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71% mudaram jeito de ver WhatsApp após eleição de 2018, aponta pesquisa

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Imagem: iStock/Getty

Sérgio Spagnuolo e Laís Martins

Do Núcleo (nucleo.jor.br)

09/07/2021 04h00

Atire o primeiro emoji quem não saiu —ou foi removido— de um grupo de WhatsApp na época das eleições de 2018 por alguma discordância visceral com certos membros de outros espectros políticos.

A disputa presidencial dividiu famílias, amizades e também grupos virtuais e mudou radicalmente a forma como os brasileiros usam o WhatsApp, promovendo um olhar mais crítico às informações recebidas nessa rede e motivando a criação de regras de conduta mais claras para reger o comportamento dentro de grupos.

A conclusão é baseada em uma ampla pesquisa* sobre o uso do WhatsApp realizada pelo InternetLab em parceria com a Rede Conhecimento Social, à qual o Núcleo mostra com exclusividade. O estudo tem mais de 3.100 respondentes e é representativo da população de mais de 16 anos que utiliza internet.

Dois pontos principais sobre mudanças de hábitos saltam aos olhos na pesquisa:

  • 71% dos respondentes afirmaram ter mudado de comportamento no aplicativo depois das eleições de 2018, até mesmo se comedindo para dar respostas em grupos;
  • Metade afirmou ter notado mudanças nas regras de convivência de grupos, sobre o que poderia ou não ser compartilhado neles.

Faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2022, que prometem ser tão ou mais polarizadas do que as anteriores, essas pequenas e importantes mudanças são colocadas à prova constantemente —até porque não tem para onde correr, considerando que o WhatsApp, que pertence ao Facebook, domina o mercado de mensagens no país, presente em quase todos os celulares brasileiros.

Coloca-se nessa escala, também, o papel dos grupos, que representam uma imensa parte da interação entre as pessoas no aplicativo: 95% dos usuários do aplicativo estão em pelo menos um.

Eu não sei quantos grupos eu tenho e acho que deveria ser uma funcionalidade do WhatsApp mostrar quantos. Eu tenho grupos que silencio e nunca leio. Fora aqueles que a gente fica de terminar o grupo depois e nunca termina. Com certeza tenho mais de 20.
Respondente da pesquisa de capital da região Sul

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Imagem: Voltdatalab

Sobre a pesquisa

O InternetLab e a Rede Conhecimento Social coletaram dados de um painel online e registraram 3.113 entrevistas entre 7 e 16 de dezembro de 2020. O público considerado foi de maiores de 16 anos com acesso à internet e uso de WhatsApp.

A margem de erro de é de 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. A amostra é proporcional ao universo pesquisado, segundo os autores.

Houve também uma pesquisa qualitativa prévia com 7 grupos de discussão de 7 ou 8 pessoas, de várias regiões.

Acesse a pesquisa completa: https://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2021/07/Os-Vetores-da-Comunicacao-Politica-em-Aplicativos-de-Mensagem.pdf

Afeto e mentiras

Boa parte do que gerou essas mudanças pode ser atribuído a dois fatores principais:

  1. motivações afetivas;
  2. receio de desinformação.


O primeiro se deve a razões mais pessoais, uma vez que a polarização política gerou constrangimento em grupos de pessoas mais próximas e atritos em relacionamentos familiares, amizades e, por vezes, até profissionais, explicaram ao Núcleo Heloisa Massaro, coordenadora de pesquisa na área de Informação e Política no InternetLab, e Fernanda Império, consultora da Rede Conhecimento Social.

Os grupos de família e amigos, seguidos dos de trabalho, são os mais comuns no WhatsApp dos brasileiros ouvidos na pesquisa. Não à toa, estes também são os grupos em que mais se fala sobre notícias políticas e que foram apontados como os grupos que mais têm capacidade de influenciar na escolha de um candidato.

