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Em Dubai, Bolsonaro expõe impasse com PL, controle do Enem e falsa Amazônia

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em reunião bilateral com o Emir de Dubai, Mohammed bin Rashid Al Maktoum - Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em reunião bilateral com o Emir de Dubai, Mohammed bin Rashid Al Maktoum Imagem: Alan Santos/PR

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

16/11/2021 04h00Atualizada em 16/11/2021 12h09

Nestes últimos três dias em viagem a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) expôs impasses que acabaram adiando sua filiação ao PL, uma tentativa de controlar mais a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e, ainda, uma Amazônia que não corresponde à realidade por meio de declarações falsas a investidores árabes.

Bolsonaro chegou a Dubai no sábado (13). A estada foi a primeira parte de uma semana de agendas pelo Oriente Médio para, segundo ele, tentar atrair investimentos estrangeiros e visitar o pavilhão do Brasil na Expo 2020, feira universal em Dubai com a presença de diversos países (adiada para este ano devido à pandemia).

Hoje, o presidente, comitiva e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, devem viajar para Manama, capital do Bahrein, para inaugurar a embaixada do Brasil no país. Amanhã, Bolsonaro segue para Doha, no Catar, onde deve visitar o Estádio Lusail, que sediará a final da Copa do Mundo de 2022, como último destino da viagem.

O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, na chegada a Dubai - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, na chegada a Dubai
Imagem: Alan Santos/PR

Briga com o PL e filiação adiada (ou até cancelada)

O principal assunto discutido por Bolsonaro com a imprensa ao longo da passagem por Dubai foi o adiamento da filiação ao PL, partido do centrão comandado pelo veterano cacique Valdemar Costa Neto. Na semana passada, após conversas de Bolsonaro com Costa Neto no Palácio do Planalto, o PL anunciou que o presidente se filiaria à sigla em cerimônia em 22 de novembro.

No domingo (14), Bolsonaro afirmou ainda ter "muita coisa a conversar" com Costa Neto e que a data de filiação dele ao partido poderia ser adiada. Horas depois, o próprio PL confirmou o cancelamento do evento de filiação.

Em texto a correligionários, Costa Neto disse que a decisão do adiamento foi tomada "de comum acordo" e "após intensa troca de mensagens na madrugada" com o presidente da República.

Nesta segunda-feira (15), Bolsonaro afirmou esperar que "em pouquíssimas semanas, duas, três, no máximo, casar ou desfazer o noivado" com o PL. "Mas acho que tem tudo para a gente casar e ser feliz", completou.

Entre os motivos para o adiamento estão as articulações regionais do partido para as eleições do ano que vem, especialmente em São Paulo e no Nordeste, que esbarram nas rixas de Bolsonaro com o governador paulista, João Doria (PSDB), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto - Sérgio Lima/Folhapress - Sérgio Lima/Folhapress
O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

Além disso, entram na lista a decepção demonstrada por parte do eleitorado nas redes sociais com a oficialização de Bolsonaro como membro do centrão e a falta de compromisso da legenda com tradicionais bandeiras bolsonaristas.

A própria filiação de Bolsonaro ao PL poderia servir de munição para Moro reforçar o discurso de combate à corrupção.

Outros pontos de conflito são a adesão —ou falta dela— do PL às pautas de costumes defendidas por Bolsonaro. Valdemar Costa Neto também não permitiu que Bolsonaro tomasse conta da Executiva nacional e tivesse controle sobre todos os diretórios estaduais, como preferia o grupo do mandatário.

Seriam as disputas apenas um pretexto?

Há no PL quem afirme que as disputas políticas regionais, especialmente relativa a São Paulo, são apenas um pretexto de Bolsonaro para acabar com as negociações após repercussão negativa da suposta ida ao PL entre a base bolsonarista mais fiel —essencial para manter um patamar significativo de apoio a Bolsonaro nas eleições.

Para um interlocutor próximo a Costa Neto, Bolsonaro estava ciente da proximidade do PL com Doria, que não é recente. Ele considera que a filiação de Bolsonaro ao partido já "babou" e é questão de dias para qualquer intenção ser desfeita.

Enem começa a ter 'a cara do governo'

Em meio à demissão em massa de servidores no Ministério da Educação às vésperas do Enem com denúncias de censura no conteúdo da prova, Bolsonaro disse que o exame começa a ter "a cara do governo".

"Começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem. Ninguém está preocupado com aquelas questões absurdas do passado, de cair um tema de redação que não tinha nada a ver com nada. É realmente algo voltado para o aprendizado", declarou.

Reportagem do UOL explicou que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), responsável pelo Enem e ligado ao Ministério da Educação, hoje vive sua pior crise.

