Ex-vice do STJ: "faltou humildade" a Moraes ao bloquear perfis no exterior
Resumo da notícia
- Jurista Gilson Dipp afirma que ordem de Moraes deveria ter sido encaminhada a departamento do Ministério da Justiça
- Segundo ele, Supremo "acabará pagando um mico" com a decisão que não deve ser cumprida pelo Facebook
- Já especialista em direito digital, Luiz Augusto D'Urso, avalia que cooperação internacional permite que a decisão extrapole as fronteiras nacionais
Para o jurista Gilson Dipp, ex-vice presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) faltou humildade ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) ao determinar esta semana que o Facebook e o Twitter bloqueassem em servidores fora do Brasil perfis acusados de divulgação de fake news. A decisão foi tomada após contas bloqueadas no Brasil driblarem medida anterior para seguir no ar.
O Twitter informou ontem que cumpriria a decisão, mas considerou a medida "desproporcional" e pretende recorrer. Hoje, o Facebook reagiu e disse que não a obedeceria e que também recorrerá ao plenário do STF. "Respeitamos as leis dos países em que atuamos. Estamos recorrendo ao STF contra a decisão de bloqueio global de contas, considerando que a lei brasileira reconhece limites à sua jurisdição e a legitimidade de outras jurisdições", afirmou a empresa em nota.
Historicamente, o STF não dá bola para cooperação internacional, mas, no Brasil, há um órgão para isso e é o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional), do Ministério da Justiça. A ordem de Moraes deveria ter sido encaminhada por lá, mas ele não teve a humildade de fazer isso."
Gilson Dipp, ex-vice presidente do STJ
Dipp integrou a Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) e presidiu a Comissão de Juristas que elaborou em 2012 um anteprojeto de Código Penal. Em sua carreira, sempre tratou de temas de direito internacional e cooperação.
"O STF, por exemplo, não aceita a jurisdição das cortes internacionais e desrespeita a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia", lembra Dipp, que foi também membro e primeiro coordenador da Comissão Nacional da Verdade.
Para o ex-vice-presidente do STJ, o Supremo "acabará pagando um mico" com a decisão de Moraes, porque o Facebook não deverá cumprir a decisão. "A decisão acabará sendo desrespeitada e com razão", afirma Dipp, e o plenário será obrigado a debater se a sua jurisdição ultrapassa os limites nacionais.
Para ele, um tribunal nacional não tem jurisdição sobre perfis cujos dados estão no exterior. "A cooperação internacional é comum porque não é de hoje a criminalidade é transnacional, mas há limites", afirma Dipp.
Descumprimento de decisão, abrirá precedente, diz advogado
Já o advogado Luiz Augusto D'Urso, especialista e professor de direito digital, avalia que independentemente da decisão de Moraes estar correta ou não, deve ser cumprida, e vê com preocupação o fato do Facebook se negar a cumpri-la
"Os autores de crimes pela internet comumente usam de expedientes para alterar o IP, buscando a impunidade. A cooperação internacional permite que a decisão extrapole as fronteiras nacionais", afirma.
Para ele, o fato de os supostos crimes terem ocorrido através do Facebook, mas em perfis criados no exterior, não impede a atuação das cortes locais, pois as vítimas são brasileiras.
A negativa do Facebook me lembra a época em que a empresa não tinha sede no Brasil e usava este argumento para não cumprir decisões judiciais para identificar o IP de perfis criminosos. A decisão da empresa de desrespeitar a decisão do STF é muito preocupante."
Luiz Augusto D'Urso, advogado e professor de direito digital
Para ele, a ordem de Moraes deveria ser cumprida. "O Facebook tem sede no Brasil e deveria agir para cumprir a ordem, bastando informar sua matriz nos EUA sobre a decisão", avalia.
O descumprimento da decisão de Moraes abriria precedente que prejudicaria o combate ao cybercrime em geral. "As plataformas passarão a se comportar assim e os criminosos também, recorrendo a IPs de fora para cometer crimes no Brasil", diz.
"O Facebook não goza de prerrogativa para descumprir qualquer decisão judicial. Ninguém pode se dar o privilégio de descumprir uma decisão monocrática e aguardar o plenário", afirma D'Urso.
Professor da USP diz que direito internacional admite decisão de Moraes
Para o professor de direito internacional da Faculdade de Direito da USP André de Carvalho Ramos, "o direito internacional admite o alcance excepcional da jurisdição estatal para abarcar condutas no exterior que tenham efeito direto negativo no território nacional".
De toda forma, o caso não precisaria nem usar a tese acima, avalia Ramos, porque os investigados teria usado VPN, que permite a conexão anônima à internet e, portanto, "a conduta dos usuários ocorreu no Brasil aparentemente".
Ramos lembra ainda que exigir de um grupo econômico da internet estabelecido no Brasil o cumprimento de leis nacionais está em acordo com o Marco Civil da Internet.
O professor da USP discorda da necessidade de uso de cooperação internacional via Ministério da Justiça. "Do meu ponto de vista, o STF não está obrigado a utilizar a via da cooperação jurídica internacional", o que seria necessário somente se não fosse possível processar os acusados aqui.
Para o especialista em direito internacional, o Facebook teria que cumprir a ordem de Moraes e recorrer: "ordem judicial monocrática se cumpre, é passível de recurso somente", afirmou.
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