Latifundiários comandam frente no Congresso contra direitos de indígenas
Nos documentos oficiais da Frente Parlamentar da Agropecuária, o grupo que trata de questão fundiária é chamado de Comissão de Direito à Propriedade. Internamente, no Instituto Pensar Agro (IPA), no entanto, a comissão tem um nome mais específico: Direito à Propriedade e Minorias.
O instituto é formado por 48 associações ligadas direta ou indiretamente ao agronegócio. Algumas delas ficam à frente de comissões temáticas. No caso da de Direito à Terra e Minorias, a coordenação é da Aprosoja.
A entidade foi procurada pela reportagem, mas informou, por meio de sua assessoria, que não comentaria o assunto nem responderia as perguntas enviadas.
O nome privado da comissão torna mais evidente quem são os alvos da atuação dos ruralistas: os povos indígenas e tradicionais, como os quilombolas. Uma das principais atividades do grupo é dificultar a demarcação de terras para estes povos.
Em lados opostos, os dois polos estiveram frente a frente em setembro, em Brasília. Os indígenas estavam acampados para lutar contra o marco temporal, que pode dificultar a demarcação de terras e está sob análise do STF (Supremo Tribunal Federal).
Já os setores do agronegócio, apoiados por caminhoneiros, tomaram a Esplanada dos Ministérios em 6 de setembro para participar, na manhã seguinte, dos atos antidemocráticos e em defesa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Um dos principais alvos desse grupo era justamente o STF.
Não por acaso, a Aprosoja Brasil e seu presidente, Antonio Galvan, são investigados pelo Supremo como supostos financiadores dos atos. A entidade também se envolveu no julgamento na Corte, com posição contrária aos direitos dos indígenas.
Quem é quem entre os ruralistas da comissão
O coordenador institucional da Comissão de Direito à Propriedade e Minorias é Frederico Azevedo, representante da Aprosoja de Mato Grosso do Sul. Seu suplente é Júlio Busato, da Abapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
A parte política é comandada pelo deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO) e o técnico responsável é o advogado Rudy Ferraz.
Azevedo é um advogado com especialização em agronegócio. Trabalhou durante três anos e sete meses como gerente de política e logística e relações institucionais da Aprosoja de Mato Grosso, a mais poderosa das filiais regionais da entidade.
Ele comandou durante pouco mais de um ano a Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários antes de ser diretor-executivo durante dois anos da Aprosoja de Mato Grosso do Sul. Em dezembro do ano passado, se tornou superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras em Mato Grosso.
O agrônomo gaúcho Júlio Busato é dono da Fazenda Busato/Grupo Busato e produz algodão, soja e milho nos municípios de São Desidério, Serra do Ramalho e Jaborandi, no oeste da Bahia, região de grande expansão do agronegócio nas últimas décadas.
Entre 2004 e 2017, as terras na região do Matopiba, da qual o oeste da Bahia faz parte, tiveram uma valorização de 390%, mais de três vezes a inflação no mesmo período.
Busato foi presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), do Programa de Desenvolvimento do Agronegócio (Prodeagro) e do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro).
O representante político na comissão também é fazendeiro. O deputado federal Lucio Mosquini se declara produtor rural e dono de mais de 300 hectares de terras em Theobroma (RO), avaliados em R$ 2,6 milhões, segundo informou à Justiça Eleitoral em 2018. A fazenda é dedicada à pecuária, com 651 cabeças de gado.
O advogado Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), atua como técnico na comissão.
Entre as missões do grupo no Executivo, estão reuniões com o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, "para alinhamento de metas e pautas sobre regularização fundiária".
Ex-presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan ficou conhecido por suas posições contrárias aos direitos de outros grupos de acesso à terra, muitas vezes com a defesa do uso da violência.
No documento, ainda mencionam a necessidade de se reunir com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir a "mudança do decreto de demarcação de terras quilombolas". O texto não explicita qual seria a mudança.
Prioridades no Congresso
Os interesses ficam mais claros quando são apontadas as prioridades do grupo no Congresso.
Na Câmara, seus integrantes citam a aprovação do PL-2633/20, conhecido como PL da Grilagem, e o PL-490, que dificulta o reconhecimento de terras indígenas ao sujeitar a sua demarcação à aprovação do Congresso e ao criar um marco temporal que só garante o direito dos indígenas a terras onde eles estavam quando foi promulgada a Constituição de 1988.
A aprovação pelo Congresso para novos territórios indígenas e quilombolas também está na PEC 215/2000, cuja aprovação é defendida pelo grupo.
No Senado, a comissão defende o desarquivamento do PLS 432/2013, que trata da expropriação das propriedades rurais e urbanas com flagrante de exploração de trabalho escravo.
Também querem o desarquivamento do PLS-590/2015, que facilita a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros residentes no Brasil ou empresas estrangeiras instaladas no país, e a aprovação do PL 2963/2019, com o mesmo tema.
Além disso, o grupo atua no "monitoramento das ações do Judiciário sobre questões indígenas".
Em defesa dos 'direitos do produtor'
A questão indígena também é tema do Conselho de Comunicação, coordenado pelo jornalista Ibiapaba Netto, da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos, com Glauber Silveira, da Associação Brasileira dos Produtores de Milho, como suplente.
O parlamentar na coordenação política é o deputado federal Zé Silva (SD-MG). Eles colocam como meta "tentar deixar claro para a sociedade que os produtores também têm seus direitos", convencer parlamentares novos e reeleitos sobre isso e trabalhar a "imagem junto ao governo", especificamente no Ministério da Agricultura.
O comando de dois produtores de grãos na comissão que atua contra a demarcação de terras indígenas e quilombolas não é por acaso. A expansão territorial da soja é uma das principais pressões contra os direitos de acesso à terra de povos originários e tradicionais.
O cerco causa impactos ambientais, com a contaminação do solo e da água pelo uso de agrotóxicos, secagem de rios, a escassez de peixes e a redução de locais de caça e coleta. Muitas vezes há denúncias de que a pulverização aérea também atinge as aldeias, com danos à saúde da comunidade.
O temor agora é que a pressão se torne maior com obras anunciadas, como a Ferrogrão. Além da ferrovia, a obra inclui construção de pontes, asfaltamento de estradas de acesso e construção de terminais.
Um levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta que as obras em Mato Grosso e no Pará podem afetar 16 territórios indígenas.
Pressão por arrendamentos
Além da invasão de territórios, os grupos defendem a produção agrícola dentro das áreas indígenas. O governo federal é autor do PL 191/2020, que abre a possibilidade de exploração da mineração, agricultura e pecuária dentro de terras indígenas.
Quando foi apresentada, a proposta teve o apoio da frente. "Se dermos condições ao índio para produzir, vamos dobrar o PIB do nosso país", chegou a dizer Lucio Mosquini, que queria que a tramitação da proposta em regime de urgência.
Uma das formas que tem acontecido é por meio de arrendamentos, que muitas vezes causam conflitos internos nas comunidades indígenas.
Apesar de atualmente ser proibido, o arrendamento se tornou praxe em muitas regiões. Em Mato Grosso, por exemplo, os paresis produzem em parceria com ruralistas há mais de 15 anos. Além deles, os manokis e nambikwaras também estão envolvidos na monocultura da soja no estado.
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