Bolsonaro disse que "o negócio é complexo" e insinuou que havia gastos excessivos com determinados funcionários.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em fala a investidores em Dubai - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
O ministro da Economia, Paulo Guedes, em fala a investidores em Dubai
Imagem: Alan Santos/PR

Bolsonaro volta a distorcer dados da Amazônia

Também em Dubai, o presidente da República voltou a distorcer dados sobre o desmatamento e mentiu, em discurso a investidores árabes, ao dizer que a Amazônia não pega fogo por ser uma floresta úmida.

Numa tentativa de traçar um cenário positivo para a região que tem enfrentado números recordes de queimadas e desmatamento, Bolsonaro disse que mais de 90% da Amazônia está preservada e "exatamente igual a quando o Brasil foi descoberto". Porém, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Florestas, a devastação já atingiu cerca de 16% do bioma.

Além disso, segundo especialistas, o predomínio de florestas na Amazônia não é sinônimo de áreas intactas. Reportagem de Ecoa mostrou que a WWF-Brasil, a partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estima que a Amazônia perdeu 19% de sua área original.

Bolsonaro ainda voltou a reclamar das críticas internacionais sobre a política ambiental do Brasil e reforçou que a Amazônia é um patrimônio do Brasil. Na chegada a Dubai, ele já havia declarado que o Brasil é um dos países mais "atacados", ao falar sobre a COP26.

"Presos políticos"

No sábado, o presidente se reuniu com o primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos e emir de Dubai, o xeque Mohammed Bin Rashid Al Maktoum. Após o encontro, Bolsonaro afirmou a jornalistas que um dos temas conversados foi uma "troca de possíveis presos políticos".

Questionado sobre quais setores específicos foram abordados na conversa, o presidente mencionou diversas áreas, sem se aprofundar. "Agricultura é muito importante para eles, inteligência artificial, estamos tratando desse assunto, Defesa, educacional", disse.

Uma das jornalistas presentes então perguntou o que foi assinado na área de educação: "Eu não vou entrar em detalhes contigo, mas foi discutido bastante, na Defesa também, troca de possíveis presos políticos. Então é mais aqui nesse momento uma troca de gentilezas", afirmou. Ele não detalhou quem seriam esses presos políticos.

Visita a feiras, campeonato de jiu-jitsu e autoridades

A declaração de Bolsonaro que expôs as insatisfações com o PL foi dada durante visita a uma feira aeroespacial, a Dubai Airshow. No evento, o presidente assistiu a apresentações e entrou num avião da Embraer.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, dentro de avião da Embraer durante a Dubai Airshow - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
O presidente da República, Jair Bolsonaro, dentro de avião da Embraer durante a Dubai Airshow
Imagem: Alan Santos/PR

A empresa atualmente se encontra em meio a brigas com a FAB (Força Aérea Brasileira) após redução no número de aeronaves a serem compradas pelo governo federal, o que Bolsonaro buscou minimizar. Na feira, Ministério da Defesa tentou ampliar as vendas de produtos da área aos países árabes.

Logo no sábado, o primeiro dia em Dubai, Bolsonaro visitou a Expo 2020 e se reuniu com autoridades dos Emirados Árabes. O pavilhão do Brasil conta com projeções de imagens que remetem à flora e fauna brasileira.

Ontem, 15 de novembro, foi o Dia do Brasil no evento, em referência à Proclamação da República. As comemorações contaram com apresentações de jiu-jitsu e de música brasileira, como samba e MPB.

Em Dubai, Bolsonaro e integrantes da comitiva ainda visitaram o edifício Burj Khalifa, o mais alto do mundo com 828 metros de altura e mais de 160 andares, inaugurado em 2010.

Em Abu Dhabi, também nos Emirados Árabes Unidos, Bolsonaro visitou uma planta industrial da multinacional brasileira de produtos alimentícios BRF e compareceu a um campeonato mundial de jiu-jitsu ao lado de Renzo Gracie, um dos maiores nomes do esporte.

A visita aos Emirados Árabes contou com reuniões com algumas das principais autoridades locais e fórum de investimentos ao lado de ministros. O governo afirma que pretende atrair os chamados "petrodólares" dos árabes a projetos de concessão e privatização, promover a expansão de empresas do agronegócio e ampliar o portfólio de produtos de defesa.

Comitiva de ministros, filhos e coadjuvante

Integram a comitiva os ministros Paulo Guedes (Economia), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Defesa), Carlos França (Relações Exteriores), Gilson Machado (Turismo) e Bento Albuquerque (Minas e Energia), além dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Helio Lopes (PSL-RJ), e do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), entre outros.

O ex-senador, quase vice-presidente e quase ministro dos Direitos Humanos, Magno Malta, até há pouco relegado a segundo plano pelo presidente, também está com o grupo.