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Barroso será relator de ação contra Bolsonaro por relacionar vacina à Aids

Bolsonaro e Barroso - Isac Nóbrega/Presidência da República/Carlos Moura/SCO/STF
Bolsonaro e Barroso Imagem: Isac Nóbrega/Presidência da República/Carlos Moura/SCO/STF

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

25/10/2021 19h19

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso foi sorteado relator da notícia-crime apresentada hoje cedo por congressistas do PSOL e do PDT contra o presidente Jair Bolsonaro após uma fala em que o chefe do Executivo associa a vacinação contra a covid-19 à Aids, doença provocada pelo vírus HIV.

Na ação enviada ao STF, os parlamentares afirmam que o fato de Bolsonaro disseminar mentiras sobre a vacinação é um "desrespeito" com as famílias que perderam entes para a covid-19. "O presidente da República mentir sobre a vacinação —utilizando um site de notícias falsas— além de um ato criminoso, é um absoluto desrespeito para com o país e com as famílias enlutadas", escreveram.

Durante uma live na última quinta-feira (21), Bolsonaro citou inexistentes "relatórios oficiais" no Reino Unido ao afirmar que pessoas vacinadas têm mais facilidade para desenvolver a doença provocada pelo vírus HIV.

"Só vou dar notícia, não vou comentar. Já falei sobre isso no passado, apanhei muito... Vamos lá: relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados... Quem são os totalmente vacinados? Aqueles que depois da segunda dose, né? Quinze dias depois, 15 dias após a segunda dose, totalmente vacinados... Estão desenvolvendo Síndrome da Imunodeficiência Adquirida [Aids] muito mais rápido do que o previsto. Portanto, leiam a matéria, não vou ler aqui porque posso ter problema com a minha live", afirmou Bolsonaro durante a transmissão.

Reino Unido não faz associação entre vacinas e Aids

Relatórios originais do governo do Reino Unido não fazem menção ao vírus da Aids nem à queda da imunidade após a vacinação. O texto reproduzido pelo presidente Bolsonaro como base para a associação falsa entre as vacinas anticovid-19 e o vírus da Aids foi, na realidade, retirado do site de notícias falsas Stylo Urbano, que —numa publicação deste mês— afirmou o seguinte:

"Os dados disponibilizados pelo governo britânico mostram que os vacinados em dose dupla estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida. Pessoas de 40 a 69 anos que receberam a dose dupla já perderam 40% da função do sistema imunológico. Os números mais recentes do "UK PHE Vaccine Surveillance Report" sobre os casos da Covid mostram que pessoas de 40-70 anos duplamente vacinadas perderam 40% da capacidade do sistema imunológico em comparação com pessoas não vacinadas. Seus sistemas imunológicos estão se deteriorando em cerca de 5% por semana (entre 2,7% e 8,7%)".

Essas afirmações são de sites que propagam teorias da conspiração e notícias falsas, informou o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido. "As vacinas contra a covid-19 não causam Aids. A Aids é causada pelo HIV", reiterou a Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido.

A Sociedade Brasileira de Imunologia afirmou repudiar a afirmação falsa reproduzida por Bolsonaro. "A SBI, entidade que congrega os principais imunologistas brasileiros e afiliada à International Union of Immunological Societies, baseada em evidências científicas, esclarece que nenhuma vacina desenvolvida contra a covid-19 pode causar Aids e que também nenhuma vacina tem o potencial de transmitir o vírus do HIV", disse.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Infectologia informou que "não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida".

Bolsonaro culpa revista Exame

Nesta segunda, Bolsonaro responsabilizou a revista Exame pela associação entre vacinas anticovid-19 e o vírus da Aids.

"Foi a própria Exame que falou da relação de HIV com vacina. Eu apenas falei sobre a matéria da Revista Exame. E, dois dias depois, a Exame me acusa de ter feito fake news sobre HIV e vacina. A gente vive com isso o tempo todo. Se for pegar certos órgãos de impressa, são fábricas de fake news", disse Bolsonaro, em entrevista à rádio Caçula FM, de Mato Grosso do Sul.

Mas, na live de quinta-feira, Bolsonaro não havia feito qualquer menção à publicação da Editora Abril.

Reportagem da Exame é antiga

Numa publicação de outubro de 2020, época em que as vacinas ainda estavam fase experimental de produção, a revista Exame relatou sobre uma artigo publicado na revista médica Lancet, em que pesquisadores alertam para o risco de vacinas de vetores virais que utilizam o adenovírus tipo 5 (Ad5).

"Os cientistas se baseiam em análises feitas ainda em 2007 para a tentativa de criação de uma vacina contra a própria HIV e que também foi baseada no adenovírus 5. Na ocasião, a pesquisa foi interrompida porque os resultados iniciais mostravam que a própria vacina ironicamente parecia aumentar o risco dos voluntários contraírem a doença", destaca a reportagem da revista Exame.

Atualmente, só a Sputnik V e o imunizante da CanSino usam o Ad5 em sua composição.

CPI: 'Fala de Bolsonaro deve ser incluída em relatório final'

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse hoje que a fala mentirosa de Bolsonaro será incluída no relatório final da comissão. O senador chamou Bolsonaro de "delinquente contumaz".

"A reiteração de crime do presidente da República será acrescentada ao relatório, sem dúvida nenhuma, além da providência que estamos fazendo da comunicação ao ministro Alexandre de Moraes", disse Randolfe.

O senador afirmou que a CPI deverá encaminhar um ofício a Moraes sobre a fala mentirosa de Bolsonaro para que ela seja investigada no âmbito do inquérito das fake news, relatado por ele no STF.