele, a atuação do presidente contrariou seu próprio discurso de campanha.

Quando eu olho a atuação da presidência, também vejo que suas palavras de compromisso na campanha não corresponderam a atos seguintes.

Para o procurador, o governo também não apoiou o pacote anticrime, proposto por Moro, cujo texto acabou muito alterado no Congresso.

"Esperávamos que tivesse um apoio ao pacote anticrime, mas ele foi drenado na parte anticorrupção. Esperávamos que tivesse um apoio a regra de prisão em segunda instância. Pelo contrário, vemos ataques à democracia e a imprensa como instituições", destacou.

Ao mesmo tempo, o procurador relembrou denúncias feitas contra o atual governo. "Vemos ainda notícias de não só envolvimento em atos ilícitos, que devem ser melhor apuradas, mas de interferência em investigações. Ora, a interferência em investigações, seja para proteger amigos políticos, seja para perseguir inimigos políticos, abre uma brecha porque isso permite interferência em todas as investigações contra pessoas poderosas na República, quando essas investigações devem ser técnicas e devem seguir a lei", acrescentou.

PowerPoint do Lula

Dallagnol também fez um mea-culpa sobre a apresentação em PowerPoint que, em entrevista coletiva durante a operação, justificou as acusações contra Lula. Ele disse que "o conteúdo se provou verdadeiro", mas que a apresentação poderia ter sido diferente.

"Acredito que a gente poderia ter apresentado essa denúncia de forma diferente para evitar críticas. (?) Para você compreender toda aquela corrupção você tinha que compreender o cenário maior, foi nesse sentido que foi feito a apresentação. Essa acusação foi julgada procedente por pelo menos três instâncias."

Fundo para a Lava Jato foi um erro

Para Dallagnol, a proposta de criar uma fundação com dinheiro da Lava Jato também foi um erro. "Fizemos o acordo com a Petrobras de 80% do dinheiro ficar no Brasil, mas o acordo foi anulado pelo Supremo. A gente conversou sobre o assunto com a Transparência Internacional, mas esse acordo não foi compreendido e gerou muitas críticas". disse.

"Ainda que naquele momento tenha parecido a melhor solução, ela não foi boa. Quando a gente analisa com visão retrospectiva, pelo desenrolar dos fatos, aquela decisão pode não ter sido a melhor do ponto de vista de resultado."

Lava Jato vs. PGR

O procurador também comentou o fato de a Lava Jato e a PGR (Procuradoria-Geral da República) entrarem em rota de colisão desde que o procurador-geral, Augusto Aras, pediu acesso indiscriminado a provas e documentos da operação. A PGR chegou a dizer que a equipe do Paraná "não é um órgão autônomo" e precisa "obedecer a todos os princípios e normas internas da instituição".

"Eu não posso falar sobre as motivações do procurador. O que eu espero é que a PGR atue independentemente. (...) Agora, quando olhamos para a Lava Jato, é uma atuação técnica, a gente não favorece ou desfavorece ninguém", afirmou.

Ele diz que, "analisando o cenário", alguns acreditariam que a operação poderia favorecer Moro se ele decidisse se candidatar. "Isso não e uma leitura sobre a nossa atuação, mas sim de interesses políticos, isso não tem nada a ver com a nossa atuação, feito com fatos, provas e debaixo da lei."

Ele defendeu que, "se for para acabar com as forças tarefas", a PGR "precisa que tenha outra coisa no lugar".

A volta da prisão em segunda instância

Segundo Dallagnol, os ministros do STF e parlamentares mudaram tantas regras para investigações nos últimos anos "que tornam mais difíceis nosso trabalho hoje". Ele evitou, no entanto, criticar as "motivações" para as mudanças.

"A gente fez uma conta e identificou que nos processos o tempo vai aumentar em 40%, 60%. Agora a gente não pode mais negociar coisas que podíamos antes. Houve mudanças que deixaram mais difícil as prisões e facilitaram as solturas. Pune-se juízes que prendem, mas não punem os juízes que deixam de prender. Houve uma série de regras que mudaram e isso torna muito mais difícil nosso trabalho hoje."

O procurador destacou a decisão do Supremo de impedir a prisão de um acusado após decisão em segunda instância. "Eu focaria na prisão em segunda instância", afirmou. "Se eu pudesse indicar, pedia atenção à tramitação de PEC [Proposta de Emenda Constitucional] permitindo a volta da prisão em segunda instância."

Para o Dallagnol, a regra pode motivar novos acordos de delação premiada, regra que já existia desde 2014 e acordos que datam de 2004.

"Quando a alternativa é um longo caminho à imunidade, fica muito menos atrativo o acordo. Isso não vai acontecer."