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Relator da PEC da 2ª instância descarta incluir revisão da lei anticrime

O relator do projeto sobre prisão em segunda instância na Câmara, Fábio Trad (PSD-MS) - Divulgação
O relator do projeto sobre prisão em segunda instância na Câmara, Fábio Trad (PSD-MS) Imagem: Divulgação

Luciana Amaral e Guilherme Mazieiro

Do UOL, em Brasília

13/10/2020 18h47

Após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello determinar, na sexta-feira (9), que o traficante do PCC (Primeiro Comando da Capital) André do Rap fosse posto em liberdade, o relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que permite a prisão após condenação em 2ª instância, deputado Fábio Trad (PSD-MS), disse descartar incluir a revisão do artigo 316 do Código de Processo Penal, aprovado pela lei anticrime.

"Está fora de cogitação [qualquer inclusão no relatório]. Se a gente quer dar funcionalidade à Justiça, é [com] a PEC da 2ª instância. Esse artigo 316 não diz respeito a esse compromisso de funcionalidade e efetividade", afirmou Fábio Trad ao UOL.

O artigo determina que a autoridade que estabeleceu a prisão preventiva (por tempo indeterminado) de uma pessoa tem a necessidade de, a cada 90 dias, revisar a situação e determinar se a prisão deve ou não persistir.

Esse trecho foi estabelecido pelo pacote anticrime, aprovado em 2019 pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente vetou 25 dispositivos da lei, mas manteve este.

Na avaliação de Trad, o artigo não foi o responsável pela decisão de soltura do André do Rap por Marco Aurélio. Neste caso em específico, o Ministério Público não pediu a manutenção da prisão e Mello decidiu que o preso deveria ser posto em liberdade.

No sábado (10), o presidente da Corte, Luiz Fux, deu uma decisão contrária e determinou a prisão do membro da facção. No entanto, André do Rap já tinha fugido e é considerado foragido.

Trad defendeu que, se o artigo fosse revisto, quem mais sairia prejudicado seriam pessoas pobres em prisão preventiva, que continuariam "esquecidas" na cadeia por anos por não terem uma defesa técnica que acompanhe regularmente os devidos processos.

O secretário de Transparência da Câmara e o presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), tem opinião divergente e acredita que o artigo possa ser revisto, mas não junto à tramitação da PEC da 2ª instância por serem assuntos diferentes. Mesmo assim, em sua avaliação, a aprovação da PEC já seria capaz de resolver dúvidas jurídicas.

"Embora o texto aprovado pelo Congresso Nacional tenha aberto a possibilidade de que fosse cometido esse desatino, o ministro [Marco Aurélio] aplicou o texto da lei. Independentemente da responsabilidade e do desatino cometido, entendo que a Câmara precise deliberar sobre o assunto, corrigir e fechar essa brecha aprovando a prisão em 2ª instância encerrando a discussão", afirmou.

Se a PEC já tivesse sido aprovada, André do Rap estaria cumprindo a pena e, assim, não teria sido solto, argumenta a ala de deputados que a defendem.

O presidente da Frente Parlamentar e da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Capitão Augusto (PR-SP), apresentou hoje um projeto para revogar o artigo 316. Para Lucena, essa proposta seria um caminho viável. No Senado, Major Olimpio (PSL-SP) apresentou outro projeto na mesma linha de Augusto.

Maia promete PEC até o final do ano; eleições devem atrasar análise

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu votar a PEC da 2ª instância em plenário até o final do ano. Por causa da pandemia, a matéria está emperrada desde março, quando atividades de colegiados foram suspensas.

Para a PEC ser votada em plenário, porém, é preciso que a comissão especial que analisa a proposta receba autorização para voltar a funcionar e aprove o relatório elaborado pelo deputado Fábio Trad.

Um projeto de resolução que permite essa volta foi apresentado, mas não há data certa para que seja apreciado. Pedidos semelhantes para o retorno de outras comissões já estão parados na Câmara, sem consenso, por exemplo.

A perspectiva dos deputados é de que o assunto só seja pautado depois das eleições municipais, marcadas para novembro. Ou seja, a PEC só deve voltar a andar realmente na Câmara em dezembro.

Além da permissão de prisão após condenação em segunda instância, o relatório elaborado por Trad prevê que a alteração do cumprimento da pena seja aplicada a todas as áreas do direito, inclusive a trabalhista.

A mudança não teria efeito retroativo. A ideia é que se aplique apenas a ações instauradas após a promulgação da proposta. O parecer não prevê a extinção dos recursos especial e extraordinário ao STF e STJ, mas retira o efeito impeditivo do trânsito em julgado deles.

Segundo Trad, a expectativa é de que o relatório seja aprovado com facilidade na comissão. Para ele, o ideal era que o colegiado fosse retomado até a primeira semana de novembro para que dê tempo de explicar melhor o relatório às lideranças partidárias e articular sua aprovação em plenário em dezembro.

O deputado considera que o caso do André do Rap deu uma nova dimensão à necessidade de se aprovar a PEC da 2ª instância e aumentou a pressão social, mas ressalta que o juízo político é de Maia.

O autor da PEC, Alex Manente (Cidadania-SP), não enxerga uma resistência de grupos à matéria, embora haja setores da esquerda no Parlamento que avaliam que a proposta possa atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele chega a Brasília amanhã para tentar dar celeridade ao processo da retomada da comissão, mas a previsão é que Maia permaneça no Rio de Janeiro. O líder do Podemos na Casa, Léo Moraes (RO), é um dos que apoiam a retomada dos trabalhos da comissão.

"Não podemos continuar observando e depender de prisões preventivas para manter alguém condenado em 2ª instância, com todas as provas. É um caso típico do que o Brasil hoje padece: de falta de legislação específica sobre o tema. Com isso, a gente tem uma demonstração real da necessidade da intervenção do Congresso numa legislação constitucional. É um caso simbólico. É a impunidade celebrada", avaliou Manente.