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Governistas da CPI articulam relatório paralelo com cloroquina e falhas

Senador Marcos Rogério (DEM-RO), apontado como autor do documento que servirá de contraponto ao texto do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) - Leopoldo Silva/Agência Senado
Senador Marcos Rogério (DEM-RO), apontado como autor do documento que servirá de contraponto ao texto do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

03/09/2021 04h00

Em contraponto ao parecer a ser apresentado pelo relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), os senadores da bancada governista na comissão preparam um relatório paralelo.

Os objetivos do documento são contestar informações e interpretações contrárias aos interesses do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e oferecer uma espécie de contranarrativa para a opinião pública. Também deve reconhecer falhas e dizer o que pode ser aperfeiçoado.

Até o momento, a cúpula da CPI —formada por parlamentares de oposição ao governo Bolsonaro e a ala que se diz independente— tem conduzido os trabalhos sob reclamações e contestações dos governistas, que acusam os colegas de julgamento antecipado.

Por esse motivo, segundo a avaliação de senadores ouvidos pela reportagem, um relatório paralelo se faz necessário para rebater pontos importantes, como a demora no processo de compra de vacinas e consequente vacinação, o suposto gabinete paralelo de assessoramento a Bolsonaro e a possível teia de irregularidades (corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros crimes) envolvendo pessoas ligadas ao governo federal.

Cloroquina e ivermectina

Segundo apurou o UOL, a expectativa é que o documento também tenha como um dos pontos de maior interesse a defesa da autonomia médica para que medicamentos como cloroquina e ivermectina sejam receitados a pacientes com o novo coronavírus. Os senadores ainda devem tentar rebater eventual acusação de que a defesa desses remédios tenha afetado negativamente o enfrentamento à pandemia.

A indicação da cloroquina e da ivermectina, por exemplo, vai contra a recomendação de cientistas e autoridades sanitárias, pois os fármacos não têm eficácia comprovada no tratamento do vírus.

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) é um dos maiores defensores da autonomia médica na comissão e disse estar estudando o assunto em conjunto com médicos e assessores para então colaborar com o relatório paralelo. Ele também deve tratar de vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento, inclusive com apoio do governo federal, e do chamado tratamento precoce, informou.

O relatório paralelo deve ser apresentado como alternativa ao documento do relator oficial, mas ter pouco ou nenhum efeito prático. Isso porque a ala governista na Comissão Parlamentar de Inquérito está em minoria no colegiado e, assim, a tendência é que o texto de Renan seja aprovado com certa folga.

Desde a formação da CPI, a bancada governista tem atuado em minoria durante os depoimentos e audiências para análise e votação de requerimentos. O chamado "G7" (grupo que reúne oposição e independentes) tem conseguido aprovar a maioria dos pleitos encaminhados, assim como pressionar testemunhas sobre as suspeitas em relação à atuação do Ministério da Saúde durante a pandemia.

Ainda assim, a "tropa de choque" do governo conseguiu fazer barulho ao longo de alguns depoimentos e chamar atenção para pontos de interesse do Executivo. Por outro lado, sob reserva, o grupo reconhece que as descobertas da CPI até o momento levaram a uma sequência de desgastes para a imagem do governo Bolsonaro.

São os senadores defensores do presidente da República: Marcos Rogério (DEM-RO); Luis Carlos Heinze; Jorginho Mello (PL-SC); Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE); Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ); e Marcos do Val (Podemos-ES). Eduardo Girão (Podemos-CE) se declara independente, mas é tido como mais governista pelos colegas na comissão.

Indiciamentos

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já afirmou publicamente que o relatório de Renan deve propor o indiciamento de Bolsonaro e de outras pessoas envolvidas nas investigações pelos crimes de charlatanismo, curandeirismo, exercício ilegal de medicina e divulgação de propaganda enganosa, por exemplo.

Renan porém, ainda não cravou quais crimes seu parecer apontará. Ele nega haver objetivos políticos ou retaliações por trás, mas diz querer um "desfecho absolutamente verdadeiro" dentro dos limites da Constituição.

Um dos pontos de objeção dos governistas ao emedebista desde o início da comissão é o fato de ele responder a inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) e ser pai de um governador —no caso, o de Alagoas, Renan Filho—, o que o faria blindar mandatários estaduais na comissão, alegam.

Procurado pelo UOL, Renan não se manifestou sobre a elaboração de um parecer paralelo pelos governistas.

A CPI tem como prazo final 5 de novembro, mas Renan tem dito querer apresentar seu parecer até a segunda quinzena de setembro. No entanto, devido à análise dos documentos que chegam constantemente à comissão e ao cruzamento de dados necessário, há a possibilidade de que o emedebista acabe por apresentar o documento mais para frente mesmo.

