'Judiciário enfrentou ameaças retóricas, mas democracia venceu', diz Fux
Em discurso de encerramento do ano no Judiciário, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, disse hoje que, "após um ano desafiador, a democracia venceu". O pronunciamento dele é mais um recado aos reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores contra a Corte e seus ministros, por meio de declarações e atos com pautas antidemocráticas realizados desde o início da pandemia.
"Ao longo do último ano, esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo também enfrentaram ameaças retóricas, que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros, e ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte. Os ministros desta Corte tiveram sensibilidade e sensatez para colocar a defesa das instituições e da democracia brasileira à frente de quaisquer outros objetivos", afirmou.
Fux destacou também a união dos ministros da Corte "nos momentos turbulentos" ao longo do ano. "Agradeço-lhes pela dedicação, assim como pela companhia e pela parceria de vossas excelências com esta presidência. Acima de tudo, o ano de 2021 demonstrou que o Supremo Tribunal Federal não consiste em '11 ilhas', como alguns insistem em dizer.", disse Fux.
Imprensa livre
Ainda em referência indireta a Bolsonaro, Fux disse ser importante "enaltecer o trabalho da imprensa livre". Nesta semana, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a rejeição de uma ação do partido Rede Sustentabilidade que visa a impedir o presidente de atacar ou incentivar ataques verbais ou físicos a jornalistas.
"Trata-se de pilar essencial de nossa sociedade democrática, exercido a partir da atuação corajosa e independente de jornalistas nacionais e estrangeiros, que testemunham os fatos, buscam a verdade e a apresentam ao mundo com destemor e com responsabilidade", declarou Aras.
Ontem, o novo ministro do Supremo, André Mendonça, afirmou que se compromete com a democracia. "A justiça enquanto ideal que nós todos buscamos". Mendonça também disse aos jornalistas que reconhece a importância da imprensa para o regime democrático. O ministro, cuja nomeação foi apoiada tanto por Bolsonaro quanto por Fux, deve iniciar o trabalho na Corte em fevereiro, após o fim do recesso do Judiciário.
O estopim: 7 de setembro
Em setembro, após ataques à Corte, Bolsonaro chegou a dizer que não teve intenção de agredir outros Poderes. O recuo ocorreu após caminhoneiros bolsonaristas travarem dezenas de rodovias no país em apoio aos ataques do presidente contra o Judiciário.
"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", disse o Planalto, em comunicado, à época.
Após chamar o ministro do STF Alexandre de Moraes de "canalha" em discurso na Avenida Paulista durante ato golpista no feriado da Independência, Bolsonaro reconheceu ter se excedido em suas falas. A maioria dos pedidos contidos nas faixas durante as manifestações em setembro continham medidas inconstitucionais utilizadas para chegar ou se manter no poder de um estado democrático.
"Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia", disse ainda o comunicado, emitido pelo presidente.
Na mesma época, Fux, já havia pedido "respeito à integridade das instituições democráticas". "Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas. Por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças", disse o ministro. "O exercício de nossa cidadania pressupõe respeito à integridade das instituições democráticas e de seus membros", completou.
Na semana passada, a Primeira Turma do STF formou maioria para que a prisão preventiva do caminhoneiro e youtuber bolsonarista Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, fosse mantida. Apoiador do presidente Bolsonaro (PL), Zé Trovão ganhou destaque este ano por tentar organizar greves de caminhoneiros. Ele é investigado por incitar atos criminosos e violentos no feriado de 7 de setembro.
Ataque mais recente
Jair Bolsonaro voltou a atacar o STF neste mês. "Ou todos nós impomos limites para nós mesmos ou pode-se ter crise no Brasil. Apesar de a grande mídia me acusar de provocar, agredir, não tem agressão minha. Tô tomando sete tiros de 62 [calibre], quando dou um [tiro] de 62, tô provocando", disse o presidente.
A frase foi dita no momento em que Bolsonaro mencionava em seu discurso o blogueiro Allan dos Santos, durante cerimônia no Planalto do Dia Internacional de Combate à Corrupção. Allan é alvo de um mandado de extradição feito por Moraes, no inquérito que investiga milícias digitais.
"Estamos assistindo a atos arbitrários pelo Brasil com constância. Isso não é crítica, ofensa a um Poder, isso é constatação", disse o presidente. "Tá escrito ali [no acordo de extradição] o que você pode pedir de extradição ou concedê-la. Aqui [no Brasil] se acha qualquer motivo, 'me chamou de feio, narigudo, barrigudo, posso agora pedir a extradição dessa pessoa'. Não é assim que funciona."
Durante a fala, Bolsonaro voltou defender aliados punidos pela Corte, como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) —o parlamentar ficou preso por sete meses depois de publicar nas redes sociais vídeo em que insultava o ministro Edson Fachin.
"Temos aqui um parlamentar que ficou sete meses preso. Se coloquem no lugar dele", afirmou Bolsonaro. "Mas o que fazer? Será que queriam que eu tomasse medidas extremadas? Como é que ficaria o Brasil perante o mundo? Possíveis barreiras comerciais, problemas internos."
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