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Luciano Hang processa jornalistas e críticos a cada 26 dias, em média

O empresário Luciano Hang e o presidente Jair Bolsonaro - Reprodução
O empresário Luciano Hang e o presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução

Thiago Herdy e José Dacau

Colunista do UOL e do UOL, em São Paulo

03/10/2021 07h00

Dono de uma rede de lojas de departamentos, a Havan, e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o empresário Luciano Hang ingressou nos últimos anos com 61 ações com pedidos de indenização a jornalistas, veículos de imprensa ou críticos à sua posição política, de acordo com levantamento do UOL.

Os processos envolvem 64 réus e pedidos de indenização que somam R$ 13,7 milhões. Pouco mais da metade dos acusados são jornalistas e veículos de imprensa (37). Há também 12 processos que envolvem manifestações de políticos ou partidos políticos, de organizações sociais (4), de youtubers (3), de usuários anônimos do Facebook (6) e artistas (2).

A maior parte das ações foi apresentada a partir de outubro de 2018, data em que passou a ganhar maior visibilidade como entusiasta do presidente eleito naquele mês. Se considerada a quantidade de ações proposta desde aquele mês até os dias atuais, é como se o Hang iniciasse uma nova disputa judicial a cada 26 dias.

Procurados por meio da assessoria da Havan nos últimos três dias, Hang e seus advogados informaram que não iriam se manifestar sobre o tema desta reportagem.

Em geral, as petições tratam do descontentamento do empresário com reportagens e textos que mencionam os processos judiciais a que respondeu no passado, suas posições em relação à covid-19 e as suspeitas de assédio a funcionários e financiamento de disparos de WhatsApp relacionados à campanha eleitoral de 2018, atividades que o empresário nega ter realizado.

Os números da ofensiva judicial de Hang contra críticos - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

No processo mais recente, ele pede indenização a uma jornalista que criticou o fato de o Flamengo aceitar receber o patrocínio da Havan.

Pouco mais da metade dos processos (31) estão pendentes de decisão em primeira instância; em dez deles Hang obteve decisão favorável em primeira instância e, em 19, desfavorável. Um foi arquivado sem análise de mérito. As ações com sentença estão em fase de recurso.

Estão na lista de processados humoristas como Gregório Duvivier, o cantor Marcelo D2, o influencer Felipe Neto e os principais veículos usualmente associados à esquerda, como DCM (Diário do Centro do Mundo), Brasil 247, GGN e Fórum. Também são processados o UOL, a revista Piauí, os jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Diário Catarinense e Correio Braziliense.

O empresário processa um dentista que publicou no Facebook uma imagem em que relata satisfação em urinar nos pés de uma réplica da Estátua da Liberdade instalada pela loja da Havan, em frente a uma de suas unidades em Lajeado (RS).

Processa também um usuário de Facebook que criou camisetas com sua imagem e publicou posts questionando sua sexualidade, afirmando que o empresário teria "sonhos eróticos com o Capitão América", numa referência irônica ao presidente Jair Bolsonaro.

"A despeito da covarde verborreia dos réus, o autor é casado com uma mulher há 25 anos e é genitor de três filhos", contestaram os defensores do empresário na ação com pedido de indenização de R$ 200.000.

"Assédio processual"

Advogados de jornalistas e de críticos de Hang têm destacado o alto número de processos apresentados pelo empresário e classificado a investida como "assédio processual", ou seja, um abuso na utilização de direitos como o acesso à Justiça.

"Sob a alegação de reparar uma honra que teria sido ofendida, ele faz uso abusivo do direito de ação para calar ou mesmo intimidar seus opositores e críticos", diz o advogado Joaquim Nogueira Porto Moraes, que defende um dos processados por Hang.

Para ele, a prática garante ao empresário o efeito desejado, "fazendo com que seus críticos deixem de emitir opiniões para evitar um litígio judicial''.

Recentemente, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) destacou em texto publicado em seu site o risco de utilização do Judiciário "para atacar a liberdade de expressão, direito determinado pela Constituição Federal e imprescindível ao trabalho da imprensa".

