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Cloroquina no Exército levará ex-chefe da Defesa à CPI e ameaça Bolsonaro

Ex-ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo - Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Ex-ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Hanrrikson de Andrade e Carla Araújo

Do UOL, em Brasília

28/05/2021 04h00Atualizada em 28/05/2021 10h11

O general Fernando Azevedo, ex-ministro da Defesa, deve ser chamado em breve à CPI da Covid, no Senado Federal, para esclarecer questões relacionadas à produção de cloroquina em laboratórios do Exército durante a pandemia do coronavírus.

O tema tem sido objeto de estudo por parte de parlamentares do bloco que une independentes e oposição. Eles aguardam o processamento de informações repassadas pelo Ministério da Saúde e pelas Forças Armadas. Também foi requerido o envio de informações do TCU (Tribunal de Contas da União), que investiga suspeitas de superfaturamento na compra de insumos utilizados na linha de produção.

Na avaliação de membros da CPI, o depoimento de Azevedo pode complicar ainda mais a situação de Jair Bolsonaro (sem partido). Em primeiro lugar, porque o ex-ministro deixou o governo chateado com o presidente da República e não teria motivos para "blindar" o antigo chefe. Além disso, ele poderá confirmar o que o próprio governante afirmou a seus seguidores em vídeo publicado nas redes sociais em março do ano passado.

Na ocasião, Bolsonaro —que é entusiasta da cloroquina e de sua principal derivação, a hidroxicloroquina— declarou que tinha ordenado o aumento da produção do medicamento (também utilizado contra a malária na região amazônica) em laboratórios militares. Meses depois, o presidente celebrou na internet os resultados da iniciativa: 500 mil comprimidos por semana.

O cenário é diferente do depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, também general do Exército. À CPI, o oficial da ativa negou ter recebido ordens diretas de Bolsonaro e, em relação a vários temas, buscou proteger o presidente.

A servidora do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina", também relatou à comissão que não recebeu orientações expressas do chefe do Poder Executivo para estimular o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada no tratamento da covid-19.

Em ofício enviado à CPI, o Exército confirmou que a produção de cloroquina disparou durante a pandemia. O incentivo do poder público ao uso dessa substância, alçada ao posto de política pública de enfrentamento à pandemia, é um dos principais pontos de interesse da CPI.

Convocação

Ainda não foi apresentado requerimento de convocação de Azevedo. Senadores ouvidos pelo UOL explicaram que há uma cronologia previamente estabelecida pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL).

Por enquanto, do ponto de vista da oposição, o foco deve se restringir à suposta estrutura de "assessoramento paralelo" dentro do Palácio do Planalto e do Ministério da Saúde. Já os governistas querem deslocar os holofotes para os governadores e os recursos destinados ao enfrentamento à covid nos estados e municípios.

Para articuladores do Exército junto ao Congresso, há sinais de alerta quanto a possíveis desdobramentos da apuração sobre produção de cloroquina em laboratórios militares. Eles avaliam que a imagem das Forças Armadas já foi "suficientemente impactada" pelas confusões do general Eduardo Pazuello (ex-ministro da Saúde).

Havia também temor de que o general Edson Pujol, ex-chefe do Exército, ou o atual comandante, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pudessem ser convocados para prestar esclarecimentos à CPI. Por si só, tais fatos já representariam um constrangimento para os militares. Essa possibilidade, no entanto, tem sido descartada pelos congressistas da oposição.

Mágoa com Bolsonaro

Desde que deixou o Ministério da Defesa, em março, o general Fernando Azevedo tem optado por manter a discrição. Apesar de magoado pela forma como foi tratado por Bolsonaro durante a sua demissão, o militar avisou a auxiliares que não seria de seu feitio "sair atirando".

A saída do cargo ocorreu em uma rápida conversa no Palácio do Planalto. Durante a interação, o presidente disse que precisaria do cargo de Azevedo para "fazer ajustes na Esplanada".

Pessoas próximas ao general dizem que ele está consciente de que pode vir a ser convocado pela CPI da Covid e tem repetido que está "tranquilo" em relação a essa possibilidade.

A avaliação feita por interlocutores do Ministério da Defesa que ainda têm vínculo com o general Azevedo é que os parlamentares poderiam ficar até mesmo "frustrados", já que o depoimento de Fernando poderia "acrescentar pouco". Essa ideia não é compartilhada pelos senadores da CPI.

De acordo com os relatos, o ex-ministro teria à disposição dados que mostram que a sua pasta, ao contrário da Saúde, deu muito suporte na crise do Amazonas. Apesar disso, há entre alguns militares mais ligados ao governo a impressão de que chamar o ex-ministro só serviria para "aumentar o circo da CPI".

11 vezes mais cloroquina

Para evitar brechas à desconfiança na relação com a CPI, o Exército se apressou em enviar aos parlamentares quase todas as informações solicitadas.

Num ofício remetido nesta semana e assinado pelo chefe de gabinete do Comando, a instituição informa que, em 2020, os laboratórios da LQFEX (Laboratório Químico Farmacêutico do Exército) geraram 3.329.910 comprimidos de cloroquina de 150 mg —11 vezes mais em comparação com três anos antes.

O documento também informa que as instalações deixaram de trabalhar em 2018 e 2019 porque não houve demanda. Ou seja, somente o estoque de 2017 (259.470) foi capaz de atender a 24 meses de consumo.

À época, o Ministério da Saúde era comandado por Luiz Henrique Mandetta. De acordo com o ofício do Exército, o pedido para aumentar a produção de cloroquina partiu da pasta. Diz ainda que o pleito foi encaminhado "no início da pandemia", mas não fixa uma data.

Em março de 2020, havia estudos e pesquisas científicas em andamento sobre a possibilidade de eficácia da cloroquina na resposta aos sintomas do coronavírus. No entanto, nos meses seguintes, a comunidade científica internacional obteve resultados que indicavam ineficiência da substância. Em maio, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou orientações quanto ao uso desses recursos farmacológicos.

Na contramão da ciência e dos alertas de médicos e pesquisadores quanto a potenciais efeitos colaterais da cloroquina (como arritmia e outros problemas), Bolsonaro e membros do governo continuaram a defender e a estimular o uso da droga durante o ano de 2020. Em 2021, a narrativa pró-medicamentos foi mantida, porém acabou por perder espaço para o clamor público pela vacinação.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.