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CEO: Pfizer abriu diálogo em maio, e Brasil ignorou 3 ofertas de vacinas

Rayanne Albuquerque e Hanrrikson de Andrade*

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

13/05/2021 11h19Atualizada em 13/05/2021 16h19

O CEO da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, informou hoje à CPI da Covid que o governo brasileiro ignorou três ofertas para aquisição de vacinas em agosto do ano passado, três meses depois que as negociações começaram (em maio).

Se um dos acordos tivesse sido fechado, segundo estimativa do depoente, o país teria recebido até o segundo trimestre de 2021 cerca de 18,5 milhões de doses. As primeiras remessas teriam chegado em dezembro do ano passado, de acordo com o cronograma inicial.

Em novembro, a farmacêutica procurou o Executivo federal outras duas vezes. As conversas começaram a avançar no fim daquele mês. Diante das dificuldades burocráticas, a Pfizer reclamou publicamente e informou que não pediria à Anvisa (Agência Nacional Vigilância Sanitária) o uso emergencial.

Com os entraves do ministério, o acordo só foi efetivamente concretizado em março deste ano, um mês depois de a Anvisa aprovar o registro definitivo do imunizante. O desfecho ocorreu sob críticas ao trabalho do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (um dos motivos pelos quais ele acabou demitido).

Até o momento, o Brasil recebeu pouco mais de 2 milhões de doses de vacinas da Pfizer. Há mais 100 milhões que já foram compradas, mas só vão começar a chegar ao país em setembro.

Murillo também confirmou que, enquanto o governo ignorava as ofertas, a farmacêutica enviou uma carta endereçada a Bolsonaro e ministros de estado com o objetivo de pedir mais rapidez nas negociações e se colocar à disposição.

Esse documento ficou dois meses parado, sem resposta, segundo informou ontem (12) o ex-secretário de comunicação do governo, Fabio Wajngarten, também em depoimento à CPI.

As primeiras reuniões sobre a possível vacina começaram no mês de maio de 2020
Carlos Murillo, gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina

Desde maio, no total, foram cinco oferas ao governo brasileiro, de acordo com o CEO da companhia. As três primeiras, no período até agosto de 2020, foram ignoradas. Elas disponibilizavam para comercialização 70 milhões de doses.

1ª proposta, feita em 14 de agosto de 2020

500 mil doses ainda em 2020
1,5 milhão de doses no 1º trimestre de 2021
5 milhões de doses no 2º trimestre de 2021
33 milhões de doses no 3º trimestre de 2021
30 milhões de doses no 4º trimestre de 2021

2ª proposta, feita em 18 de agosto de 2020

1,5 milhão de doses ainda em 2020.
1,5 milhão de doses no 1º trimestre de 2021
5 milhões de doses no 2º trimestre de 2021
33 milhões de doses no 3º trimestre de 2021.
29 milhões de doses no 4º trimestre de 2021

3ª proposta, feita em 26 de agosto de 2020

1,5 milhão de doses para 2020
3 milhões de doses para o 1º trimestre de 2021
14 milhões de doses para o 2º trimestre de 2021
26,5 milhões de doses para o 3º trimestre de 2021
25 milhões de doses para o 4º trimestre de 2021

Também em agosto de 2020, Bolsonaro acelerava o incentivo ao uso da hidroxicloroquina —substância que não tem eficácia científica comprovada no tratamento da covid.

Foi naquele mês que a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) veiculou a primeira campanha oficial de estímulo ao chamado "tratamento precoce".

Em live realizada em 20 de agosto, o presidente se referiu ao medicamento como "nossa cloroquina" e comemorou o fato de que o fármaco havia "chegado à China". Também nesse período, o governante costumava erguer ou exibir a caixa de um dos remédios à base de hidroxicloroquina em lives e aparições públicas.

Carta pode reforçar tese de erro do governo

Para senadores da CPI que são críticos ao governo e ao ideário de Jair Bolsonaro, o governo errou ao não efetivar a aquisição de vacinas da Pfizer. A tese ganhou ainda mais força depois do depoimento do ex-chefe da Secom Fabio Wajngarten, ontem (11), marcado por bate-boca e ameaças de prisão do publicitário.

Wajngarten afirmou aos parlamentares que a farmacêutica enviou uma carta ao governo com uma oferta de prioridade na compra dos imunizantes, porém o documento acabou ficando dois meses engavetado, sem que ninguém se preocupasse em dar uma resposta.

O documento teria sido endereçado a membros do governo, inclusive Jair Bolsonaro (sem partido), o vice Hamilton Mourão (PRTB), e três ministros. Ainda assim, Wajngarten buscou isentar Bolsonaro de qualquer culpa por eventuais omissões e minimizar a quantidade doses que supostamente foram oferecidas nas primeiras conversas com a farmacêutica —500 mil doses, disse.

Segundo o relato, insatisfeito com a situação, o publicitário teria tentado assumir a dianteira das negociações —por acreditar que era o melhor para os interesses do país. Ele confirmou ter aberto "as portas do Planalto" para as conversas com a Pfizer —informação que ele já havia revelado em entrevista à revista Veja, na qual disse também que a gestão do governo da pandemia é "incompetente".

Os senadores questionaram se ele julgava ter sido a melhor decisão, já que era chefe da pasta de comunicação do governo, sem nenhuma relação com o Ministério da Saúde.

O depoente disse que havia se sensibilizado com a situação de vítimas da covid-19 e que entendia ser uma iniciativa correta. Ao longo das explicações, ala de senadores enxergou contradições e mentiras por parte de Wajngarten.

* Com a colaboração de Ana Carla Bermúdez, do UOL

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.