Sem ministros no governo, olavismo sobrevive no segundo escalão
Os últimos dois anos foram de sucessivas derrotas para os "olavistas", seguidores e fãs do guru de extrema-direita Olavo de Carvalho e que ajudaram a compor a "ala ideológica" do governo de Jair Bolsonaro (PL). O escritor morreu ontem, aos 74 anos, nos Estados Unidos.
No primeiro ano de mandato, os olavistas tinham força para indicar ministros, endossar ou contestar alianças e interferir diretamente no jogo político. No entanto, desde o começo de 2020 está em curso um processo de esvaziamento impulsionado —e consolidado— pela aproximação entre o presidente e o centrão, hoje base do Executivo federal no Parlamento.
Dentro do Palácio do Planalto, por exemplo, onde o núcleo ideológico já ditou cartas, são poucos os que ainda dizem ter inspiração nos escritos do autoproclamado filósofo.
Um deles é Filipe Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais. Ele quase foi demitido mais de uma vez, se envolveu em episódio no qual foi acusado de de fazer um gesto visto como referência a supremacistas brancos dentro do Senado (o processo terminou com a sua absolvição), e é visto com desconfiança por ministros militares. Porém, mantém-se vivo no entorno da cúpula presidencial, embora sem a força de antes.
A maioria dos remanescentes ocupa cargos de segundo e terceiro escalões, como secretarias. É o caso de Felipe Pedri, chefe da Secretaria Nacional de Audiovisual, pasta que faz parte da polêmica gestão do ex-ator Mario Frias (também "olavista") à frente da Secretaria de Cultura.
A chamada ala ideológica se faz presente ainda principalmente nos ministérios da Educação, da Saúde, das Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Um dos nomes mais conhecidos é o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalim.
A destinação de cargos de segundo e terceiro escalão para olavistas é uma herança do período em que ministérios do governo Bolsonaro eram chefiados por quadros com esse perfil, tais como Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Itamaraty) e Ricardo Salles (Meio Ambiente).
Quem também ajudou a inserir quadros "olavistas" na estrutura de poder público federal foi Onyx Lorenzoni, hoje ministro do Trabalho.
Desde os meses pré-pandemia, aos poucos, Bolsonaro passou a substituir os ministros olavistas por quadros com um perfil mais "tradicional", ligados ao centrão e acostumados às articulações inerentes ao jogo político.
Com Weintraub, a situação acabou ficando insustentável por conta de polêmicas —que viraram investigações— do ex-ministro atacando membros do STF (Supremo Tribunal Federal). Numa reunião ministerial que acabou se tornando pública, Weintraub chamou os ministros do Supremo de vagabundos.
O ex-ministro da Educação ganhou como "prêmio de consolação" um cargo no Banco Mundial, mas, agora, de volta ao Brasil, mostra ressentimentos por Bolsonaro não o apoiar para concorrer ao governo de São Paulo.
Embora tenha perfil conservador, o escolhido para assumir o Ministério da Educação, Milton Ribeiro, não é considerado exatamente um olavista.
Relação abalada
A derrocada na área da educação, somada às baixas em outras áreas importantes aos olhos de Olavo de Carvalho (como o Itamaraty), estremeceram a relação entre o guru e o presidente.
Segundo apurou o UOL, a última vez que eles se falaram foi em meados de 2021, período em que o governante alimentava a possibilidade de uma ruptura institucional no país devido a atritos com o STF.
Durante o segundo semestre do ano passado, Olavo elevou o tom contra Bolsonaro e declarou ter sido usado por Bolsonaro como um "poster boy" para "se promover e se eleger" [em 2018]. E que considerava que "a briga já está perdida", em referência ao pleito de 2022. "Poster boy", em inglês, significa garoto-propaganda, na tradução livre.
Do outro lado, Bolsonaro sempre buscou evitar o confronto público com Olavo, mesmo após as críticas dele. Segundo relatos de auxiliares do governante, o presidente tinha admiração pelo guru, mas nunca foi um seguidor fanático, tendo o conhecido por meio de seus filhos Eduardo (deputado federal pelo PSL-SP) e Carlos (vereador pelo Republicanos no Rio).
