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Vídeo de Silveira justifica uso da Lei de Segurança? A prisão em 5 questões

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

18/02/2021 04h00

A prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), acusado de incitar a violência para impedir o livre exercício do Legislativo e Judiciário em vídeo com ataques aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), causa divergência entre juristas ouvidos pelo UOL.

Especialistas veem erros e exageros na decretação da prisão, mas há também quem defenda que a legítima defesa do Supremo justifique até mesmo ilegalidades.

A detenção por crime inafiançável foi mantida em plenário no STF por unanimidade, com base na LSN (Lei de Segurança Nacional) —a partir do argumento de que houve desrespeito à Constituição e ataque à democracia. Detido na terça (16) em Petrópolis, na região serrana do Rio, Silveira foi conduzido à sede da Polícia Federal na capital e denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

Em vídeo, Silveira defendeu medidas antidemocráticas, como a adoção do AI-5 (Ato Institucional número 5), decreto que marcou o período mais duro da ditadura militar no país.

Vídeo justifica uso de Lei de Segurança Nacional?

Embora entenda que o vídeo não seria o suficiente para motivar o uso da Lei de Segurança Nacional, o advogado criminalista Gustavo Filgueiras diz acreditar que a medida possa ter sido motivada por "algo maior".

Ele [Daniel Silveira], sozinho, não justifica o uso da Lei de Segurança Nacional. Mas pode ser investigado pela suspeita de fazer parte de um movimento maior de forças políticas de grupos radicais de extrema-direita com o objetivo de fazer uma desestabilização progressiva do STF

Gustavo Filgueiras, advogado criminalista

Criada no governo do militar João Figueiredo, a lei nº 7.170/83 determina os crimes que "lesam ou expõem a perigo de lesão" a soberania nacional, o Estado de Direito ou chefes dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Filgueiras vê ilegalidades na prisão, mas diz que a medida se baseou no que entende ser uma omissão da Câmara dos Deputados para uma espécie de legítima defesa do Supremo.

Já a advogada criminalista Carolyne Albernard defendeu a determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes. "Sem dúvida, [a prisão] é polêmica. Mas a Lei de Segurança Nacional está em vigor. E o ministro entendeu que ela foi descumprida a partir das manifestações do deputado", avalia.

Legítima defesa do STF justifica ilegalidade?

"É duvidoso que ainda houvesse estado de flagrante em um vídeo postado 12 horas antes. [A prisão em flagrante] é a única situação em que um deputado, no exercício do mandato, poderia ser preso por crime inafiançável", argumenta Filgueiras.

"Me parece bem evidente que há falta de decoro. Mas a Câmara se omite. Aí, me pergunto: 'Como o Supremo vai se defender?'. A ação não é legal, mas é uma legítima defesa. O STF está usando a caneta que tem nas mãos para coibir esse tipo de atitude

Gustavo Filgueiras, advogado criminalista

Internet altera interpretação da LSN?

Professor de Direito Constitucional na Unisinos-RS, Lenio Streck também sustenta a tese de legítima defesa do Supremo. Para o advogado, a prisão em flagrante com base na Lei de Segurança Nacional se justifica pela rapidez da disseminação do vídeo na internet.

O flagrante não é uma fotografia da realidade. Com a velocidade de multiplicação nas redes sociais, o vídeo passa a ter outra conotação de flagrante. A imunidade parlamentar foi feita para garantir a democracia, não para destruí-la

Lenio Streck, professor da Unisinos-RS

Manutenção do vídeo em rede social sustenta flagrante?

Professor da FGV Direito Rio, o advogado Thiago Bottino também vê irregularidades na prisão em flagrante.

O ministro Alexandre de Moraes usou o argumento de que seria flagrante. Só que os crimes contra a honra são instantâneos e se esgotam no momento em que a pessoa fala. Não é porque o vídeo está no ar que há uma continuidade na prática do crime

Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio

Ele também contesta o fato de o despacho de Alexandre de Moraes apontar o caso como "crime inafiançável", condição prevista para a prisão de um parlamentar. "O caso dos crimes contra a honra não são inafiançáveis", analisa.

"A forma como ele [Daniel Silveira] age não é compatível com o decoro parlamentar. Mas não vou mudar os meus princípios só porque não gosto do que o sujeito fala ou representa. Não tem flagrante e não é inafiançável. Juridicamente, não concordo com a decisão."

Remoção de vídeo poderia barrar prisão preventiva?

Professor da Uerj (Universidade do Estado do RJ) e da FGV São Paulo, o advogado criminalista Davi Tangerino defende que a prisão em flagrante foi legal, já que pode ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Contudo, diz não acreditar que a medida possa ser convertida em uma prisão preventiva, já que o vídeo foi removido.

Não vejo motivo para que ele continue preso. Mas o Supremo deve ficar de olho. Se ele voltar a fazer ataques antidemocráticos, pode ser que ele seja preso preventivamente

Davi Tangerino, professor da Uerj e FGV São Paulo

O que diz a defesa de Silveira

A assessoria jurídica de Daniel Silveira disse, em nota compartilhada no Twitter, que a prisão decretada por Moraes tem "evidente teor político".

"A prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro", diz a nota da defesa, assinada pela advogada Thainara Prado.

A assessoria jurídica também contesta os argumentos utilizados pelo ministro e a prisão por flagrante delito. "Os fatos que embasaram a prisão sequer configuram crime, uma vez que acobertados pela inviolabilidade das palavras, opiniões e votos que a Constituição garante aos Deputados Federais e Senadores".