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Visita de Bolsonaro a SP teve claque e críticas por frase em campanha

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

05/09/2020 00h37

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cumpriu nesta quinta e sexta (3 e 4) sua primeira agenda oficial no Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, região onde gosta de dizer que se criou, mas que não é seu berço político. Nascido em Glicério, próximo à Araçatuba, viveu parte da infância e da adolescência no Vale do Ribeira, tendo seus pais se radicado em Eldorado, cidade de 15.544 habitantes, segundo estimativa do IBGE deste ano.

O presidente teve agendas oficiais em Pariquera-Açu e Eldorado, na quinta, e passou por Registro ontem, mas a parte principal da agenda oficial, que ocorreria pela manhã — uma visita à nova unidade do Sesi-Senai na cidade — foi cancelada, pois não havia teto para que o helicóptero presidencial decolasse. Bolsonaro apenas passou pela sede da Polícia Rodoviária Federal na cidade, de onde partiu para São Paulo, onde esticará a agenda até a manhã deste sábado. Na capital paulista, visitará obras de recuperação da pista do aeroporto de Congonhas.

Durante a visita à terra natal, o clima foi de quem realmente se sentia em casa, inclusive nas ruas. O presidente, que não usou máscara em nenhuma de suas aparições públicas, cumprimentou fãs em Pariquera-Açu e Eldorado. Na primeira cidade, o evento aconteceu em um espaço montado para recebê-lo, mas que não chegou a lotar completamente. Tanto em Pariquera-Açu, como em Eldorado, foram anunciadas a construção de pontes com custo total de R$ 26 milhões, sendo mais de R$ 25 milhões em recursos federais.

Por onde passava, era acompanhado por gritos de "mito" e por muitos apoiadores que, como ele, não usavam máscaras, obrigatórias no estado. A atitude foi classificada como um "mau exemplo" pelo governador João Doria (PSDB). O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) foi um dos que foi visto sem máscara tanto no palco em Pariquera-Açu como no hotel em que ficou hospedado em Registro.

A claque bolsonarista incluía políticos, como os deputados federais Marco Feliciano (PSC), Eduardo Bolsonaro (PSL) e Rosana Valle (PSB), presente nas três agendas de Bolsonaro, e o deputado estadual Caio França (PSB).

Da Câmara de Vereadores lotada em Eldorado, na tarde de quinta, o presidente seguiu para uma agenda com representantes do agronegócio local em uma fazenda. O Vale do Ribeira é o maior produtor de banana do Brasil, que emprega 100 mil trabalhadores e responde por 82% do PIB da região, segundo a Abavar (Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira). O presidente da entidade, Ézio Borges, o apoia publicamente e costuma publicar conteúdos elogiosos ao governo federal em sua página pessoal e na da Abavar nas redes sociais. Segundo disse em um vídeo, ter um presidente "da casa" é importante para os negócios.

Na cidade, bem como na rodovia Régis Bittencourt (que liga São Paulo a Curitiba e passa pelo Vale do Ribeira), o apoio a ele estava estampado em três outdoors assinados pelos "bananicultores e agricultores" do Vale do Ribeira.

Exatas 115 pessoas aguardavam pelo presidente em Registro, muitas usando camisas verdes ou amarelas, slogans bolsonaristas e faixas para receber o presidente. Após duas horas de espera na frente do Sesi, os apoiadores foram informados do cancelamento do evento, e parte seguiu para a Polícia Rodoviária Federal na tentativa de encontrá-lo. Entre eles, idosos e crianças que paravam para posar para fotos com políticos que apoiam o presidente, como o deputado estadual Tenente Coimbra (PSL).

Em Eldorado foi onde o presidente se mostrou mais à vontade. Da casa da mãe, dona Olinda, onde dormiu, apresentou sua transmissão ao vivo. Então, seguiu para o Boteco do Juca, o maior da cidade, localizado na praça Nossa Senhora da Guia, onde fica a prefeitura e a igreja matriz, e conversou com frequentadores por menos de uma hora no local. No estacionamento, usou uma passagem para acessar a casa de dona Olinda.

Entretanto também é em Eldorado que Bolsonaro encontra a oposição mais organizada da região. A cidade tem cinco comunidades quilombolas com título definitivo, além de outras reconhecidas, mas ainda sem o documento, com líderes contrários ao presidente e que se recusaram, em bloco, a pleitear uma agenda com Bolsonaro.

Na memória, uma frase dita em 2018, durante a campanha eleitoral, em evento no Clube Hebraica, no Rio. Na ocasião, o então candidato disse que conhecia os quilombos da região e que "o afrodescendente mais leve pesava sete arrobas".

O agricultor familiar Benedito Alves da Silva, 65, do quilombo Ivaporunduva, em Eldorado, a mais de 50 km do centro da cidade, cultiva banana orgânica nas terras de título coletivo, cria galinhas e porcos para consumo de sua família, é ambientalista ferrenho e fundou o PT na cidade em 1981.

Desde o início dos anos 90, logo após a Constituição prever, no artigo 68, os direitos dos quilombolas, ele começou a militar pelo reconhecimento de sua comunidade — que tem origem na fazenda de mesmo nome —, cuja ocupação data do século 17. Em 1994, a comunidade foi reconhecida após ação do MPF (Ministério Público Federal) e, em 2008, saiu o título. A comunidade se orgulha de ser a única com registro em cartório.

"Não cogitamos vê-lo em Eldorado, pois a gente sabia que ele é contra os quilombos. Ele disse que não gosta de índio e de negro, e que no governo dele não reconheceria nenhuma terra indígena ou quilombola", afirmou Silva. Sobre a frase da campanha, ficou profundo dissabor: "Ele colocou a gente abaixo do zero. Arrebentou com a gente", disse.

A solução, segundo ele, é a pré-candidatura de um quilombola à prefeito, pelo PT, e de candidatos à vereador de oposição ao PR, que atualmente apoia o governo federal.