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Temor é de conflito entre facções armadas em 2022 no Brasil, diz Greenwald

Colaboração para o UOL

24/08/2021 11h46Atualizada em 24/08/2021 16h12

Para o jornalista Glenn Greenwald, o cenário das eleições presidenciais no Brasil em 2022 pode levar facções armadas, incluindo parte da polícia militar, a saírem às ruas caso o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seja derrotado nas urnas. "Estou especulando, mas meu medo é que não vai ser um golpe puro dos militares. Pode ter um conflito violento entre facções armadas na rua, em todo lugar, o que cria violência, falta de estabilidade política e social", disse ele.

"A coisa que me deixa mais preocupado, a pergunta que tenho colocado para todos é a mesma que todos têm: qual seria a postura do militar se Bolsonaro tentasse fazer golpe, se perder eleição e não quiser sair do cargo?", questionou ele durante o UOL Entrevista, comandado por Fabíola Cidral e com participações dos colunistas Diogo Schelp e Kennedy Alencar. "É perigoso quando precisamos perguntar isso, nunca queremos uma situação em que se depende da postura militar. Nos EUA sabíamos que os militares nunca permitiriam golpe pelo Trump", disse.

Greenwald lembrou o que foi feito pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que questionou os resultados eleitorais após ser derrotado pelo democrata Joe Biden, no ano passado, e incitou manifestantes a invadirem o Capitólio em janeiro deste ano. Apesar das tentativas de Trump, Biden tomou posse como presidente. O jornalista pontuou, no entanto, que há diferenças entre as democracias americana e brasileira.

Aqui no Brasil é uma história completamente diferente, a democracia tem 35 anos, não 200 [como nos Estados Unidos], com instituições muito frágeis. Tenho perguntas. O Trump conseguiu 800 pessoas naquele dia [da invasão do Capitólio]. Acho que Bolsonaro tem milhares de fanáticos que iriam às ruas com armas, usando violência. Meu medo maior é que não vai ter golpe limpo como em 1964, mas poderia ter facções de polícia militar, e outras surgindo no [meio] militar, que podem criar desordem na sociedade.
Glenn Greenwald

Bolsonaro, que deve se candidatar à reeleição, tem feito uma série de ataques infundados à lisura do processo eleitoral, com críticas à urna eletrônica. Greenwald declarou que, apesar de as instituições brasileiras estarem dando sinais de "muita resistência" aos ataques realizados pelo presidente, não se sabe se esse cenário será mantido caso ele não vença as eleições no ano que vem.

"Esse sempre era meu medo da presidência de Bolsonaro: qual capacidade as instituições têm para resistir ao autoritarismo de Bolsonaro? Fico surpreso que o Congresso, o STF [Supremo Tribunal Federal], a mídia e os cidadãos estão dando muita resistência, o que me dá conforto, mas há preocupações se podemos manter isso caso Bolsonaro perca as eleições, incitando os fanáticos dele de que foi fraude", disse, acrescentando acreditar que "grande parte dos militares acredita na democracia".

Uso 'excessivo' das palavras fascista e nazista

Na entrevista, Greenwald também afirmou ver um uso "excessivo" de palavras como fascista e nazista para descrever líderes como Trump e Bolsonaro.

"O discurso no Brasil às vezes é excessivo, de forma que ajuda Bolsonaro e ajudou Trump. Nunca gostei da tentativa de escrever Trump como fascista, nazista e comparado a Hitler, era muito feito pela mídia mainstream; não eram só os fanáticos de esquerda no Twitter, mas foi uma narrativa aceita. É excessivo e vai destruir a confiança das pessoas na mídia, exceto do campo progressista", disse.

Para ele, o uso da palavra genocida, amplamente difundida pela esquerda para descrever o comportamento de Bolsonaro, em especial no que diz respeito à condução da pandemia do coronavírus, também deve ser realizado com cuidado.

"A definição [de genocídio] é muito clara e estabelecida na lei internacional, é o assassino do grupo racial, religião ou étnico, o que não estou vendo [em] como Bolsonaro gerencia a covid", declarou. "Essas palavras precisam ter o significado correto, senão vão perder sua força".

Atividades corruptas por parte de autoridades

Um dos fundadores do The Intercept Brasil, site que publicou uma série de reportagens feitas com base em mensagens trocadas por procuradores da Operação Lava Jato e que foram obtidas por hackers, Greenwald defendeu o uso de meios que podem vir a ser ilegais para a revelação de atitudes corruptas e que também vão contra a lei por parte de autoridades.

"Como jornalista, vejo que facções poderosas fazem posturas ilegais e queremos incentivar [a] descobrir o que estão fazendo. Às vezes, a única alternativa de descobrir é com um processo que a lei não permite. Às vezes, a lei é desenhada para proteger as autoridades corruptas", disse.

Apesar disso, ele afirmou não acreditar que esse posicionamento seja uma espécie de incentivo ao hackeamento ou à realização de crimes.

"O hackeamento que pessoas fazem, mesmo sendo justificado da perspectiva jornalística, ainda é um crime. As pessoas que hackearam estão sendo processadas, estão na prisão esperando o fim do processo. Para mim, isso é um incentivo grande para não fazer [o crime]: o fato de que você vai ser processado e provavelmente vai para a prisão por muito tempo".

Imparcialidade da mídia

Greenwald ainda disse não acreditar na imparcialidade da imprensa porque, na avaliação dele, os jornalistas devem ser vistos como humanos. "Para mim, é fraude [dizer] que estamos acima da condição humana de ideologias e opiniões", disse.

"Tentamos eliminar as opiniões políticas para fazer jornalismo, mas ainda [as] temos. Para mim é sempre mais honesto dizer qual é sua perspectiva e posição política, é mais fácil de gerar confiança", declarou.

O jornalista disse ainda que, na avaliação dele, a mídia brasileira não está à direita, nem à esquerda.

"Nunca falaria que a mídia [brasileira] é de esquerda ou de direita, muito menos extremista. Bolsonaro não é o tipo de figura que a mídia gosta. Obviamente com exceções, diria que a mídia gosta da área do PSDB, gosta da economia, uma direita modulada e centro-direita", afirmou.

Segundo ele, a mídia brasileira poderia aceitar e gostar de Paulo Guedes, "gostavam de Aécio Neves nas eleições em 2014", mas segue um caminho mais progressistas nos costumes. "A maioria da mídia mora em São Paulo e no Rio de Janeiro, é mais progressista em questões LGBT, aborto, racismo."