Topo

AM: Lima admite que indicou operador de esquema de respiradores inadequados

Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas - Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 27.jan.2021
Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas Imagem: Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 27.jan.2021

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

29/04/2021 11h00

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), admitiu em depoimento à PF (Polícia Federal) que partiu dele a indicação do empresário e ex-policial militar Gutemberg Alencar —apontado como operador do esquema que fraudou licitação e superfaturou a compra de 28 respiradores inadequados negociados em uma loja de vinhos— ao ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias. Wilson Lima, no entanto, sustenta que o comando não foi para que irregularidades fossem cometidas, mas, sim, para que os dois conversassem sobre a compra de equipamentos.

Ele [Alencar] não me ofereceu nada de ventiladores, de respiradores pulmonares. Apenas disse que poderia ajudar. Pedi a Tobias que o ouvisse e entendesse que tipo de ajuda ele poderia dar naquele momento."
Trecho do depoimento de Wilson Lima

As informações constam na denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) na segunda-feira (26) acusando o governador de chefiar uma organização criminosa que se aproveitou da situação de calamidade para desviar recursos públicos. O caso foi revelado com exclusividade pelo UOL em abril do ano passado.

Wilson Lima, na condição de gestor, supervisiona toda a 'montagem' do procedimento licitatório (feito a posteriori) que gerou o contrato fraudulento feito em favor da Vineria Adega.
Trecho da denúncia da PGR

Segundo a PGR, Lima orientou pessoalmente a fraude e tentou atrapalhar a investigação com adulteração de documentos e coação de testemunhas. A denúncia apresenta transcrições de conversas entre o governador e João Paulo Marques, ex-subsecretário executivo da Susam (Secretaria de Saúde do Amazonas).

Em uma delas, o governador pergunta sobre a assinatura da documentação de compra dos respiradores. João Paulo relata que Dayana Mejia, ex-subsecretária da Susam, apresentava resistência em fazê-lo. Em áudio, João Paulo já havia tentado convencê-la.

Lima, então, pergunta se o novo ocupante do cargo poderia fazê-lo, ao que João Paulo responde que não. O substituto deixou o cargo um mês após a nomeação.

Na ocasião, ele [Wilson Lima] possuía a ciência, bem como o controle da situação, de que o processo ainda estava sendo 'arrumado', tanto é que ele sugere/questiona para João Paulo se outro servidor da secretaria, de nome Ítalo, poderia assinar parte dos documentos que ainda estavam sendo confeccionados com data retroativa."
Trecho da denúncia da PGR

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Comunicação do estado não se manifestou sobre a declaração do governador admitindo a indicação de Alencar. Limitou-se a informar que "o governador sempre determinou aos gestores que garantissem o atendimento da população respeitando os processos legais da administração pública" e que seus atos "sempre zelaram pela legalidade e probidade".

Para a Secom, a denúncia não apresenta provas contra o governo. João Paulo Marques não respondeu aos pedidos da reportagem.

Vínculo "inusitado"

A ligação entre Alencar e o governador foi apontada pelo UOL no ano passado com a divulgação do depoimento da ex-gerente de compras da Secretaria de Saúde, Alcieide Figueiredo.

À Polícia Federal (PF), ela afirmou ter sido apresentada ao empresário na Susam e que caberia a ele "ajudar" nas compras — a mando de Lima e com conhecimento da Casa Civil, à época comandada pelo vice-governador, Carlos Almeida.

Almeida foi denunciado pela PGR e nega as acusações. Procurado pelo UOL, também não respondeu aos pedidos da reportagem.

O relato feito por Alcieide Figueiredo foi confirmado em depoimento pelo ex-secretário Rodrigo Tobias. É ele quem teria, após a indicação de Lima, viabilizado a influência de Alencar nas decisões de compra e o acesso privilegiado a documentos.

A PGR classifica como "inusitado" que uma pessoa sem vínculo com a administração pública mantenha poder de comando sobre a Secretaria de Saúde mesmo após troca de secretários.

Segundo a denúncia, o grupo pretendia agir em outras compras, o que não ocorreu em função da repercussão na imprensa: dois dias após o caso ser noticiado pelo UOL, em abril do ano passado, a subprocuradoria da República requisitou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) abertura de investigação do caso.

Entenda o caso

Segundo a investigação, a Susam analisava, sem processo licitatório e sob orientação de Alencar, a oferta da empresa Sonoar. Foi ela a responsável pela compra de respiradores em outros estados e pela revenda ao estado, o que gerou um lucro de mais de R$ 1,4 milhão num intervalo de seis dias.

O esquema de triangulação envolveu a venda dos equipamentos à loja de vinhos por R$ 2,5 milhões e a venda ao estado, duas horas depois, dos mesmos equipamentos por R$ 2,9 milhões. Os operadores lucraram até com o transporte dos respiradores, feitos em uma aeronave do governo antes mesmo de serem revendidos à loja de vinhos.

Posteriormente, os equipamentos foram considerados "inadequados" para pacientes de covid-19, segundo o Cremam (Conselho Regional de Medicina do Amazonas).

A investigação identificou o marido da então secretária de Comunicação e amiga de Wilson Lima, Daniella Assayag, como sócio oculto da Sonoar. O marido da ex-secretária, Luiz Avelino, é um dos denunciados. Segundo a PGR, a investigação não encontrou elementos que incriminassem Assayag.