Preço alto da Covaxin é para custear vacina barata na Índia, diz fabricante
O preço que o Brasil aceitou pagar pela vacina indiana Covaxin, US$ 15 a dose, está muito acima do valor das demais vacinas contra a covid-19 adquiridas pelo país. As vacinas da Jansen e parte das vacinas da Pfizer, por exemplo, custaram US$ 10 a dose. Já a Coronavac, vendida pelo Instituto Butantan, custou menos de US$ 6 a dose. Ainda não se sabe por que o Brasil optou pela vacina mais cara, se havia outras opções.
Segundo comunicado do fabricante indiano, Bharat Biotech, o preço elevado da Covaxin tem o objetivo de compensar a venda a preço baixo para o governo central indiano, que ajudou no desenvolvimento da vacina.
"O preço da Covaxin para o governo da Índia, de 150 rúpias (US$ 2), é não competitivo e claramente não sustentável no longo prazo. Por isso, um preço maior para mercados privados é necessário para compensar parte dos custos", informou a farmacêutica em 15 de junho.
O comunicado da Bharat Biotech não foi dirigido aos questionamentos da CPI da Covid, que vem analisando o contrato de compra da Covaxin. O texto visava, na verdade, a responder a críticas ao preço elevado da vacina feitas dentro da própria Índia.
Quatro faixas de preço
A fabricante da Covaxin divulgou, em abril, quatro faixas de preço diferentes para a vacina. A mais barata, no valor de 150 rúpias, é vendida para o governo central da Índia. O país tem quase 1,4 bilhão de habitantes, sete vezes a população brasileira.
A segunda faixa de preço é para governos estaduais indianos: 600 rúpias (cerca de US$ 8). Especialistas indianos criticaram o valor, superior a vacinas desenvolvidas fora do país, como a Astrazeneca, enquanto a Covaxin foi totalmente desenvolvida na Índia. A terceira faixa de valor é para hospitais privados indianos, 1.200 rúpias (cerca de US$ 16).
Ainda segundo o comunicado da Bharat Biotech, 90% da produção da Covaxin tem sido entregue ao governo central ou aos estados da Índia, fazendo com que o custo médio de venda da Covaxin no país esteja em 250 rúpias (em torno de US$ 3,50).
Já a quarta faixa de preço se refere à exportação: de US$ 15 a US$ 20, segundo a Bharat Biotech. O valor mais caro pago por hospitais privados indianos em relação à faixa mínima de exportação (US$ 16 versus US$ 15) também foi motivo de crítica na Índia.
Outra pergunta ainda sem resposta é se a Precisa Medicamentos, empresa brasileira que atua como intermediária da Bharat Biotech no contrato com o Ministério da Saúde, participou da definição do preço de exportação da Covaxin. A brasileira foi a primeira empresa de fora da Índia a formar parceria com a Covaxin, segundo o próprio site da farmacêutica indiana, em janeiro de 2020, antes mesmo do anúncio do valor de exportação da vacina. Também não está claro se a Precisa Medicamentos fica com parte do valor cobrado do Brasil.
Uma quinta faixa de preço ainda era pretendida pela Bharat Biotech. Em janeiro, o jornal Valor Econômico mostrou que a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (Abcvac) estava negociando a compra da Covaxin por uma faixa de preço que variava de US$ 34,43 a US$ 40,78 a dose, dependendo da quantidade encomendada. Neste momento, a compra de vacina por entidades privadas no Brasil não está autorizada.
Brasil não recebeu oferta de US$ 1,34
Em 30 de agosto de 2020, o embaixador do Brasil na Índia, André Aranha Corrêa do Lago escreveu para o Itamaraty para informar sobre as vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento na Índia. O UOL teve acesso ao documento.
Ao tratar da Covaxin, Lago abordou o preço estimado por dose da vacina: "Em evento recente, executivos da Bharat Biotech indicaram que o custo da dose da vacina seria de aproximadamente 100 rupias (cerca de USD 1,34)".
Ou seja, US$ 1,34 foi o custo estimado da vacina naquele momento, não o preço ofertado ao Brasil. O valor de 100 rúpias é 33% menor do que as 150 rúpias pagas pelo próprio governo central da Índia pela Covaxin.
Não há informações de que a vacina tenha sido oferecida ao Brasil por um preço diferente de US$ 15. Também não se sabe se o governo brasileiro tentou negociar para diminuir o valor da Covaxin.
Suspeitas sobre a compra da Covaxin
O Brasil contratou 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo total de R$ 1,6 bilhão. As doses deveriam ter chegado no país até maio, o que não aconteceu. Como o contrato prevê pagamento apenas após a entrega do produto, nada foi desembolsado até agora. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estuda cancelar a compra da Covaxin, que se tornou um dos alvos principais da CPI da covid.
Relatório do Tribunal de Contas da União de março, revelado pelo Metrópoles, diz não ter encontrado irregularidade no preço: "A mera diferença no valor da aquisição das vacinas citadas não constitui evidência suficiente para caracterização de sobrepreço".
A compra da Covaxin também é a única que foi feita por meio de intermediários, e não diretamente com o fabricante da vacina. O contrato foi assinado entre o governo brasileiro e a Precisa Medicamentos, que pertence à Global Gestão em Saúde e ao empresário Francisco Emerson Maximiano —que, por sua vez, também é sócio da Global.
A Global Gestão em Saúde é investigada por outro contrato firmado com o Ministério da Saúde, na gestão do então ministro Ricardo Barros (2016-2018), também investigado no caso. Hoje, Barros é deputado federal pelo Progressistas, e líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara dos Deputados. A compra da Covaxin foi beneficiada por uma emenda do deputado na medida provisória que liberou importação de vacinas não aprovadas pela Anvisa.
A assinatura do contrato para compra da Covaxin também foi rápida. Em 12 de janeiro, o laboratório indiano firmou parceria com a empresa brasileira. Em 25 de fevereiro, o contrato estava assinado —antes mesmo da aprovação do imunizante indiano pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Servidor do Ministério da Saúde prestou depoimento dizendo que houve pressão para agilizar os documentos de venda da Covaxin no Brasil.
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