Vitamedic gastou R$ 717 mil para divulgar kit covid, diz executivo a CPI
A farmacêutica Vitamedic gastou cerca de R$ 717 mil para patrocinar a publicação de um manifesto do grupo "Médicos Pela Vida", composto por profissionais de saúde apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), nos principais jornais do país, que defendia o chamado tratamento precoce com medicamentos que formam o kit covid. Por exemplo, cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D.
Estes remédios não têm eficácia comprovada para o tratamento da covid-19. A ivermectina é um antiparasitário e muito utilizado para o combate de verminose, sarna e piolho.
A ação e o valor foram confirmados pelo executivo Jailton Batista, designado pela Vitamedic para depor hoje em audiência na CPI da Covid, no Senado.
A Vitamedic está entre as principais farmacêuticas que vendem ivermectina no Brasil. Batista informou que o faturamento da Vitamedic deu um salto de R$ 200 milhões, em 2019, para R$ 540 milhões, em 2020. Até julho deste ano, a farmacêutica faturou cerca de R$ 300 milhões.
Somente com a ivermectina, o faturamento passou de quase R$ 15,7 milhões, em 2019, para quase R$ 470 milhões, em 2020. Batista afirmou que houve uma variação acima de 60% no preço do remédio na pandemia motivada pela variação cambial da matéria-prima e do aumento de custos internos.
Embora tenha patrocinado o anúncio, a farmacêutica não conduziu qualquer estudo que indicasse a eficácia da ivermectina para o tratamento da covid-19, admitou o executivo. Batista buscou justificar que a Vitamedic continuou vendendo ivermectina sabendo que seria destinada ao suposto tratamento da doença devido à demanda de mercado.
"Havia mais solicitação de pedidos da nossa cadeia de distribuição. Hospitais e instituições de saúde começaram a demandar o produto, e nós produzimos", disse.
Batista disse que a Vitamedic vendeu 1,127 milhão de unidades da ivermectina a municípios e que não houve venda direta para o governo federal.
Em relação à vitamina D, também propagandeada no kit covid por melhorar a imunidade dos pacientes, o faturamento cresceu de cerca de R$ 500 mil, em 2019, para R$ 2,3 milhões, em 2020.
O Médicos pela Vida ganhou projeção entre os bolsonaristas depois de participar de uma audiência no Palácio do Planalto em 8 de setembro do ano passado. Uma das linhas de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito indica que o grupo atuou informalmente, por intermédio do deputado Osmar Terra (MDB-RS), em assessoramento eventual ao chamado "gabinete paralelo".
De acordo com Batista, a Vitamedic foi procurada pelos médicos entusiastas dos mesmos medicamentos que, mesmo sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus, são incentivados por Bolsonaro e outros governistas.
O objetivo do contato teria sido para custear a publicação de um manifesto em defesa do kit covid. A publicação ocorreu em fevereiro deste ano.
"Eles [Médicos pela Vida] pediram o patrocínio e a Vitamedic assim o fez", afirmou Batista ao relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
O executivo defendeu que a empresa não buscou informações acerca do "mérito" do dito manifesto. Pressionado pelos membros do colegiado, ele disse que, independentemente da "opinião" dos médicos parceiros, já havia uma forte demanda de mercado.
"Não entramos no mérito do conteúdo", argumentou o depoente.
Batista buscou defender que o conteúdo do manifesto não era somente sobre a ivermectina.
"Ele fala de corticoides e produtos para melhorar a imunidade, produtos anticoagulantes, tem uma série itens aí. Ele não é um manifesto em favor da ivermectina, eu queria deixar claro isto, que ele é um documento, inclusive, cujo conteúdo é de inteira responsabilidade dos próprios médicos e não da nossa empresa."
Jailton Batista negou que tenha articulado a propaganda da ivermectina com o presidente Bolsonaro.
Em abril desse ano, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou uma ação civil pública no Rio Grande do Sul contra o grupo Médicos pela Vida em razão da publicação do manifesto. O órgão considerou à época que a veiculação do documento —cujo conteúdo contraria o resultado de estudos científicos— causava "dano potencial à saúde e dano moral coletivo".
Entre outras medidas, a ação civil pede o pagamento de indenização no valor sugerido de R$ 10 milhões, como forma de reparação. O processo está em andamento.
O MPF também solicitou à Justiça que Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) seja condenada a adotar todas as providências de polícia administrativa em relação às peças publicitárias de autoria do Médicos pela Vida.
Executivo diz que vacinação é melhor saída
Apesar do patrocínio em defesa a medicamentos ineficazes contra a covid-19, aos senadores, Jailton Batista afirmou que a vacinação contra a doença é a melhor maneira para que toda a população possa superar a pandemia do novo coronavírus.
"Somos os primeiros a incentivar o nosso corpo de funcionários a também proceder à vacinação, porque achamos que essa é a melhor maneira de a gente superar, o mais rápido possível, essa tragédia da pandemia", declarou.
Críticas da oposição
Na CPI, senadores da oposição criticaram duramente a atitude da Vitamedic por, mesmo que indiretamente, estimular o uso de um remédio sem eficácia comprovada em meio à gravidade da pandemia.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que vai pedir que a CPI encaminhe uma denúncia contra a Vitamedic e seus representantes por uma série de supostos crimes a partir do financiamento do manifesto, como curandeirismo, advocacia administrativa, corrupção ativa e passiva, e publicidade enganosa.
Ele ainda disse que o que a Vitamedic "fez com o Brasil é cringe". Na internet, o termo cringe ganhou força em junho ao ser usado para designar algo que é digno de "vergonha alheia" e se tornar a gíria da geração Z (nascidos entre o fim dos anos 1990 e o ano 2010) usada para descrever os não mais tão jovens membros da geração millennial (nascidos entre o fim dos anos 1980 e o fim dos anos 1990).
Em inglês, é um verbo, mas ganhou status de adjetivo nas redes sociais e virou fenômeno de pesquisas nas plataformas de buscas.
A cúpula da CPI avalia entrar na Justiça Federal com pedido cautelar de bloqueio de recursos suficientes da Vitamedic com o objetivo de que ela "ressarça" os cofres públicos.
"Eem que pesem as tentativas do depoente de informar que apenas atendeu a demanda do mercado, essas compras são claras violações ao interesse público e às normas que regem as compras públicas no país", disse Fabiano Contarato (Rede-ES), que deu a sugestão.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), chamou a ideia de "absurda".
Senadores governistas, como Luis Carlos Heinze (PP-RS), reclamaram ainda ao longo do depoimento de haver uma suposta criminalização do chamado "tratamento precoce" quando há prescrição do médico responsável.
CPI aprova acareação entre Onyx e Luis Miranda
A CPI aprovou hoje requerimento para promover uma acareação entre o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), com previsão para acontecer em 18 de agosto.
Eles deverão falar frente a frente sobre supostas irregularidades no caso da compra da vacina indiana Covaxin, denunciada por Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde.
*Com a colaboração de Leticia Lazaro.
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