Além disso, o chefe do Executivo federal entendia que o "culto a Olavo", principalmente nas redes sociais, era fundamental para manter o engajamento de sua base militante.
Olavistas vs bolsonaristas
O olavismo deixa suas marcas também no cenário eleitoral de outubro deste ano e deve contar com candidatos que têm Olavo como guru. No entanto, até estes já estão em rota de colisão com bolsonaristas.
Weintraub tenta se viabilizar como candidato a governador de São Paulo. Bolsonaro, porém, prefere lançar o atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, assim como o centrão e parte dos bolsonaristas que querem mais pragmatismo e menos polêmicas.
Críticas à aliança do presidente com o centrão também se tornaram pauta comum de Weintraub e do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Para bolsonaristas, isso prejudica a imagem do presidente e passa a mensagem de brigas dentro do movimento conservador.
Na avaliação de um deputado federal bolsonarista do PSL, sob reserva, Weintraub precisa "tomar um chá de camomila" e não atrapalhar os planos eleitorais do presidente.
Aliado de primeira hora de Bolsonaro, Weintraub escreveu no Twitter, em 21 de janeiro, que tenta falar com o mandatário há mais de um ano, sem sucesso.
Nem mesmo o filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tem tratado bem Weintraub. Eduardo e o secretário especial da Cultura, Mario Frias, trocaram farpas com o ex-ministro e o irmão dele, Arthur Weintraub, e escancaram a crise na extrema-direita.
As discussões tiveram início após Frias curtir uma publicação que sugeria a possibilidade de prisão de Abraham Weintraub, o que gerou uma reação de Arthur, ex-assessor da Presidência, que disse não haver motivos para a detenção.
Pouco tempo depois da postagem, Frias e Eduardo apontaram que os Weintraub já curtiram chamando o presidente de "frouxo, covarde e vendido para o sistema".
Outro alvo de Weintraub nas redes foi a advogada de Bolsonaro, Karina Kufa. Ele lançou suspeitas sobre ações dela relacionadas ao Aliança pelo Brasil, eventual partido bolsonarista que nunca decolou.
Mesmo assim, pode ser que Weintraub seja aproveitado pelos bolsonaristas, de acordo com a conveniência do momento, para reforçar a bancada de direita mais radical no pleito deste ano —ainda que sem apoio oficial dos Bolsonaro.
Outro ex-ministro olavista que deve se lançar candidato é Ricardo Salles. Ele deve mirar o Senado ou a Câmara dos Deputados por São Paulo.
Com a saída dos cargos, Weintraub, Araújo e Salles perderam parcela da exposição midiática e do protagonismo político. E, agora, com a morte do guru, dependem que o bolsonarismo continue os acolhendo na falta de um novo líder da extrema-direita.
Luto
O presidente não tem o costume de usar a estrutura oficial do Planalto para notas de pesar. Hoje, no entanto, além de Bolsonaro se manifestar nas redes sociais, chamando Olavo de "farol para os brasileiros", a página oficial do governo também fez publicações lamentando a morte.
Na semana passada, Bolsonaro não fez nenhum comentário, por exemplo, a respeito da morte da cantora Elza Soares.
O presidente também sofreu recentemente com a morte da mãe, Olinda, de 94 anos. Ele retornou de viagem internacional para participar do enterro na cidade de Eldorado, no interior de São Paulo. No dia seguinte, porém, voltou a fazer pregação retórica na tentativa de levantar suspeita quanto à segurança da vacinação contra a covid-19 e foi a uma casa lotérica da cidade para fazer aposta na Mega-Sena.
Ontem, Bolsonaro cancelou a agenda oficial e segue sem compromissos nesta terça-feira. Apesar de não ter nenhum comunicado oficial, ministros dizem que o presidente está "vivendo o luto pela perda da mãe".
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