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Jogo de azar desagrada bancada evangélica, mas não abala apoio a Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (PL) em evento da igreja Assembleia de Deus, em Brasília, em setembro de 2020 - Carolina Antunes/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) em evento da igreja Assembleia de Deus, em Brasília, em setembro de 2020 Imagem: Carolina Antunes/PR

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

17/02/2022 04h00Atualizada em 17/02/2022 11h48

De olho nas eleições de outubro, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados vai continuar ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL) mesmo que os jogos de azar sejam liberados no país com apoio de parte do governo federal, apurou o UOL.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é contra o projeto de lei em tramitação na Câmara que prevê a legalização de bingos, cassinos e até do jogo do bicho. Para deputados da bancada, tornar os jogos de azar legais no Brasil vai intensificar a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas e o vício em apostas. Eles dizem acreditar que os prejuízos seriam maiores do que os benefícios financeiros com a arrecadação de impostos.

No entanto, deputados do grupo ouvidos pela reportagem, sob reserva, disseram que a eventual aprovação do projeto não causará um racha no apoio da bancada a Bolsonaro, mesmo com parte do governo apoiando o texto.

Para esses aliados, é preferível continuar ao lado de Bolsonaro para que ele siga dando suporte a pautas conservadoras. Eles afirmam que um rompimento prejudicaria a imagem do presidente e acabaria beneficiando adversários políticos mais de esquerda, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na avaliação de deputados influentes da bancada, Bolsonaro é considerado o pré-candidato à Presidência com discurso que mais se assemelha aos ideais cristãos.

  • Veja as notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:

Intimidade com evangélicos

Bolsonaro e ministros - Isac Nóbrega/PR - Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro indicou André Mendonça e Nunes Marques para o STF
Imagem: Isac Nóbrega/PR

Bolsonaro se coloca intimamente próximo a lideranças evangélicas desde o início do mandato. O ápice dessa aproximação foi a indicação do pastor e ex-advogado-geral da União André Mendonça como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) afirmou que, em caso de aprovação do projeto, não haverá racha na base evangélica do governo, "mesmo porque apoiamos o governo por causa da pauta dos costumes, entre elas a proibição dos jogos de azar".

"O princípio da democracia é aceitar os resultados, quando não se tem maioria, mas, nesse caso, nós, conservadores, somos maioria, muito além da base evangélica do governo", afirmou.

Há dúvidas se críticos ao texto conseguirão barrá-lo no Parlamento. A legalização dos jogos de azar conta com o apoio de ala de bolsonaristas e do centrão, que tem Ciro Nogueira (PP-PI) como principal expoente do grupo no comando da Casa Civil, dentro do Planalto.

Ciro Nogueira e Paulo Guedes - Gabriela Biló/Estadão - Gabriela Biló/Estadão
Ministros Ciro Nogueira e Paulo Guedes se mostram favoráveis à aprovação dos jogos de azar
Imagem: Gabriela Biló/Estadão

Nos bastidores, parlamentares afirmam que Nogueira articula a votação do projeto, apresentado há mais de 30 anos na Câmara, com o apoio do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro do Turismo, Gilson Machado, quando presidente da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), também já indicaram ser a favor da liberação dos cassinos no país.

A desaprovação da ministra dos Direitos Humanos, a evangélica Damares Alves, que chegou a chamar a defesa de cassinos de "pacto com o diabo", não parece incomodar Ciro Nogueira, afirmam deputados. Isso porque há dúvidas inclusive sobre o real posicionamento do presidente Bolsonaro perante o tema.

Manobra para evitar desgaste

Embora tenha dito que vá vetar o projeto, se aprovado no Congresso Nacional, Bolsonaro já indicou ser a favor de resorts —que devem contar com cassinos— na região de Angra dos Reis, por exemplo. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também já se encontrou com empresários de cassinos em viagem a Las Vegas, paraíso da jogatina, nos Estados Unidos.

O eventual veto seria apenas uma maneira de Bolsonaro evitar desgastes perante a base evangélica, ainda mais em um ano eleitoral, na avaliação de parte de aliados.

A previsão de parte dos deputados é que Bolsonaro realmente vete o projeto, se aprovado, mas, depois, dê carta branca à base de sustentação do governo para derrubar o veto. Dessa forma, o presidente não se indisporia com a bancada evangélica nem com o centrão.