Em 2018, eu saí também do grupo de dança, que era um grupo em que eu dancei por 15 anos aqui na minha cidade e mesma coisa de política. O grupo estava bem espalhado, pessoas de todos os cantos do Brasil e com isso começaram as mensagens políticas das mais diversas. Então, para não ter briga, eu prefiro sair. Eu saio porque é melhor manter a amizade.
Respondente do interior do Centro-Oeste

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Imagem: Voltdatalab

Um segundo fator que pode explicar a mudança de comportamento após 2018 e que apareceu na pesquisa de maneira menos espontânea está ligado ao maior receio em disseminar desinformação involuntariamente.

Usuários criaram uma ética própria em relação a "notícias falsas", comportamento que foi notado tanto entre pessoas que se declaram de esquerda quanto de direita.

É importante pontuar, porém, que o entendimento do que significa checar uma notícia falsa varia entre os grupos —mas a preocupação, de uma forma ou de outra, está lá.

"Essa ética pessoal vai depender de como a pessoa lê o mundo ou o ecossistema de informação em que ela está inserida", disse Heloisa Massaro, do InternetLab.

"Então o que significa checar fonte é diferente de pessoa para pessoa. Não necessariamente a emergência de uma ética por si só é algo positivo ou negativo. O que é essa ética depende muito de onde a pessoa está situada", avaliou.

Mesmo assim, 30% dos respondentes admitiram, ao menos parcialmente, ter repassado notícias sem averiguar a origem da informação. Respondentes à direita se mostraram mais dispostos a admitir essa postura —40% reconheceram ter feito isso, ao passo que apenas 25% de esquerda o fizeram.

Para provar que a polarização não vai embora tão cedo no Zap, 1 em cada 3 respondentes disse compartilhar conteúdo potencialmente ofensivo quando acredita em uma ideia, na linha do chamado "viés de confirmação", tão presente no cenário de desinformação.

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Imagem: Voltdatalab

Vale no offline, vale no online

O WhatsApp não é uma rede homogênea —e nem seus grupos. Além das limitações técnicas impostas pela ferramenta, como limites de encaminhamento e limites a mensagens virais, não há um manual de regras de convivência que se aplique a todos os grupos.

Nos últimos anos o WhatsApp implementou limitações como limites de encaminhamento (redução de 25% nos encaminhamentos), limites mais rígidos para mensagens virais, proibição de mensagens em massa e regras específicas para partidos políticos.

A pesquisa mostrou ainda que mesmo em grupos de "tipos semelhantes", como, por exemplo, os grupos de compra e venda, as regras próprias podem divergir consideravelmente.

Para Massaro, as normas se dão de forma muito casuística, uma vez que a estrutura dos grupos está embutida diretamente nas relações das pessoas. Isso significa que muitas regras e decisões de comportamento são trazidas do offline para o online, emulando interações presenciais.

Então, não tem diferença eu dizer no grupo da família, no WhatsApp ou num almoço de domingo. O filtro é o mesmo. Tem grupos em que eu me sinto à vontade, tem grupos em que eu não me sinto. Tem gente que eu nunca vi na vida, então como eu vou interagir? Quando eu vou interagir, é como se eu estivesse entrando num grupo onde eu não conheço ninguém. É igual!
Respondente de capital na região Sul

No caso de alguns grupos, onde há uma administração mais incisiva e presente, como os de comércio e os de caráter religioso, as regras estão no cerne da troca de mensagens e fazer parte dele significa consentir com os termos propostos.

Em grupos mais informais, como grupos de educação, segundo as pesquisadoras, as regras vão sendo formuladas à medida que o grupo se desenvolve, em uma espécie de consenso.

É uma biblioteca, então cada vez que alguém joga um bom dia ou coisa parecida, o administrador do grupo coloca um 'psiu, isso aqui é uma biblioteca!'. Eu estou numa biblioteca, eu tenho que fazer silêncio porque eu vou atrapalhar o colega que está lendo. Então, é o grupo que tem a regra mais severa. Uma das regras é a expulsão do grupo.
Respondente de estado da região Norte

Subgrupos

Outro comportamento comum entre os brasileiros ouvidos na pesquisa foi a divisão de grupos maiores em grupos menores, entre pessoas que compartilham do mesmo posicionamento político ou que estariam dispostas a falar sobre política.

Ao menos 42% dos consultados pela pesquisa afirmaram ter visto a divisão de grupos de amigos em grupos menores.

