Topo

"Nosso ego é humilhado todos os dias", diz Pedro Bial

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

06/07/2021 16h17

Pedro Bial, da Rede Globo, que tem uma longa carreira como correspondente internacional, apresentador de programa e roteirista, fala da importância de todo jornalista se manter desconfiado e lembra que o ofício costuma trazer mais frustrações do que vitórias.

Convidado do programa "Jornalistas e Etc." de hoje, Bial diz que todos têm "complexo de Deus" e que entre jornalistas isso não seria diferente. "O ser humano tem complexo de Deus. Tanto que um dos clichês jornalístico, quando há avanço científico súbito, é dizer: 'O homem brincando de Deus'". O programa é apresentado pela colunista do UOL Thaís Oyama. Você pode assistir a todos os programas do UOL no Canal UOL.

Segundo ele, esse complexo e o ego de todo jornalista se origina, na verdade, de uma inferioridade. "Acho que é um complexo de inferioridade do jornalista ao reagir. Todo complexo de inferioridade se manifesta como superioridade. Por que a nossa profissão é na verdade um exercício diário de frustração."

Mesmo quando a gente vence, essa vitória é muito rápida.
Pedro Bial, jornalista

"O nosso ego é humilhado todos os dias. A gente acha que criou alguma coisa, que vai ter grandes consequências aquilo que a gente está revelando e a gente sabe que não é assim."

Jornalismo erra mais do que acerta

Embora o ego jornalístico tente dizer o contrário, para Bial, o jornalismo coleciona mais erros na história do que acertos. A origem do problema, segundo ele, é a atitude constante de atribuir moral a um trabalho que deveria ser mais de observação.

"A gente cede à tentação de moralizar, mesmo que de maneira disfarçada. Para isso, contribui também a expectativa do leitor, que precisa desse tipo de categoria."

O espectador de TV, seja brasileiro, americano ou japonês, quer entender quem está certo e quem está errado, quem é bom e quem é ruim. Só que a vida não é assim.

Como exemplo, Bial cita o ex-presidente americano Franklin Delano Roosevelt foi criticado na época por sua política keynesiana. Mas, após sua morte, foi considerado um dos melhores presidentes do país. A mesma lógica se aplica ao ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas que, se por um lado foi ditador, por outro garantiu leis trabalhistas modernas.

Agora, olhando de longe, posso ficar aqui ditando regra. Mas o jornalismo no afã dos acontecimentos é fácil errar.

No entanto, Bial diz ver o erro do maniqueísmo não só no jornalismo, mas também nas artes e nas redes sociais, que ganham com o engajamento de frustrações.

Em cima de torre, não de muro

Segundo ele, uma das características mais importantes que um jornalista deve manter é a desconfiança de tudo e de todos. "Quando se institucionaliza uma causa, e é necessário institucionalizar para organizar, você tem que usar toda a desconfiança do mundo."

Na guerra cultural que existe atualmente, Bial diz que o papel do jornalista é se manter em cima de uma torre de observação, monitorando todos os ângulos e resistindo a tendência de pender para um dos lados.

"Em televisão aberta, eu quero todo mundo, os dois lados da guerra cultural. Então eu costumo dizer que nós estamos numa torre. Não é muro, é torre. E dali a gente pode ver os dois lados. Por mais que a gente simpatize com um dos dois lados, simpatia não tem nada a ver com isso."

É importante a gente se indignar, não ver naturalidade em coisas que não são razoáveis. Inclusive essa é a nossa profissão, o jornalista é treinado para ver a notícia onde ninguém tinha percebido.

Essa indignação, de acordo com ele, não serve para absolver ninguém do que está ocorrendo. "Não existe ninguém inocente totalmente e infelizmente não dá para botar toda a culpa em um objeto só. Tem construções que dependem de muita gente, muito movimento."

Repórter e entrevistador

Depois de atuar tantos anos como repórter, hoje Pedro Bial comanda o programa de entrevistas da TV Globo "Conversa com Bial". Segundo ele, é importante que todo repórter seja um bom entrevistador. A recíproca, porém, não é verdadeira.

É mais comum um bom repórter ser um bom entrevistador, mas um bom entrevistador não é necessariamente um bom repórter.

"Um bom entrevistador tem como objetivo final a entrevista em si. O repórter tem a entrevista como um dos recursos para o produto final que ele quer atingir", afirma.

Ele relembra que, quando começou a trabalhar na televisão, não gostava de aparecer em frente às câmeras e preferia fazer as entrevistas sem aparecer. Agora, Bial comanda um talk show onde, segundo ele, a pergunta também tem um papel tão relevante quanto a resposta do entrevistado.

Para o futuro, seu desejo é fazer ainda mais de toda a experiência que já acumulou até hoje no jornalismo. Ele adianta que está produzindo agora uma biografia da empresária Luiza Helena Trajano, que deve sair entre outubro e novembro. Há também planos para uma série para streaming e também uma sitcom.