Em 2018, Hang concentrou a maior parte das ações na Vara Cível de Brusque, cidade no interior de Santa Catarina onde mora e também fica a sede da Havan. Diante de sucessivas derrotas, em 2019 ele passou a concentrar ações em São Paulo, local de moradia de boa parte dos réus.

O resultado também não foi positivo. A partir de 2020, ele retoma a opção por Brusque como local para proposição de ações.

Atualmente, um quarto das ações dependem de decisão de um juiz, Gilberto Gomes de Oliveira Júnior, à frente da Vara Cível desde o segundo semestre de 2020. Após a sua chegada à comarca, ele sentenciou três ações, todas elas favoráveis a Hang.

Oliveira Júnior determinou que o jornal "Folha de S.Paulo" pagasse a Hang R$ 100 mil por citá-lo em reportagem que tratou das suspeitas de sua participação no disparo de WhatsApp na eleição de 2018. Originalmente, Hang pedia R$ 2 milhões de indenização.

O magistrado também determinou que o YouTube colocasse novamente no ar entrevista do empresário em que ele fazia a defesa do tratamento precoce contra a covid-19 e que o UOL publicasse texto em que Hang nega a existência de um relatório produzido pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) a respeito de suas atividades. As decisões são alvo de contestação em instâncias superiores.

No processo contra o UOL, o desembargador do TJSC Saul Steil acolheu inicialmente o recurso contra o pedido de Hang, reconhecendo o "interesse social e público da matéria veiculada", tendo em vista "a notoriedade pública do empresário".

Sua decisão foi revista pela desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, que acolheu argumento questionando a autenticidade do relatório em que se baseou a reportagem. A visão da desembargadora prevaleceu em julgamento da 3a Câmara de Direito Civil do TJSC.

Processo chega ao Supremo

Plenário STF - Carlos Moura/STF - Carlos Moura/STF
Plenário STF. Sessão extraordinária
Imagem: Carlos Moura/STF

No último mês, um processo movido por Hang contra o ex-chefe de gabinete da gestão petista em Brusque (SC), Cedenir Simões, chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Simões foi processado por replicar em lista de e-mails uma notícia sobre antiga condenação envolvendo Hang, que perdeu a ação. Em despacho, a ministra do STF Cármen Lúcia confirmou a absolvição do político.

"Uma coisa é a gente divergir politicamente, outra coisa é estar submetido ao massacre financeiro e jurídico da parte dele. A ostensividade do marketing da Havan se repete no olhar dele para a política, tanto em âmbito local quanto macro", afirma Simões.

Processado por ser acusado de urinar em uma réplica da Estátua da Liberdade, o dentista Marcus Metz diz ter apenas simulado o gesto em foto que postou em um grupo que discute política em sua cidade natal.

Hang não se contentou em processar o dentista: expôs seus telefones e endereços na rede. "Vamos promover o dr. Mijão", escreveu.

"Eles gostam de dizer que a esquerda inventou o cancelamento, mas só eu sei o que eu e minha família passamos", diz o dentista, que perdeu clientes e mudou de profissão depois do episódio. Ele também processa o empresário, cobrando indenização pelos ataques que sofreu. Nas duas ações, ainda não há sentença.

Luciano Hang - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
O empresário e presidente da varejista Havan, Luciano Hang, é apoiador do presidente Jair Bolsonaro.
Imagem: Reprodução/Instagram

De acordo com o levantamento do UOL, 97% dos processos trazem o nome de um mesmo escritório de Curitiba, o Leal & Varasquim, como propositor das ações. Os textos trazem em comum o relato de Hang como empresário "sério e honesto", não fazendo jus a discurso "calunioso", "difamatório" e supostamente "mentiroso" propalado pelos réus.

Usualmente os advogados recorrem à lembrança da origem operária do empresário, o início precoce na carreira de vendedor e a geração de empregos proporcionada pela sua rede de lojas. São destacados prêmios entregues ao empresário por sindicatos de comércio de Santa Catarina e a menção como "Top Executivo" no Prêmio Top of Mind.

Procurado pelo UOL, o advogado Murilo Varasquim, sócio do escritório Leal & Varasquim, não quis se manifestar.