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Efeito Bolsonaro: Discurso aventureiro antipolítica deverá sumir em 2022

 O presidente da república, Jair Bolsonaro, durante motociata com apoiadores - MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente da república, Jair Bolsonaro, durante motociata com apoiadores Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

19/09/2021 04h00

O discurso antissistema que inundou as últimas eleições gerais não tem sido repetido pelos atuais presidenciáveis e deve ficar de fora da disputa em 2022. Agora, pré-candidatos voltam a abraçar a imagem de político experiente com alianças partidárias fortes — e a culpa é do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para pesquisadores e cientistas políticos ouvidos pelo UOL, a má avaliação do governo atual, em especial em um momento de crise, faz com que a população busque por candidatos com experiência e diminui a possibilidade do surgimento de novos aventureiros.

O derretimento da 'antipolítica'

Em 2018, Bolsonaro autoproclamava sua campanha como uma cruzada contra o sistema. Apesar de estar havia 28 anos no Congresso Nacional, o então candidato do PSL bradava contra a política, dizia fazer campanha com pouco dinheiro e prometia não se reeleger. Sobre essa base, ganhou as eleições.

"Três anos atrás, essa tendência de busca por candidatos fora do sistema era tão forte que nomes até então desconhecidos de repente foram catapultados das urnas para o Congresso, assembleias e alguns governos estaduais", lembra o sociólogo Antônio Lavareda.

Dois dos três estados mais populosos do país elegeram os nomes 'de fora': em Minas, ganhou o empresário Romeu Zema (NOVO) e no Rio, o juiz federal Wilson Witzel (PSC). São Paulo, por sua vez, elegeu o também empresário João Doria (PSDB), que dois anos antes havia sido eleito para a capital com discurso de gestor, negando a política. A Câmara dos Deputados teve a maior renovação desde 1998.

Desde 2020, esse discurso vem minguando e agora parece esgaçar-se cada vez mais à medida que a avaliação do governo piora. Segundo a última pesquisa DataFolha, 54% da população rejeita a gestão federal na pandemia. Para pesquisadores, essa percepção negativa resvala diretamente no discurso antissistema.

Quando Bolsonaro assumiu, foi um desmanche da ideia antissistema e antipolítica. Tudo que ele detonava, ele fez: diminuiu depois aumentou ministérios, fez pacto com Centrão, tem uma política voltada a um segmento (militar e Forças Armadas). Isso deixa uma marca. Não adianta votar em quem não tem experiência."
Vera Chaia, professora de Política da PUC-SP

Para o cientista político Rodrigo Prando, professor do Mackenzie, esta arma 'antiestablshment' usada por Bolsonaro positivamente para se eleger em 2018 deverá ser usada contra ele em 2022.

"O presidente vai enfraquecido e isso certamente vai impactar no discurso político no ano que vem. Olha só: aquele que dizia ser 'antipolítica' está de braços dados com o Centrão, não apresentou nada de concreto. Não só ele, como os deputados bolsonaristas eleitos nessa onda estão lá e não têm muito o que apresentar", avalia Prando.

Manifestantes participam de protesto pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, na Avenida Paulista, em São Paulo, em 12 de setembro de 2021 - ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO - ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO
Manifestantes participam de protesto pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, na Avenida Paulista, em São Paulo, em 12 de setembro de 202
Imagem: ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO

Político, sim

Para 2022, como já aconteceu de maneira mais tímida nas eleições municipais, os presidenciáveis não só fazem questão de mostrar sua experiência política como voltaram a elogiar alianças, destacar os partidos a que estão filiados e levantar suas bandeiras.

Doria deixou o discurso de gestor de lado e empunha com orgulho os feitos no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. O mesmo faz o colega de partido e adversário nas prévias, Eduardo Leite (PSDB-RS), com as reformas administrativas à frente do governo gaúcho.

Ciro Gomes (PDT) segue ressaltando as mudanças do seu antigo governo no Ceará, assim como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destaca os projetos econômicos e sociais do seu período no Palácio do Planalto.

As alianças entre partidos, tão questionadas em 2018 e usadas, inclusive, como arma de Bolsonaro para criticar os adversários — em especial Geraldo Alckmin (PSDB), que reunia nove siglas —, hoje são elogiadas e disputadas. Ninguém quer parecer o lobo solitário.

Se é para votar em alguém 'antiestableshment' já tem na presidência. Agora, vê-se que não só é difícil governar como esse discurso é contraproducente. O eleitor pensa: não quero outra pessoa como esse aqui."
Cláudio Couto, cientista político da FGV-SP

Couto, que coordena o Mestrado em Gestão e Políticas Públicas da FGV-SP, vê essa mudança como benéfica para o debate. "É o movimento de afirmar a política e não de negá-la. Acho positivo porque não há como fazer política sem se dizer político, como tantos disseram. Isso não existe."

Huck, Moro, Datena: outsider à vista?

Diversos nomes que nunca concorreram a um cargo político já foram especulados para concorrer ao Planalto em 2022, como o apresentador Luciano Huck, o ex-ministro Sergio Moro e o apresentador José Luiz Datena, que se filiou ao PSL em julho.

Os analistas veem como baixa a possibilidade não só de algum deles de fato se lançar à candidatura majoritária, como de qualquer outra figura aventureira.

É muito cedo, mas está muito mais difícil para alguém de fora ou antissistema. Bolsonaro já vinha preparando esse discurso desde 2016, não surgiu de repente. Independentemente dos compositores, vai ser uma eleição difícil, violenta, voltada às redes sociais. Complica para quem não é do jogo."
Maria Teresa Kerbauy, professora de Ciência Política da Unesp