Topo

Entenda o projeto para legalização dos jogos de azar em discussão na Câmara

Getty Images
Imagem: Getty Images

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

23/02/2022 14h44Atualizada em 23/02/2022 14h44

A Câmara dos Deputados pode votar hoje, em plenário, um projeto de lei para legalizar jogos de azar no país — cassinos, bingos e jogo do bicho.

A bancada evangélica promove força-tarefa para que a votação só aconteça após o Carnaval, quando a Câmara deve voltar às sessões presenciais, situação em que alegam ser mais fácil convencer colegas. A bancada recebe o apoio de deputados católicos, de parlamentares ligados à área da saúde pública e de integrantes da esquerda.

Para críticos ao projeto, tornar os jogos de azar legais no Brasil vai intensificar a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas e o vício em apostas. Eles dizem acreditar que os prejuízos seriam maiores do que os benefícios financeiros com a arrecadação de impostos.

Os deputados a favor do projeto dizem que o texto traz propostas para reforçar o combate a esses males. Defendem também que a medida vai fomentar o turismo, a geração de emprego e de renda e o desenvolvimento regional.

Projeto original tem três décadas

O projeto original foi apresentado há quase 31 anos, em 21 de março de 1991, pelo então deputado federal Renato Vianna (MDB-SC). Desde então, mais de 20 projetos de assuntos parecidos foram juntados a esse principal. O tema ganhou força com o apoio de integrantes do governo federal e do próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O texto em discussão já contou com inúmeras versões, sendo a mais recente uma apresentada ontem à noite pelo relator, deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE). Mudanças de última hora não estão descartadas.

Veja os principais pontos do projeto de lei

O que passa a ser permitido?

Pelo projeto, passa a ser admitida no Brasil a exploração de jogos de cassino, jogos de bingo, jogo do bicho, quota fixa e online. Os jogos e as apostas poderão ser explorados por meio de estabelecimentos físicos ou virtuais.

Todo mundo vai poder jogar?

Não. A prática é permitida para os maiores de idade que estejam no pleno exercício de sua capacidade civil e constem de um "registro previsto".

Não poderão jogar ou fazer apostas pessoas declaradas insolventes ou privadas da administração de seus bens ou excluídas ou suspensas do registro de jogadores e apostadores, em decorrência de autoexclusão ou decisão judicial, por exemplo.

Pessoas jurídicas de qualquer natureza, sociedades não personificadas e entes despersonalizados, integrantes ou agentes públicos de grupos ou órgãos envolvidos no tema também estão impedidos.

Registro de jogadores impedidos

O projeto propõe a criação de um banco de dados voltado para o registro dos jogadores impedidos de entrarem em ambientes de jogos. Nele será possível ainda controlar e registrar o acesso ao jogo e à aposta, e acompanhar o comportamento dos jogadores e apostadores.

Segundo o projeto, a intenção é prevenir transtornos de comportamento relacionados ao jogo e à aposta, além de proteger pessoas que já sofram de ludopatia — vício em apostas.

Em relação à proteção ao consumidor, propõe-se a "Política Nacional de Proteção aos Jogadores e Apostadores" e diretrizes e instrumentos para nortear a atuação do Poder Público nesse sentido.

O projeto de lei determina que as empresas licenciadas elaborem planos e adotem medidas que garantam a prática do jogo de maneira moderada, não compulsiva e responsável. Devem ser adotadas medidas de prevenção do transtorno do jogo, das pessoas vulneráveis, como menores de idade e idosos, e à ocorrência de potenciais danos indesejáveis.

Imposto deduzido de prêmio

A incidência do Imposto de Renda sobre as pessoas físicas ganhadoras de prêmios proposta é de 20% sobre o ganho líquido. Ou seja, sobre o prêmio deduzido do valor pago para apostar ou jogar. O imposto poderá ser retido na fonte pela entidade operadora, de forma definitiva. Há a previsão de isenção da incidência do imposto se o valor do ganho líquido for de até R$ 10 mil.

Os prêmios não reclamados por jogadores e apostadores prescreverão em 90 dias, salvo algumas exceções previstas.

Quem vai cuidar disso tudo?

Por esse sistema, a atividade de jogos e apostas é considerada como atividade econômica privada sujeita ao controle do Estado. Ou seja, não será um serviço público. Isso não quer dizer que o Estado ficará alheio à exploração dos jogos de azar.

