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Os 14 atos de Salles que para o MPF justificam afastamento do ministério

O presidente Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, durante entrevista coletiva em agosto de 2019 - Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, durante entrevista coletiva em agosto de 2019 Imagem: Marcos Corrêa/PR

Igor Mello

Do UOL, no Rio

09/07/2020 04h00

Na ação civil pública que pede o afastamento imediato de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente, o MPF (Ministério Público Federal) aponta 14 atos que configurariam, na visão dos procuradores, improbidade administrativa na gestão de políticas ambientais.

Um grupo de 12 procuradores da República pediu que Salles seja afastado do cargo em ação na Justiça Federal do Distrito Federal na segunda-feira (6). Segundo eles, o conjunto de atitudes do ministro à frente do cargo configura "desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente". O pedido de afastamento acontece após fundos de investimento estrangeiros e empresários brasileiros cobrarem o governo por proteção à Amazônia e aos índios.

Os 14 atos citados pelos procuradores são divididos em quatro eixos temáticos: desestruturação das normas de proteção ambiental; das estruturas de combate ao desmatamento; das políticas de transparência e participação social; e do orçamento dos órgãos ambientais.

Em nota, Salles afirmou que a ação do MPF tem motivação política. "A ação de um grupo de procuradores traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal. As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes."

Confira a seguir os atos praticados por Ricardo Salles apontados pelo MPF:

Exoneração de fiscais do Ibama

Por pressão do presidente Jair Bolsonaro, Salles exonerou três servidores em postos de comando da área de fiscalização do Ibama após ações de combate a grileiros e garimpeiros nas terras indígenas Apyterewa, Trincheira Bacajá e Kayapó —-todas ficam na região da Volta Grande do Xingu, no sul do Pará— serem tema de uma reportagem da TV Globo.

Os promotores anexaram um print da tela do celular de Bolsonaro, exibido por ele a repórteres, no qual o ex-ministro Sergio Moro diz que a Força Nacional não teve relação com as ações de fiscalização. Por conta das reclamações do presidente em relação à destruição de equipamentos de desmatadores, Salles exonerou Olivaldi Alves Borges Azevedo (diretor de Proteção Ambiental do Ibama), Hugo Ferreira Netto Loss (coordenador de Operações de Fiscalização) e Rene Luiz de Oliveira (coordenador de Fiscalização Ambiental).

Paralisação do Fundo Amazônia

Segundo os procuradores, cerca de R$ 1,6 bilhão estão sem aplicação por conta das ações de Salles para descredibilizar o Fundo Amazônia, apesar de haver comprovação de seus impactos positivos para a preservação do bioma. O ministro extinguiu os comitês Técnico e Orientador do fundo, responsáveis pela operacionalização e orientação dos trabalhos.

Além disso, o MPF destaca que Salles acusou ONGs de receberem financiamento irregular do Fundo Amazônia, mas nunca provou as supostas irregularidades que fiz ter encontrado.

Interferência no Inpe

Salles também é acusado na ação de ter interferido na gestão do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pelo monitoramento por satélite dos focos de incêndio e desmatamento.

Em 2019, em meio à crise diplomática gerada pelo recorde de queimadas na Amazônia, o ministro atacou os sistemas de monitoramento do órgão e salientou, em diversos momentos, a intenção de contratar um serviço privado para realizar a tarefa. O MPF cita que as declarações de Salles e de Bolsonaro levaram à demissão do cientista Ricardo Galvão da direção do Inpe.

Corte de verbas

Apesar dos maiores índices de desmatamento na Amazônia em uma década, Salles encaminhou para o Congresso uma proposta orçamentária com um corte de aproximadamente 25% nas verbas destinadas ao custeio de combate ao desmatamento, apontam os procuradores. Para eles, isso contrasta com o "incremento significativo" da arrecadação com taxas cobradas em razão do desmatamento em 2019.

Adoção de GLOs

O MPF também questiona a preferência por uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), batizada do Operação Verde Brasil, para combater as queimadas na Amazônia no ano passado.

Segundo os procuradores, a opção pelo emprego das Forças Armadas em detrimento dos próprios órgãos ambientais foi definida pelo MPF como "insuficiente ou metodologicamente inadequada" e custou mais caro aos cofres públicos.

O documento destaca que a ação custou mais de R$ 124 milhões para dois meses de trabalhos, cerca de R$ 15 milhões a mais que o orçamento anual para ações de comando e controle do Ibama em 2019.