A continuidade das investigações e eventuais pedidos de responsabilizações civis e/ou criminais ficam a cargo do Ministério Público.

O '01' do relatório paralelo e acusação de blindagem

Um dos principais membros da tropa de choque de Bolsonaro na CPI, Marcos Rogério é o responsável pela elaboração do relatório paralelo. No momento, ele está coletando informações e analisando documentos recebidos.

O senador diz haver uma "blindagem" para não se investigar suposta corrupção com o uso de verbas federais em estados e municípios, especialmente perante o Consórcio Nordeste.

"Não há nada concretamente contra o governo federal no tocante à questão da corrupção, há em relação aos estados. No meu relatório, no relatório que nós vamos apresentar, certamente que nós vamos passar por tudo aquilo que nós tivemos contato. Chegou documento, tem prova, é possível produzir um relatório com base no que está ali? Nós vamos produzir, sem falar naqueles pontos que já falamos ao longo das oitivas até aqui", afirmou no programa Novo Sem Censura, da TV Brasil.

Marcos Rogério já afirmou que, se a comissão "continuar do jeito que está hoje", ao final haverá um "relatório de narrativas".

Na avaliação do senador, parte dos membros da CPI não quer "fatos, evidências ou provas" nem investigar a fundo eventual corrupção praticada por estados e municípios com recursos federais, embora esta previsão conste na finalidade da comissão.

"Tomara que, nos dias que nos restam de CPI, a gente possa aprovar os requerimentos e ter a oportunidade aqui de ouvir gestores dos estados e dos municípios, para que o relatório seja um relatório completo, levando-se em consideração o conjunto dos fatos. Senão, vão se repetir apenas narrativas, narrativas e narrativas", disse Marcos Rogério durante sessão da CPI em 24 de agosto.

Autor do requerimento que previu a apuração de ações de estados e municípios com dinheiro da União entre as finalidades da comissão, o senador Eduardo Girão disse à reportagem conversar com ambas as alas da CPI para achar um meio-termo em alguns pontos.

Ele disse também que insiste com Renan para que investigações de supostos desvios financeiros por entes federados recebam mais atenção do que o esperado no parecer oficial.

"Como a gente não teve quebra de sigilos importantes de algumas peças [ligadas a esse tema], estou fazendo um compilado dentro do que a gente tem para tentar, na apresentação do relatório, de alguma forma incluir [esses dados relativos a estados e municípios]."

Ajuda do Planalto

O relatório paralelo conta com a ajuda direta do Palácio do Planalto, segundo apurou o UOL. Houve, inclusive, reunião de senadores governistas com a presença de ministros, do ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello, de seu então secretário-executivo, coronel Élcio Franco, e de advogados da União para tratar do assunto.

Além disso, questionamentos apresentados ao longo da CPI têm sido formulados com o apoio de setores estratégicos do governo Bolsonaro, especialmente do Ministério das Comunicações. As indagações auxiliam na elaboração do escopo do relatório paralelo, na divisão por temas e subtópicos.

Segundo um governista declarou à reportagem, o Planalto teria afirmado ao grupo não ter havido corrupção no primeiro e no segundo escalões do Ministério da Saúde em meio à pandemia. Uma argumentação utilizada é a de que as doses da vacina Covaxin não chegaram a ser entregues, por exemplo.

O dinheiro para a compra da Covaxin, porém, foi reservado, e depoimentos à CPI sugerem índicos de supostas irregularidades em meio às negociações —não somente diante do imunizante citado.

As principais suspeitas de irregularidades e omissões apuradas pela CPI teriam ocorrido durante a gestão de Pazuello e de Franco.

Reconhecimento de falhas

O senador Marcos do Val afirmou que o relatório não será somente de defesa do governo. Segundo o governista, além de acertos, o documento deve reconhecer falhas —"não crimes"— e dizer o que pode ser aperfeiçoado.

Alguns dos pontos que podem ser citados como "erros não intencionais" são a insistência no tratamento precoce quando ainda não havia vacinas disponíveis, a excessiva politização em torno dos imunizantes, o atraso em fechar negócio com a Pfizer —mas lembrando as supostas "cláusulas leoninas" e o tempo para aprovação da vacina pela Anvisa— e a falta de estímulos ao uso de máscara.

O conteúdo final, contudo, depende da vontade da gestão Bolsonaro em fazer uma mea culpa.

Um líder do governo no Congresso, sob reserva, defende que a CPI "não chegou a desenhar um crime, muito menos com responsabilidade do presidente".

A aposta do Planalto é também mostrar que o governo acabou conseguindo comprar quantidade de vacinas comparável a outros países proporcionalmente à população, e que a vacinação engrenou nos estados.

Outro ponto defendido pelos governistas é que o governo está sendo supostamente mais prudente na distribuição de insumos e na infraestrutura hospitalar para enfrentar a variante Delta.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.