O mercado dos jogos será regulado e supervisionado pela União por meio de um de "órgão regulador e supervisor federal", a ser definido em outra lei.

Há a proposta de estruturar um "Sistema Nacional de Jogos e Apostas", a ser integrado pelos seguintes atores: órgão regulador e supervisor federal de jogos e apostas; entidades operadoras de jogos e apostas; entidades turísticas; empresas de auditoria contábil; empresas de auditoria operacional de jogos e apostas registradas no órgão; e entidades de autorregulação do mercado de jogos e apostas também registradas no órgão regulador.

Quem vai poder operar os jogos de azar?

Nem todo mundo vai poder explorar os jogos de azar. Os interessados precisarão de autorização para a constituição das entidades operadoras de jogos e de licença para a operação delas.

As licenças para cassinos, bingos e jogos do bicho serão dadas por meio de licitações. No geral, ganha a empresa que tiver proposto o maior investimento e que atender a determinadas condições jurídicas e financeiras.

No caso de cassinos, fica vedada a licença de mais de um estabelecimento por estado ao mesmo grupo econômico e mais de cinco para o mesmo grupo econômico no território nacional.

As licenças de cassinos integrados seguirão critérios populacionais. Por exemplo, será uma licença para unidades federativas com até 15 milhões de habitantes, duas licenças para unidades federativas entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes e três licenças para unidades federativas com mais de 25 milhões de habitantes.

Para os bingos, a licença também será por meio de licitação. Será credenciada, no máximo, uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes no município onde o estabelecimento deverá funcionar.

Além do bingo de cartelas ou bingo eletrônico, as únicas modalidades de jogo permitidas nas casas de bingo serão as de videobingo. Será permitido o funcionamento de até 400 máquinas de videobingo nas casas de bingo.

A exploração de jogos de bingo em estádios com capacidade acima de 15 mil torcedores será permitida, desde que de forma não eventual.

A licença para o jogo do bicho também está condicionada a critério populacional. Para cada 700 mil habitantes poderá ser concedida uma licença em cada unidade federativa.

Para onde vai o dinheiro arrecadado?

A proposta prevê um novo tipo de tributo Cide: a Cide-Jogos. De forma resumida, a alíquota é fixada em 17% para os jogos sobre a receita bruta.

Os recursos provenientes da Cide-Jogos deverão ser distribuídos da seguinte forma:

  • 20% Fundo de Participação dos Municípios - FPM;
  • 20% Fundo de Participação dos Estados - FPE;
  • 10% Embratur;
  • 10% financiamento de programas e ações na área do esporte;
  • 10% Fundo Nacional da Cultura;
  • 6% financiamento dos programas e ações compreendidos no âmbito da Política Nacional de Proteção aos jogadores e Apostadores;
  • 6% financiamento de programas e ações de defesa e proteção animal;
  • 6% financiamento dos programas e ações de saúde relacionadas a ludopatia;
  • 6% Fundo Nacional de Segurança Pública;
  • 6% Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente.

Cerca de 0,68% da receita bruta, abatidos os prêmios, serão destinados também para o Comitê Brasileiro de Clubes, incluindo o Paralímpico.

O que é crime?

Atualmente, jogos e apostas são tratados como contravenções com pena de prisão de 3 meses a 1 ano, mais multa, a quem estabelece ou explore jogo de chance em lugar público ou acessível ao público.

Se os jogos de azar forem legalizados, o projeto propõe criar o rol específico de "crimes contra o jogo e a aposta" e criminalizar a conduta de quem:

  • fizer a exploração ilegal de jogos (deixa de ser contravenção penal e passa a ser crime);
  • fraudar o resultado do jogo ou aposta;
  • permitir menor de 18 anos de idade participar de jogos e apostas;
  • realizar ou autorizar transações financeiras por meio de cartão de crédito, empréstimo ou outra espécie de financiamento com empresas ou sítios eletrônicos estrangeiros na internet que explorem a atividade de jogos;
  • impor dificuldade na ação fiscalizadora do poder público.

A pena proposta, em geral, é de reclusão de até sete anos, informa o texto.

O projeto ainda propõe algumas modificações na legislação em vigor para que crimes como lavagem de dinheiro e exploração sexual de criança ou adolescente tenham penas mais duras se relacionados à atividade de jogos de azar.