Burocratização das ações de fiscalização

Uma instrução normativa assinada por Ricardo Salles reduziu o número de horas que os servidores podiam dedicar a ações em campo, entre elas, a fiscalização ambiental. Para o MPF, "esse fato forçou a fiscalização do Ibama a adequar-se a um regime de registro de frequência incompatível com suas funções, em claro prejuízo às ações, uma vez que o atendimento às ocorrências de ilícitos ambientais não necessariamente ocorre durante o horário regular de trabalho".

Cargos de comando vagos

O MPF aponta que Salles intencionalmente desmantelou as estruturas de comando do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) ao deixar sem comando postos-chave, como superintendências regionais. No caso do Ibama, Salles exonerou os superintendentes de 21 estados em fevereiro de 2019.

Levantamento feito pelos investigadores mostrou que todos esses órgãos ficaram meses sem nenhum comando —por períodos de pelo menos cem dias. A representação do órgão em Pernambuco continua sem um chefe nomeado até hoje, 15 meses depois da exoneração do superintendente anterior. Também há questionamentos à nomeação de militares e PMs para postos importantes nos dois órgãos ambientais.

Riscos aos servidores da fiscalização

A ação civil pública defende ainda que as constantes declarações de Salles contra os servidores dos órgãos ambientais —retratados por ele como figuras interessadas em prejudicar empresários, tratando-os como "bandidos em potencial", por exemplo— serviu como uma espécie de endosso para o crescimento dos ataques contra fiscais, sobretudo no Norte do país.

"Naturalmente, os reiterados discursos do requerido contra a atuação lícita de agentes públicos do Ibama e do ICMBio geram, entre os agentes delitivos, a impressão de que nem mesmo o próprio Estado (lato sensu) apoia a atuação dos fiscais. O incremento do risco à segurança dos servidores públicos é a consequência."

Fragilização da proteção à Mata Atlântica

O MPF cita também um despacho de Salles que mudou as normas de proteção da Mata Atlântica através de portaria do Ministério do Meio Ambiente, deixando de aplicar legislação específica para o bioma para adotar o Código Florestal —o que os procuradores definem como "decréscimo de proteção". O órgão ainda sustenta que Salles optou por "prevalência de norma geral mais prejudicial", o que contraria os interesses da sociedade.

Redução da participação em conselhos

Os 12 procuradores da República questionam a redução de participação da sociedade civil no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que passou a funcionar com integrantes do governo federal em cerca de 80% dos cargos.

"Como resultado dessas mudanças, o caráter democrático e participativo do Conama foi praticamente esvaziado, e houve o aniquilamento da razão de ser do órgão, que é a de congregar diversos setores da sociedade em um fórum encarregado para a elaboração de políticas ambientais", diz a ação. O conselho é o principal foro de discussão de políticas públicas ambientais em âmbito federal.

"Lei da mordaça" para servidores

Ainda no que diz respeito à transparência, o ministro determinou que todas as demandas de imprensa para o Ibama passassem a ser respondidas exclusivamente pela Assessoria de Comunicação do Ministério do Meio Ambiente, sob seu controle direto. O que os procuradores classificam como "censura" também atinge os perfis pessoais de servidores do Ibama nas redes sociais.

"Os esforços não se direcionam à adoção de ações efetivas frente ao aumento do desmatamento e de outros crimes ambientais, mas à criação de dificuldades para que essas informações venham a público através dos veículos oficiais", diz o documento.

Mapas de áreas prioritárias foram retirados de site

Os membros do MPF sustentam que Salles é o responsável pela retirada do ar em sites oficiais ligados ao Ministério do Meio Ambiente de mapas de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. As informações serviriam para orientar servidores e órgãos públicos em ações de fiscalização, segundo eles.

"Não se visualiza qualquer justificativa, baseada no interesse público, para a supressão de informação de elevado interesse ambiental do sítio eletrônico do MMA, em contramão à modernização e à transparência da administração pública", ponderam.

Concessão de florestas ao Ministério da Agricultura

Em meio à pandemia da covid-19, Salles transferiu para o Ministério da Agricultura o poder de conceder florestas públicas para produção madeireira e serviços florestais, entre outras atividades. De acordo com o grupo de procuradores, o ato "rompe com todo o sistema de proteção e preservação construído pela Lei nº 11.284/2006, afrontando os princípios da legalidade e lealdade às instituições".

Extinção de órgão sobre mudanças climática

Os procuradores ainda criticam a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente sem que tenha sido criada qualquer outra estrutura na pasta para cuidar do tema. "Ao acabar com secretaria que atuava no combate a mudanças climáticas e de ações que geram potencial desequilíbrio no ecossistema do planeta, o ministro sinalizou que a referida matéria não é prioridade da pasta ambiental e do governo federal", argumentam.