Reunião de Macron e Lula durou uma hora e teve meio ambiente na pauta
Com honras de estado, o presidente da França, Emmanuel Macron, recebeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), num duro golpe contra a diplomacia de Jair Bolsonaro (sem partido). No centro da agenda estava um dos temas mais espinhosos para o atual governo: o meio ambiente.
O presidente francês ainda fez questão de mandar uma mensagem forte, ao receber Lula com o mesmo protocolo destinado ao que foi estabelecido para a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris.
A conversa durou pouco mais de uma hora, conforme relatou ao UOL o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que acompanhou Lula no encontro. Amorim disse que o ex-presidente e Macron não tocaram diretamente em "assuntos internos" do Brasil, como Bolsonaro e as eleições de 2022.
"Falou-se que o mundo precisa evitar uma nova Guerra Fria entre China e Estados Unidos. Sobre o fato de não ficar subordinado a um dos dois polos [China ou EUA]", contou Amorim, que comandou o Itamaraty nos governos de Itamar Franco (1993-1995) e de Lula (2003-2011). "Macron também comentou sobre questões da União Europeia."
Além de Amorim e de Lula, o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante participou do encontro.
O ex-chanceler também negou que o ex-presidente pediu para encontrar Macron. "Nós não pedimos [para encontrá-lo]. Ele sabia que viríamos aqui por duas razões principais: a homenagem da revista Politique Internationale dando a ele o prêmio de Coragem Política, e a palestra de dez anos de título de Doutor Honoris Causa no Instituto de Estudos Políticos de Paris", afirmou.
Para Amorim, Lula é visto na França como representante do "verdadeiro Brasil". "Há quase 60 anos na vida diplomática eu não me lembro de ter visto um ex-presidente e potencial candidato à Presidência ser recebido como chefe de estado com guarda de honra e com o presidente francês descendo até a escada de entrada para encontrá-lo."
Em um comunicado, a assessoria de Lula afirmou que, na reunião, o brasileiro e o presidente francês conversaram sobre as relações internacionais da França com o Brasil e a América Latina. "Dialogaram sobre a crise mundial e as transições globais para enfrentar os desafios da preservação ambiental, geração de empregos, redução das desigualdades e proteção ambiental".
"A questão do financiamento da chamada transição ecológica dos países em desenvolvimento é uma preocupação mútua", diz também o texto. "Macron expressou um reconhecimento da importância do Brasil no mundo e desejo de relações mais fortes entre o país e a França."
Crise na relação entre Brasil e França
Em recente entrevista exclusiva ao UOL, o francês pediu maior ambição da parte do Brasil na questão comercial e admitiu que a relação entre os dois países não estava em seus melhores dias.
Macron tem usado a questão climática como centro da relação com o governo brasileiro. Nos últimos dois anos e meio, a relação entre Brasil e França viveu momentos de tensão e constrangimento. Antes mesmo de assumir a presidência, Jair Bolsonaro foi alvo de questionamentos por parte de Macron.
Em Buenos Aires, para um encontro no fim de 2018, o francês colocou em dúvida o compromisso do Brasil na questão ambiental e, desde então, a ideia da ratificação do tratado comercial entre UE e Mercosul foi suspensa.
A situação ganhou um capítulo dos mais incômodos quando Bolsonaro deixou de receber Jean-Yves Le Drian, ministro da Europa e dos Assuntos Estrangeiros da França, em uma visita ao Brasil. O encontro estava agendado e, poucos minutos antes, o presidente brasileiro decidiu anular a conversa. No lugar do encontro, fez uma live cortando o cabelo.
Naquela época, o jornal Le Monde —de centro-esquerda— indicou que fontes da diplomacia francesa disseram que o ministro esnobado por Bolsonaro manteve "a calma dos velhos de guerra".
Outros episódios também marcaram a relação bilateral. Durante a cúpula do G7, em 2019, na França, Macron deixou o Brasil de fora e convidou o Chile como o interlocutor latino-americano.
Dias depois, o chefe de Estado em Paris foi alvo de ataques por parte de Bolsonaro, que sugeriu uma crítica à aparência da esposa do presidente francês. Macron, naquele mesmo evento, falou na internacionalização da Amazônia, ampliando as diferenças entre os dois países.
A crise, porém, ganhou novos patamares quando Macron passou a ser um dos principais opositores à ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, sob o argumento de que as políticas ambientais do país não atendiam os critérios europeus.
Mais recentemente, porém, Macron tem usado o Brasil de Bolsonaro como plataforma para sua campanha eleitoral —principalmente ao tentar demonstrar aos ecologistas que seu compromisso em defender o planeta é real. Para isso, vetou qualquer acordo comercial com o Mercosul e chegou a falar no crime de ecocídio.
Outro protagonista da tensão tem sido Luis Fernando Serra, embaixador do Brasil em Paris. Ele não compareceu à Assembleia Nacional francesa, para uma audiência na qual foi convidado para falar sobre o desmatamento no país. Em cartas, ele atacou o jornal Le Monde por sua cobertura sobre o Brasil e concedeu entrevistas polêmicas para os meios de imprensa na França.
Sua embaixada em Paris é alvo de repetidos protestos, inclusive com faixas com a palavra "genocida". Na semana passada, a mesma embaixada acordou enfeitada com ossos, num protesto contra a fome no Brasil.
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