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Falta a acareação: MPF apura se F. Bolsonaro cometeu crime de desobediência

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

21/09/2020 17h05

O MPF (Ministério Público Federal) irá investigar se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometeu crime de desobediência por faltar a uma acareação marcada hoje à tarde com o empresário Paulo Marinho na sede do órgão, no centro do Rio. Se isso for constatado, o MPF irá encaminhar o caso à PGR (Procuradoria-Geral da República), já que o senador tem foro privilegiado.

O empresário Paulo Marinho se manifestou quando chegou à sede do MPF, por volta das 14h30. "Com certeza alguém mentiu, né? E não fui eu", disse, ao ser questionado sobre o suposto vazamento da Operação Furna da Onça, em 2018. Ex-aliado da família Bolsonaro, Marinho disse ter ouvido de Flávio que um delegado da Polícia Federal vazou a informação (leia mais abaixo). O episódio foi negado pelo senador.

Para o procurador Eduardo Santos de Oliveira Benones, "toda pessoa que desobedece injustificadamente a uma ordem de uma autoridade legalmente constituída, comete o crime de desobediência". O MPF entende que Flávio só poderia ter se ausentado em caso de doença.

A defesa do senador diz que ele não compareceu à acareação em razão de compromisso no Amazonas e pede que a audiência seja remarcada para 5 de outubro no gabinete dele, em Brasília. A defesa de Flávio não deu detalhes sobre o compromisso do senador.

Marquei essa agenda com muita antecedência exatamente para que as duas pessoas envolvidas tivessem tempo suficiente para conseguir conciliar as agendas. É preciso que haja justificativa jurídica para a ausência. Se isso não ocorrer, devo representar ao procurador-geral da República, já que o senador tem foro privilegiado. E o procurador que resolva se irá denunciá-lo ou não por desobediência

Eduardo Santos de Oliveira Benones, procurador do MPF

Os defensores de Flávio Bolsonaro têm sustentado a posição de que ele tem prerrogativa para marcar dia, horário e local em uma eventual acareação com Paulo Marinho. "E o local escolhido foi Brasília, onde ele reside e exerce a função parlamentar", explicou ao UOL a advogada Luciana Pires.

A defesa do senador também se posicionou por meio de nota. Segundo o texto, a possibilidade do compromisso no Amazonas teria sido informada por escrito ao MPF há cerca de um mês. A defesa ainda classificou como "lamentável" a hipótese de que Flávio teria cometido crime de desobediência.

[O MPF] não quis alterar a data apesar de expressa disposição legal. Quanto à tese de crime de desobediência insinuada pela Procuradoria, é lamentável sob vários aspectos. Nem o Procurador da República poderia dar ordem ao senador e nem essa 'ordem' seria legal, pelo que constituiria uma impropriedade técnica com poucos precedentes na história do Judiciário fluminense

Trecho de nota enviada pela defesa de Flávio Bolsonaro

A defesa de Flávio informou ainda ter ingressado com petição hoje, sugerindo nova data para a acareação. Em nota, o MPF informou que o procurador Eduardo Benones está analisando o documento enviado que justifica a ausência do senador para avaliar quais serão as medidas cabíveis no caso.

Em frente a loja de chocolates

Quando saiu da sede do MPF, o empresário Paulo Marinho caminhou até um imóvel ao lado, onde fica uma franquia de uma loja de chocolates —a mesma comprada por Flávio Bolsonaro, que foi alvo de mandados de busca e apreensão e quebra de sigilos, em uma investigação de suposto crime de lavagem de dinheiro.

No fim da entrevista, Marinho fez uma referência indireta ao esquema ao manter a sua versão sobre o suposto vazamento de uma operação da PF. "Eu não sei se ele está mentindo. Eu estou dizendo a verdade. Se a tese dele é frontalmente contrária ao meu relato, provavelmente ele está mentindo né, mermão. Aqui, ó", disse, apontando para a loja.

Ele também negou ter feito qualquer tipo de denúncia. E disse que sempre ajudou a família Bolsonaro.

A origem dessa história foi uma entrevista que dei à Folha de São Paulo. Nunca fui à polícia fazer denúncia contra o Flávio Bolsonaro. Sou credor da família Bolsonaro. Eu só fiz ajudá-los. O jornalista perguntou... Eu também não ia mentir. Eu contei o que aconteceu. Aliás, eu vou morrer confirmando a minha versão dos fatos

Paulo Marinho, empresário

A denúncia de Paulo Marinho

A partir da denúncia feita em maio por Marinho —que é suplente de Flávio no Senado—, o MPF investiga um suposto vazamento de informação da Operação Furna da Onça a Flávio Bolsonaro.

Segundo o empresário, Flávio teria sido avisado da existência da operação entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2018 por um delegado da PF que era simpatizante da candidatura de Jair Bolsonaro.

Segundo relatou Marinho em entrevista à Folha de S.Paulo, os policiais teriam segurado a operação, então sigilosa, para que ela não ocorresse no meio do segundo turno, evitando prejuízo à então candidatura de Bolsonaro.

A Furna da Onça tornou público relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que aponta movimentação atípica na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. O documento também apresenta indícios da prática de rachadinha no gabinete do filho mais velho de Jair Bolsonaro.

Na versão de Marinho, o delegado-informante teria aconselhado Flávio a demitir Queiroz e uma das filhas dele, que trabalhava no gabinete de deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília.

Essa investigação do MPF não diz respeito ao chamado Caso Queiroz em que o Ministério Público do Rio apura o suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

À época da entrevista, Flávio disse que Marinho se deixou tomar pela ambição e de querer sua vaga no Senado.

"O desespero de Paulo Marinho causa um pouco de pena. Preferiu virar as costas a quem lhe estendeu a mão. Trocou a família Bolsonaro por Doria e Witzel, parece ter sido tomado pela ambição. É fácil entender esse tipo de ataque ao lembrar que ele, Paulo Marinho, tem interesse em me prejudicar, já que seria meu substituto no Senado", afirmou Flávio, em nota à imprensa.