Bancada evangélica faz força-tarefa contra projeto que libera jogos de azar
A bancada evangélica na Câmara dos Deputados promove uma força-tarefa para tentar barrar nesta semana a votação do projeto de lei que legaliza jogos de azar no país. O texto está na pauta de votações do plenário após decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que é a favor dele. A previsão de Lira é que a votação aconteça até amanhã.
Os parlamentares evangélicos têm buscado conversar com líderes partidários, seja pessoalmente ou por telefone, para tentar convencer quem votou a favor da urgência do projeto a se posicionar contra o mérito do texto.
Segundo o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), o grupo conta também com a abordagem na Câmara de integrantes do Brasil Sem Azar, movimento nacional apartidário que luta contra a proposta.
Os políticos evangélicos ainda recebem o apoio de deputados católicos — a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) até soltou nota contra o projeto —, de parlamentares ligados à área da saúde pública, que temem o aumento no vício em apostas, e de integrantes da esquerda, como Marcelo Freixo (PSB-RJ).
"Temos tido o apoio de vários parlamentares, independentemente das questões ideológicas", afirmou Cavalcante.
Para os deputados evangélicos, tornar os jogos de azar legais no Brasil vai intensificar a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas e o vício em apostas. Eles dizem acreditar que os prejuízos seriam maiores do que os benefícios financeiros com a arrecadação de impostos.
Só depois do Carnaval
A intenção da bancada evangélica é que o projeto, que prevê a legalização de bingos, cassinos e até do jogo do bicho, seja votado depois do Carnaval, quando se espera que as votações na Câmara voltem ao modo presencial — por causa da pandemia, as análises estão sendo feitas de forma remota e só voltarão ao normal depois do feriado. Na avaliação de deputados ouvidos pela reportagem, é mais fácil reverter votos ou fazer algum acordo estando frente a frente.
"Estar na pauta não significa que será votado. Estamos todos trabalhando e articulando o contrário para que isso não seja aprovado, mas tentando dialogar com o presidente Arthur Lira", disse Cavalcante. "Estamos empenhadíssimos na articulação contrária aos jogos."
O líder da bancada também argumenta que ainda não há uma versão final do texto, de relatoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE).
"Como vamos votar uma coisa que não tem texto? Não deu tempo de os parlamentares estudarem. Então estou muito confiante de que será votado depois do carnaval com debate democrático, equilibrado, respeitoso e, com muito trabalho de articulação, vamos derrotar de uma vez por todas, sepultar, esse projeto", acrescentou.
Hoje, Lira disse que a Câmara deve tratar o texto "sem paixões", especialmente porque "são jogos que já existem no Brasil", mesmo que clandestinamente ou por meio de representação no exterior.
O presidente da Câmara afirmou que a principal novidade do texto será a possibilidade da abertura de cassinos e resorts "com todo o rigor da legislação e com todos os compliances necessários". Ele defendeu que a legalização vai gerar turismo, empregos e impostos.
Na avaliação de Lira, o projeto aborda bem regras para controlar o acesso de pessoas que sofrem de ludopatia (transtorno de compulsão por jogos) aos jogos de azar. Ainda assim, reconheceu não haver como um texto de tema tão complexo passar sem ajustes.
Quanto ao pleito da bancada evangélica de se realizar a votação só depois do Carnaval, para que seja presencial, disse que não será isso que vai alterar o resultado da votação de um assunto que está em tramitação há décadas no Congresso.
Apoiadores do projeto
Há dúvidas se críticos ao texto conseguirão barrá-lo no Parlamento. A legalização dos jogos de azar conta com o apoio de ala de bolsonaristas e do centrão, que tem o ministro Ciro Nogueira (PP-PI) como principal expoente do grupo no comando da Casa Civil, dentro do Palácio do Planalto.
Nos bastidores, parlamentares afirmam que Nogueira articula a votação do projeto, apresentado há mais de 30 anos na Câmara, com o apoio de Arthur Lira. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro do Turismo, Gilson Machado, quando presidente da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), também já indicaram ser a favor da liberação dos cassinos no país.
A desaprovação da ministra dos Direitos Humanos, a evangélica Damares Alves, que chegou a chamar a defesa de cassinos de "pacto com o diabo", não parece incomodar Ciro Nogueira, afirmam deputados. Isso porque há dúvidas inclusive sobre o real posicionamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) perante o tema.
Manobra para evitar desgaste
Embora tenha dito que vá vetar o projeto, se aprovado no Congresso Nacional, Bolsonaro já indicou ser a favor de resorts —que devem contar com cassinos— na região de Angra dos Reis, por exemplo. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também já se encontrou com empresários de cassinos em viagem a Las Vegas, paraíso da jogatina, nos Estados Unidos.
O eventual veto seria apenas uma maneira de Bolsonaro evitar desgastes perante a base evangélica, ainda mais em um ano eleitoral, na avaliação de parte de aliados.
A previsão de parte dos deputados é que Bolsonaro realmente vete o projeto, se aprovado, mas, depois, dê carta branca à base de sustentação do governo para derrubar o veto. Dessa forma, o presidente não se indisporia com a bancada evangélica nem com o centrão.
Como já noticiou o UOL, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados vai continuar ao lado do presidente Bolsonaro mesmo que os jogos de azar sejam liberados no país com apoio de parte do governo federal.
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