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'Morde e assopra' de Bolsonaro molda base engajada, dizem especialistas

7.out.2020 - Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro Paulo Guedes (Economia) durante o lançamento do programa "Voo Simples" - Mateus Bonomi/AGIF - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
7.out.2020 - Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro Paulo Guedes (Economia) durante o lançamento do programa "Voo Simples" Imagem: Mateus Bonomi/AGIF - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

30/10/2020 04h00

Desde que chegou ao poder, Jair Bolsonaro (sem partido) tem acumulado episódios nos quais se envolveu em atritos com outros atores políticos e, logo em seguida, reatou laços ou fez afagos para buscar uma conciliação. Já estiveram na mira do presidente, por exemplo, interlocutores como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes (Economia).

Em relação a Maia, Bolsonaro já afirmou que o parlamentar tinha "péssima atuação", disse que ele parecia "querer afundar a economia" e insinuou que ele teria interesse em derrubar o governante, entre outras declarações polêmicas. Já Guedes sofreu reprimendas públicas e, mais de uma vez, foi alvo de especulações sobre possível saída do governo. Na última terça-feira (27), em tom de brincadeira, o presidente disse ao ministro: "Até que enfim, achei alguém para te elogiar" (depois que um apoiador festejou o chefe da pasta da Economia na portaria do Alvorada).

Após farpas trocadas e vaivém de declarações por meio da imprensa e das redes sociais, o desfecho é quase sempre o mesmo: o caminho da pacificação. É a política do "morde e assopra", segundo definiram especialistas ouvidos pelo UOL.

Para os cientistas políticos Eduardo Ryo Tamaki (Universidade Federal de Minas Gerais) e Carlos Melo (Insper), a forma como Bolsonaro se relaciona com aliados, opositores e até membros do próprio governo, a exemplo de seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTB), faz parte de uma estratégia política mais ampla: manter o engajamento de sua base de apoio, marcada por uma postura "beligerante" e afeita à ideia do confronto.

Dessa forma, avaliam os acadêmicos, Bolsonaro imprime uma marca ao chamado "bolsonarismo" e passa a agir de acordo com a repercussão de seus atos. Os ecos das redes sociais, sobretudo, são os mais caros ao presidente.

Quando o apaziguamento não é possível ou não se mostra conveniente, a tática do chefe do Executivo federal seria outra: transformar o desafeto em inimigo público. Os entrevistados lembram que situação semelhante ocorreu com os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), assim como o governador de SP, João Doria. O trio tem um fato em comum: são ex-aliados que viraram adversários.

'Populismo e construção de um personagem'

Tamaki, pesquisador da UFMG e membro do "Team Populism", projeto da Universidade de Brigham Young (EUA) que monitora o fenômeno no planeta, diz que, para ele, Bolsonaro busca "jogar dos dois lados". "A mão que bate é a mesma mão que afaga", ironiza.

"O que importa para os eleitores dele é que ele foi para o embate e falou o que pensava. Depois, de maneira mais discreta, ele reata laços, mas isso não tem um impacto negativo em relação à base de apoio. A imagem dele é construída com a ideia de confronto. Mas quando ele vê que a conciliação é necessária, e isso faz parte da política, ele recua tranquilamente", explica.

A estratégia faria parte, segundo Tamaki, do processo de construção de um personagem que fincou raízes no "antielitismo". "Esse é um fenômeno que vem sendo observado desde que ele se lançou candidato a presidente, lá em 2014, e também é muito comum a lideranças políticas populistas em todo o mundio. Essas lideranças trabalham o populismo como uma forma de perpetuação."

"Metade do caminho é criar inimigos, símbolos que ele pode combater e colocar isso para o núcleo bruto de apoio, como se ele realmente estivesse em uma guerra e fosse um combatente. Mesmo que depois haja uma pacificação, o que fica para os apoiadores é a narrativa constante de que ele estaria enfrentando inimigos."

Postura beligerante é 'demanda' da base

Carlos Melo, professor de Sociologia e Política do Insper, diz que os conflitos na relação com outros atores políticos é uma "demanda" imposta pela própria base de apoio do presidente, que estaria suscetível a "alterações das tensões cotidianas". Segundo ele, isso não é uma "novidade" no país, mas Bolsonaro teria inovado ao elevar o acirramento à condição de "método".

Melo lembrou que outros presidentes como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também protagonizaram embates públicos. "A política tem desses processos de distanciamento e aproximação. Você pode pegar, por exemplo, o Lula e o Brizola durante muito tempo. O FHC, também, com o Antônio Carlos Magalhães. É mais ou menos natural."

"Mas com o Bolsonaro, não só é natural, mas também frequente. Isso porque há uma demanda de parte da base dele —,os apoiadores requerem essa temperatura elevada, essa fervura mais constante. Também há o lado um pouco mais estrutural, faz parte da personalidade dele e das condições políticas que ele surgiu. É de tudo um pouco."

Para o professor do Insper, há um outro fator que estimula o presidente a acirrar os ânimos com potenciais adversários e até mesmo com membros do próprio governo. "Ele precisa, de tempos em tempos, realçar para a base dele que ele é quem manda. Houve isso com Moro, com Mandetta, Mourão, e com Pazuello, no caso recente das vacinas", disse Melo, lembrando que, após o impasse com o ministro da Saúde, o presidente gravou um vídeo ao lado do subordinado para "selar a paz".

"Quando você tem que reafirmar autoridade o tempo todo é porque está inseguro em relação a ela", afirma.