O projeto está pronto para ser votado no plenário da Câmara. Deputados a favor dos jogos de azar querem que Arthur Lira o coloque em votação neste mês. Lira declarou que o projeto seria votado neste início de ano, quando estiver "bem solidificado".

Com a anuência de Lira, um grupo de trabalho atualizou as propostas do projeto. A tramitação em regime de urgência do texto foi aprovada com facilidade no plenário em dezembro, pouco antes do recesso.

Mesmo apostando num veto presidencial, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso ainda busca convencer os parlamentares a favor dos jogos de azar a mudarem de posição e, ao menos, atrasar a votação.

Um pedido a Lira é que o projeto não seja analisado pelo sistema remoto, em vigor até o carnaval. Segundo fontes ligadas ao presidente da Casa, é mais fácil reverter votos ou algum acordo pessoalmente.

A contrariedade à legalização dos jogos de azar une a bancada evangélica com os católicos — a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) até soltou nota contra o projeto — e parte da esquerda. Críticos à ideia também afirmam contar com a eventual pressão contrária da opinião pública, que ganha peso em ano eleitoral.

Relator diz que projeto vai gerar empregos

Felipe Carreras - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
Deputado Felipe Carreras, relator do projeto que libera os jogos de azar
Imagem: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Relator do projeto, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) afirmou ao UOL que resorts integrados com cassinos ajudarão a estimular o turismo, gerar empregos e movimentar mais de R$ 100 bilhões, com potencial de arrecadação de R$ 20 bilhões em impostos.

Ele disse que as pessoas contra o projeto "não se deram ao trabalho de lê-lo" e questiona "a quem interessa o jogo, que todo brasileiro sabe que existe e aposta, permanecer ilegal?"

Indagado sobre as críticas de que a legalização e ampliação dos jogos de azar poderiam abrir espaço para a prática de mais crimes financeiros, Carreras afirmou manter conversas com o Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República e a Receita Federal para incluir mecanismos de combate à corrupção no projeto.

No ano passado, em discussão sobre o projeto, Carreras desafiou diretamente os parlamentares religiosos no plenário da Câmara.

"Quantas vezes deputados vão para o subúrbio do nosso Brasil, olham para uma igreja e veem que, ao lado da igreja, há uma banca de bicho? E, nessa banca de bicho, há um trabalhador ou uma trabalhadora que tem um trabalho digno, que sustenta a sua família. Nós vamos fazer de conta que não existem?"

O deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS) declarou, em plenário, que "só no Brasil, no caso dos jogos online, há mais de 450 sites que faturam quase 20 bilhões de reais, e o governo não recebe 1 centavo sequer". "Não jogo nada, mas quero progresso, desenvolvimento e não quero cinismo!"

Riscos e proposta de plebiscito

Marco Feliciano - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Deputado federal Marco Feliciano se diz contra a liberação dos jogos de azar
Imagem: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Marco Feliciano afirmou à reportagem ser uma "falácia que parte dos lucros se reverterá em benefícios sociais". A seu ver, os gastos com o tratamento público de jogadores compulsivos, como em casos de depressão, serão maiores do que a arrecadação de impostos advindos dos jogos.

Sobre o apoio de Ciro Nogueira ao projeto, disse ser "natural que entre dezenas de ministros existam sempre alguns a favor e outros contra em qualquer debate", mas ressaltou que a palavra final é do presidente. Ele aposta que o eventual veto de Bolsonaro não será derrubado pelo Parlamento.

Pastor evangélico, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), que foi vice-presidente da Comissão de Turismo da Câmara no ano passado e já foi secretário estadual de Turismo de São Paulo, defendeu que ser contra o projeto não tem relação necessariamente com religiosidade ou agenda moral.

À reportagem, disse que o ambiente de crise econômica é apenas um pretexto favorável aos que defendem a legalização dos jogos de azar.

Lucena propõe que um plebiscito sobre o tema seja realizado ou, então, projetos-piloto, como no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, ou no sertão nordestino —regiões de menor desenvolvimento socioeconômico. Se após um período, como cinco anos, os resultados forem positivos, disse não ver problemas em apoiar a legalização de forma mais ampla.