Justiça obriga governo federal a apagar postagens celebrando golpe de 1964
A Justiça Federal no Rio Grande do Norte decidiu que são inconstitucionais as celebrações do golpe militar de 1964. A decisão da juíza federal Moniky Mayara Costa Fonseca foi informada hoje pelo MPF (Ministério Público Federal) no estado.
A decisão atendeu a uma ação popular da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN). A juíza condena a União e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, para que que preceda a "retirada da ordem do dia 31 de março de 2020 do sítio eletrônico do Ministério da Defesa, além da abstenção de publicação de qualquer anúncio comemorativo relativo ao golpe de Estado praticado em 1964, em rádio e televisão, internet ou qualquer meio de comunicação escrita e/ou falada".
A publicação chama o golpe militar que deu início a uma ditadura por 25 anos no país de "marco para a democracia brasileira". Ainda alega que o país "reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época".
A publicação do governo chegou a ser retirada, mas está no ar por conta de um liminar pedida pelo governo e concedida pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, sustando os efeitos de liminares da Justiça Federal e TRF-5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região) que determinaram a retirada do ar.
Com a decisão, o caso está encerrado em primeira instância, mas pode ser alvo de recurso em instâncias superiores.
"[A publicação] é nitidamente incompatível com os valores democráticos insertos na Constituição Federal de 1988, valores esses tão caros à sociedade brasileira, não havendo amparo legal e/ou principiológico em nosso ordenamento jurídico para que exaltações de períodos históricos em que tais valores foram reconhecidamente transgredidos sejam celebrados por autoridades públicas, e veiculados com caráter institucional", diz Moniky na sentença.
Para a juíza, a ordem do dia publicada não traz um relato fiel à história "prega, na realidade, uma exaltação ao movimento, com tom defensivo e cunho celebrativo à ruptura política deflagrada pelas Forças Armadas em tal período, enaltecendo a instauração de uma suposta democracia no país, o que, para além de possuir viés marcantemente político em um país profundamente polarizado, contraria os estudos e evidências históricas do período".
"Tal espécie de manifestação proferida por autoridades públicas, sejam elas civis ou militares, com abordagem defensiva, vai nitidamente de encontro ao compromisso com os valores democráticos para restabelecimento do Estado de direito e superação do Estado de exceção antes vigente, compromisso esse solidificado na promulgação da Constituição Federal de 1988", completa.
O MPF deu parecer concordando com a retirada do ar da página e com a proibição de novas publicações com o mesmo tema. "Acompanhamos com preocupação a escalada de práticas estatais autoritárias no Brasil, e decisões como essa demonstram que o sistema de Justiça, se altivo, cumpre o importante papel de contenção dessas violações, sob pena de se comprometer o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos. Há de expurgar em definitivo do imaginário estatal nacional celebrações desse viés", afirmou o procurador Camões Boaventura, que assina o documento.
Ministério da Defesa diz que irá recorrer, quando notificado
Procurado pelo UOL, o Ministério da Defesa informou que "entende que a decisão judicial diverge de outras decisões judiciais proferidas em anos anteriores sobre o mesmo assunto e que, após devidamente notificado, irá recorrer ao tribunal competente para pleitear a reforma da referida decisão".
A pasta diz que existe, neste processo, decisão do STF que "suspende a execução até o trânsito em julgado da ação".
"O MD esclarece que as Notas Oficiais e Ordens do Dia referentes à data histórica de 31 de março de 1964 são expedidas e publicadas todos os anos, não havendo nenhuma novidade neste ano de 2020, e em nenhuma ocasião tal tradição militar foi considerada ilegal ou contrária ao regime democrático por qualquer Tribunal Judiciário", finaliza.
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