Por que Moro deixou o governo Bolsonaro?
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro anunciou hoje que deixa o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após a exoneração do diretor-geral da PF (Polícia Federal) Maurício Valeixo, profissional de confiança do ex-juiz. Este foi apenas o ponto final em uma relação de atritos registrados desde janeiro de 2019, quando Moro e Bolsonaro tomaram posse de seus cargos.
"Esse último ato [a exoneração de Valeixo] é uma sinalização de que o presidente realmente me quer fora do cargo", disse Moro, em pronunciamento em Brasília. O agora ex-ministro, inclusive, disse que soube da exoneração a partir da publicação no Diário Oficial, nesta madrugada. "Eu não assinei [a exoneração]".
De acordo com Moro, Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal. "O presidente queria ter alguma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações", falou. "E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação."
Moro também afirmou que o presidente não apresentou uma justificativa para a troca do comando da PF. Segundo o ex-ministro, Bolsonaro descumpriu o compromisso de que teria carta branca para fazer nomeações.
"Não é uma questão do nome. Tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor-geral", disse. "O grande problema é a violação de uma promessa que me foi feita, que eu teria carta branca."
Para Moro, a autonomia da PF "é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um estado de direito"
Embates recentes
O atrito mais recente tem relação com investigações sobre os gastos de prefeituras com verbas para o combate à pandemia do novo coronavírus teriam motivado uma pressão de parlamentares do "centrão" contra a PF. A saída de Valeixo, que Bolsonaro queria tirar-lhe do cargo desde meados do ano passado, seria uma consequência dessa situação.
Mas Moro já esteve a ponto de ser demitido em agosto de 2019. Na época, o ex-ministro e Bolsonaro discordavam sobre retirar o superintendente da PF do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Moro queria mantê-lo no cargo, mas o presidente queria sua saída. Saadi acabou exonerado no final de agosto daquele ano.
Segundo Moro, com a saída de Valeixo, Bolsonaro queria novamente fazer uma troca no comando da PF no Rio. "Sem que me fosse apresentada uma causa, uma razão".
Nomeação e armas
Um dos primeiros atritos foi a respeito de uma nomeação de Moro no começo do ano passado. A cientista política Ilana Szabó seria suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Mas Bolsonaro e apoiadores do presidente desaprovaram a escolha por conta de posições de Szabó. A ela, Moro admitiu que sofreu pressão para o recuo sobre a nomeação.
O decreto para flexibilização da posse de armas também gerou embate entre Bolsonaro e Moro. O ex-ministro dizia que ela não fazia parte de uma estratégia de combate à criminalidade. A flexibilização, porém, era uma bandeira de campanha de Bolsonaro.
Coaf e Segurança Pública
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) também foi alvo de embates entre o presidente e o ex-ministro. Moro queria ficar com o órgão em razão de ações para investigações de corrupção. O Coaf chegou a investigar um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Bolsonaro aprovou a mudança do órgão para o Banco Central.
Em janeiro, Bolsonaro chegou a pensar em retirar a responsabilidade da Segurança Pública da pasta de Moro, o que enfraqueceria o ex-ministro. O presidente, porém, desistiu da ideia.
A pandemia
A crise com filhos do presidente foi mais recente, em meio à pandemia do novo coronavírus. O Ministério da Justiça pensou em disponibilizar tablets para que presos pudessem ter contato com seus familiares, já que visitas estão suspensas em razão das medidas de distanciamento social para evitar a propagação da covid-19. Os três filhos de Bolsonaro fizeram críticas a respeito da intenção.
A condução de Bolsonaro das ações contra a pandemia do novo coronavírus também irritou Moro. O ex-ministro não foi chamado pelo presidente para participar de debates no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a judicialização de questões ligadas ao combate à covid-19.
Moro também estaria descontente com o presidente por ele não ter afinado o discurso com Luiz Henrique Mandetta (DEM), então ministro da Saúde, cujas orientações contra a pandemia eram seguidas pelo ex-ministro da Justiça. Bolsonaro era contra Mandetta.
Cadeira no STF
Para Moro, que largou os processos da Operação Lava Jato e a magistratura em novembro de 2018, havia a perspectiva uma possível nomeação para uma cadeira no STF. Bolsonaro deverá escolher dois nomes até o final de seu mandato, em 2022. Moro, porém, sempre negou a existência dessa condição para integrar o governo e reafirmou isso em seu discurso hoje.
Tido como nome natural para a posição, Moro viu Bolsonaro começar a mudar o discurso ao longo do governo Bolsonaro, dizendo que indicaria alguém "terrivelmente evangélico". Agora, a possibilidade de Moro ser ministro do STF é praticamente nula.
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