Governo precisou de apenas uma reunião para iniciar negociação por Covaxin
O governo Jair Bolsonaro precisou de apenas uma reunião técnica, em novembro de 2020, para encaminhar três semanas depois um "memorando de entendimento não vinculante" por meio do qual manifestava interesse na compra da Covaxin. A vacina contra a covid-19 produzida na Índia tem custo alto e até hoje não obteve autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso emergencial.
O contrato para aquisição de 20 milhões de doses foi assinado em 25 de fevereiro deste ano, após 97 dias de conversas entre as partes, ao custo final de R$ 1,6 bilhão. Trata-se da vacina mais cara entre as que foram compradas pelo governo Bolsonaro até o momento.
A rapidez do acerto e o preço fixado em US$ 15 por dose —270% mais caro do que a própria Índia pagou um mês antes— colocaram o negócio na mira da CPI da Covid, no Senado, e do MPF (Ministério Público Federal), que identificou indícios de superfaturamento, e corrupção, entre outras possíveis irregularidades.
A primeira reunião entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, ocorreu em 20 de novembro. Na ocasião, o ofertante apresentou a minuta do acordo de confidencialidade. Em 11 de dezembro, o governo brasileiro assinou o documento e encaminhou "memorando de entendimento não vinculante", dando início formal às negociações.
O cronograma consta de ofício enviado pela Secretaria Executiva do Ministério da Saúde aos senadores da CPI da Covid, ao qual o UOL obteve acesso. O assunto será o tema central da audiência de hoje na comissão, marcada para ouvir os depoimentos do funcionário do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e do irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), a partir das 14h.
O servidor relatou ao MPF ter sofrido "pressões anormais" para dar celeridade às tratativas da Covaxin. Já o parlamentar declarou à imprensa ter comunicado ao presidente Bolsonaro os fatos narrados pelo irmão, que indicariam uma suposta tentativa de interferência indevida em favor de interesses alheios ao Plano Nacional de Imunização.
Governo ignorava ofertas da Pfizer
À época da primeira reunião no Ministério da Saúde, em 20 de novembro de 2020, as pesquisas da Covaxin ainda estavam em etapas preliminares e não havia nem mesmo a conclusão dos estudos clínicos de fase 1. Enquanto isso, nos Estados Unidos, dois dias antes, a Pfizer anunciava a conclusão dos testes de fase 3. Os resultados sugeriam, na ocasião, uma eficácia de 95% na prevenção contra o novo coronavírus.
Como revelado anteriormente pela CPI, no período entre agosto de novembro do ano passado, o governo Bolsonaro ignorou sucessivas ofertas da Pfizer para compra de vacinas e impôs uma série de condições que levaram ao atraso das negociações.
O fracasso nas tratativas com a Pfizer, durante o segundo semestre de 2020, foi um dos motivos que aumentaram a pressão para demissão do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. A queda dele ocorreu em 15 de março deste ano, dias antes de o governo superar os entraves com a farmacêutica norte-americana e acertar a compra de 100 milhões de doses.
Além de contar com evidências mais sólidas de eficácia a partir da conclusão dos estudos de fase 3 (última etapa na jornada de um imunizante e estágio final antes da obtenção de registro sanitário), o produto fabricado pela Pfizer também se revelou mais barato do que o produzido na Índia pelo laboratório Bharat Biotech.
De acordo com o contrato assinado em fevereiro de 2021 junto à Precisa Medicamentos, o governo brasileiro topou pagar US$ 15 por dose. Já no acordo com a Pfizer, o Ministério da Saúde aceitou pagar US$ 10 por dose. Posteriormente, as partes assinaram um segundo contrato, com preço fixado em US$ 12 por dose.
No total, os envolvidos na compra da vacina indiana participaram de apenas cinco reuniões técnicas entre o primeiro contato (20 de novembro) e a assinatura do contrato (25 de fevereiro), segundo aponta o documento.
Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde informou que qualquer comentário ou posicionamento institucional ficaria a cargo da Secretaria Especial de Comunicação Social. Até o momento, não houve resposta da pasta.
Aval da Anvisa com restrições
Somente depois de acertar a compra da Covaxin, governo e representantes da vacina se esforçaram com o intuito de conseguir junto à Anvisa o aval para importação. No entanto, o órgão regulatório rejeitou o primeiro pedido, 31 de março. O segundo pleito foi atendido com ressalvas, em 4 de junho. A mesma decisão foi aplicada ao pedido de importação da vacina russa Sputnik V.
Foi decidido que a operação de importação deve abranger apenas quantidades predeterminadas de cada imunizante. No caso da Covaxin, 4 milhões de doses. A Anvisa não autorizou o uso emergencial da vacina por falta de informações para a garantia de qualidade e segurança.
Apesar do aval parcial da autoridade sanitária, até o momento, o Brasil ainda não recebeu lote com doses da vacina indiana.
A previsão do Ministério da Saúde era de que as primeiras doses chegassem ao país em março. O atraso no cronograma de entregas também é um fato que será abordado pela CPI da Covid dentro da investigação acerca de possíveis irregularidades no acordo.
Patamar elevado de preço
A segunda reunião técnica entre o Ministério da Saúde e os representantes da vacina indiana ocorreu em 7 de janeiro. O encontrou serviu para que a Precisa e a Bharat Biotech apresentassem ao Ministério da Saúde informações sobre os estudos em andamento, além de "maiores detalhes técnicos e comerciais", segundo o documento obtido pela CPI da Covid.
Em 12 de janeiro, o laboratório indiano encaminhou uma carta ao governo Bolsonaro na qual fixou o preço de US$ 15 por dose. A chegada do documento consta dos registros da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde.
Três dias depois, em 15 de janeiro, o Itamaraty enviou um ofício à Anvisa no qual a Embaixada do Brasil na Índia alertava quanto ao elevado patamar de preço da Covaxin.
Na ocasião, a diplomacia brasileira baseada em Nova Déli comunicou ao Ministério das Relações Exteriores que o custo da Covaxin estava em discussão no país da Ásia meridional. O governo do primeiro-ministro Narendra Modi era criticado por ter pago US$ 4,10 por dose —valor superior ao praticado na Europa em acordos por outro imunizante, o da Oxford/AstraZeneca.
Em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde do Brasil aceitou pagar os US$ 15 por dose (R$ 80,70, na cotação da época) no acordo para adquirir os 20 milhões de doses.
Esse preço por dose estabelecido no acordo com o Brasil representa aproximadamente 1.000% a mais do que o valor que havia sido estipulado pela fabricante seis meses antes (US$ 1,34). De acordo com outro documento do Itamaraty enviado à CPI da Covid, esse custo seria, à época, inferior a uma "garrafa de água". Em nota, a defesa do laboratório Barat Biotech alegou que a precificação segue uma tabela prefixada para o mercado internacional.
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