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Câmara ressuscita projeto das fake news contra eventual ação do Judiciário

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Imagem: iStock

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

22/02/2022 04h00Atualizada em 22/02/2022 14h37

Antes relegado a banho-maria na Câmara, o projeto de lei de combate às fake news está sendo ressuscitado pelos deputados federais em resposta a eventuais decisões do Judiciário sobre o assunto, o que parte dos parlamentares enxerga como "ativismo judicial".

Antes de ministros do Judiciário darem declarações mais contundentes sobre possíveis ações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal) contra as fake news e o aplicativo de mensagens Telegram, embora indicassem ser prioridade esperar uma atitude do Congresso, parlamentares davam o projeto como morto na Câmara dos Deputados neste ano.

Congressistas consultados pela reportagem alegavam a falta de consenso e a tendência de evitar pautas polêmicas em ano de eleições como empecilhos para o assunto, considerado espinhoso principalmente por bolsonaristas — vários são investigados por suspeita de propagação de informações falsas. No entanto, a situação mudou a partir do receio de que o Congresso perdesse alguma forma de controle sobre alterações no tema.

Os deputados querem um maior domínio sobre o que pode passar a valer ou não nas eleições de outubro. Para parte dos parlamentares, é uma temeridade deixar a situação como está e permitir que o Judiciário tome decisões sem um balizamento novo do Congresso, no caso de eventuais conflitos.

O projeto voltou à tona especialmente após ser cogitada uma medida judicial contra o Telegram, incluindo sua suspensão no país, em razão de a plataforma ignorar chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições — além de não participar de acordo de cooperação com TSE para ações de combate às fake news no processo eleitoral. O acordo foi fechado com Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai, por exemplo.

O Telegram é apontado com uma das principais plataformas utilizadas pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) e, ao mesmo tempo, um terreno mais livre de medidas de contenção contra a distribuição de fake news. Informações propositadamente falsas foram difundidas por meio de aplicativos de mensagens nas eleições de 2018 e a intenção do Judiciário, assim como parte dos parlamentares, é que isso não se repita neste ano.

O projeto de lei em discussão na Câmara pretende:

  • estabelecer princípios de transparência nas regras para a veiculação de anúncios e conteúdos pagos;
  • sugerir sanções mais brandas a plataformas, como advertências, antes de eventual bloqueio;
  • dar mais clareza na moderação de conteúdos postados;
  • exigir que plataformas digitais tenham representação no país;
  • vedar o funcionamento de contas inautênticas e de contas automatizadas não identificadas como tal;
  • prever um consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos de mensagens;
  • e criar um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, entre outros pontos.

Questionado pelo UOL sobre o impacto do projeto já nas eleições deste ano, o relator do texto na Câmara, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), afirmou que depende do período de vacância da eventual nova lei. Ou seja, de quando mudanças em temas que tenham relevância para o pleito previstos na eventual lei realmente entrarão em vigor.

Ele defende que o projeto não deve ser usado para atingir determinada plataforma ou candidato, mas, sim, ter um efeito preventivo.

31.jul.2021 - O deputado federal Orlando Silva (PCdoB) é o relator do projeto de lei na Câmara - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Deputado federal Orlando Silva (PCdoB) é o relator do principal projeto de lei sobre fake news em discussão
Imagem: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Falta de consenso

A rediscussão do projeto não é garantia de que será aprovado. A tentativa dos deputados é de se chegar a um consenso básico para a aprovação de um texto-base e, então, decidir as mudanças com mais divergências por meio dos chamados "destaques" — trechos do projeto que são destacados do texto principal para votação posterior, que pode acontecer no mesmo dia.

Os destaques costumam definir se determinado trecho vai continuar ou sair do projeto de lei.

Orlando Silva disse à reportagem que o texto em debate é o aprovado no grupo de trabalho criado para se debruçar sobre o assunto em dezembro do ano passado e que "não há mudança, por ora".

Na semana passada, Orlando fez uma apresentação das ideias centrais e principais polêmicas do texto para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários.

Pontos de discórdia

Uma ala de deputados diverge em relação à maneira como a moderação de conteúdo deve ser feita. Parte acredita, inclusive, que não se deve haver qualquer tipo de moderação, pois isso impediria a plena liberdade de expressão.

Os pontos polêmicos dizem respeito à possibilidade de rastreabilidade, proteção de dados pessoais, extensão da imunidade parlamentar nas redes sociais e remuneração a empresas jornalísticas, por exemplo.

Outro foco de discórdia é a previsão de tornar crime promover ou financiar a disseminação em massa de mensagens "que contenham fato que sabe inverídico e passíveis de sanção criminal que causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral".

Isso valeria para a disseminação pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de contas automatizadas e outros expedientes "não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicações de internet". A pena proposta é de 1 a 3 anos de reclusão, fora multa.

O presidente da Câmara ressaltou que a liberdade de expressão tem de ser sempre preservada e reconheceu haver pontos sensíveis no atual texto, como suposta abstração entre liberdade de expressão, direito coletivo e direito individual.

Arthur Lira defendeu moderação no projeto de lei e afirmou que não se fará do texto "uma questão de disputa nacional pelo Telegram". Ele disse que o assunto vai ser tratado com "naturalidade".

"Não vamos fazer disso uma pauta nacional, um embate, como já existiram vários. Legislativamente se resolve essa questão", disse. Lira também rechaçou a possibilidade de "fulanizar" as discussões ou fazer alterações tendo um alvo em mente.

Indagado sobre a possibilidade de governistas tentarem acelerar a tramitação do projeto para enterrá-lo de vez, aproveitando a falta de consenso, Orlando Silva disse que o plenário "pode tudo", no sentido de aprovar ou rejeitar uma proposta, mas não lhe parecer "inteligente nem obstruir a votação nem derrotar o texto".

Na ausência de norma, quando provocado, o Judiciário decide. Se o Parlamento se omitir, não adianta reclamar do ativismo judicial. Eu não renunciaria ao poder que temos, a competência de fazer leis"
Deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do projeto de lei na Câmara

Projeto ainda sem previsão real de votação

Orlando afirmou que a fase agora é de escutar as bancadas na Casa e conversar com os líderes do Senado para eventualmente já fazer algum ajuste na proposta. "A negociação com o Senado é muito importante porque eles darão a palavra final. Nos interessa um pacto."

A perspectiva dele é votar o projeto em março, ao menos na Câmara. A expectativa inicial era que o requerimento para que o texto passasse a tramitar em regime de urgência na Casa fosse votado em plenário ainda na semana passada. Mas, isso não aconteceu por falta de consenso, o que demonstra entraves persistentes.

Mesmo que a urgência seja aprovada nestes próximos dias, o mérito do projeto só deve ser analisado depois do feriado de Carnaval.

Originalmente, o projeto de lei (2.630/2020) é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e foi apresentado em julho de 2020.