"A pessoa de uma certa forma continua no grupo grande, mas busca uma cumplicidade num grupinho menor para comentar o próprio grupo grande", disse Fernanda Império, da Rede Conhecimento Social.

A subdivisão de grupos também foi notada de maneira semelhante entre pessoas de esquerda e de direita, segundo as pesquisadoras.

Essa observação, aliás, permeou a pesquisa, explicou Massaro. Em diversos momentos durante os grupos de discussão —um dos métodos utilizados nesta pesquisa—, não era possível distinguir o posicionamento político da pessoa pelo comportamento que ela narrava.

2018 de novo?

Uma das consequências dessa mudança de comportamento no WhatsApp é um maior ceticismo ou desconfiança dos usuários quanto às estratégias de comunicação política no aplicativo de mensagens.

Mais da metade dos respondentes disseram ter sido atingidos passivamente por grupos políticos nas eleições municipais de 2020, seja pelo recebimento de um link para um grupo ou a inserção por alguém conhecido dentro de um grupo. Apenas 18% relatam ter pedido para entrar nesses espaços coletivos de discussão.

Se a parcela de pessoas que recebem convites ou são inseridas em grupos é alta, a fatia dos que ficam é menor, explicou Fernanda Império. Segundo ela, com as mudanças no comportamento as pessoas chegam a apagar e sair de grupos nos quais são inseridas sem consentimento, o que acontecia menos antes.

Para as pesquisadoras, a mudança de comportamento nesse sentido reforça como táticas de comunicação e propaganda política usadas em eleições passadas já não serão mais tão efetivas daqui para frente.

Em outubro de 2018, reportagem da Folha de S. Paulo revelou que empresários financiaram contratos de até R$ 12 milhões com empresas que realizavam disparos em massa de mensagens contrárias ao PT no WhatsApp.

"Esse contraste de dados revela exatamente a tensão entre o que são as táticas de estratégia das campanhas quando elas querem usar uma ferramenta e como isso passa pela forma como as pessoas usam e percebem aquele aplicativo", explicou Massaro, do InternetLab.

"Não adianta a pessoa conseguir o número de todas as pessoas e enviar para todo mundo um link se aquele não estiver intricado na forma com que a pessoa se relaciona com o aplicativo. Se aquilo não fizer sentido para ela, talvez não seja nem um pouco efetivo", acrescentou a pesquisadora.

De toda forma, o WhatsApp ainda é uma ferramenta preciosa para a máquina eleitoral. Segundo a pesquisa, informações recebidas pelo app foram suficientemente importantes para 36% dos brasileiros formarem seus votos nas eleições municipais de 2020.

Como fizemos

O InternetLab e a Rede Conhecimento Social forneceram primeiro para o Núcleo os resultados e dados da pesquisa. Analisamos essas informações e entrevistamos as coordenadoras de pesquisa por trás dela.

As organizações coletaram dados de um painel online e registraram 3.113 entrevistas entre 7 e 16 de dezembro de 2020. O público considerado foi de maiores de 16 anos com acesso à internet e uso de WhatsApp. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. A amostra é proporcional ao universo pesquisado, segundo os autores.

Houve também uma pesquisa qualitativa prévia com sete grupos de discussão de sete ou oito pessoas, de várias regiões.

* A pesquisa teve apoio financeiro do próprio WhatsApp, mas foi conduzida de maneira independente pelas organizações.

Nota dos autores:

Esta pesquisa foi realizada de forma independente pelo InternetLab e pela Rede Conhecimento Social, com apoio de doação financeira realizada pela empresa. Seguindo a política de financiamento do InternetLab e de acordo com disposição contratual, o WhatsApp não teve nenhuma ingerência sobre o desenho da pesquisa, a coleta e análise dos dados, e a organização dos resultados.

A pesquisa e os dados de amostragem podem ser acessados neste link. Acesse o conteúdo original neste link.

Texto: Sérgio Spagnuolo e Laís Martins
Gráficos: Rodolfo Almeida
Dados: Internetlab e Rede Conhecimento Social
Edição: Alexandre Orrico e Samira Menezes