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Gabinete parlamentar não é inviolável a ordens do Supremo, dizem advogados

Ações da Lava Jato mostraram que Judiciário pode ordenar ações dentro do Congresso - Pedro Ladeira/Folhapress/21.out.2016
Ações da Lava Jato mostraram que Judiciário pode ordenar ações dentro do Congresso Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress/21.out.2016

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

30/03/2022 22h19Atualizada em 30/03/2022 23h09

Os gabinetes dos parlamentares não são invioláveis a ordens judiciais, principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmam advogados ouvidos pelo UOL. O tribunal ordenou que o deputado Daniel Silveira (que trocou ontem o União Brasil pelo PTB-RJ) seja monitorado por tornozeleira eletrônica, mas ele se negou a cumprir a ordem.

Após a recusa do deputado, o ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu na noite de ontem estabelecer multa diária de R$ 15 mil eo bloqueio imediato de todas as suas contas bancárias até que o parlamentar obedeça as medidas determinadas pelo Supremo o que Silveira disse agora que fará.

A decisão de Moraes prevê ainda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), decida data e local para que Silveira coloque a tornozeleira. Moraes também abriu um novo inquérito contra o deputado.

Ontem, mais cedo, Lira condenou o que chamou de "uso midiático da Casa" por Silveira, mas disse que "a inviolabilidade da Casa do Povo deve ser preservada". "Sou guardião da sua inviolabilidade", afirmou Lira.

O UOL conversou com quatro advogados que atuam na área criminal em Brasília sobre a situação do deputado bolsonarista. Três deles — Daniel Gerber, Max Telesca e Luís Henrique Machado — entenderam que não é necessária uma autorização do Congresso para validar a ordem do ministro Alexandre de Moraes de colocar uma tornozeleira no deputado. Um dos motivos é que até a prisão de Silveira já foi autorizada pelo Parlamento em 2021.

Um quarto advogado, Hercílio Aquino, acredita que é necessária uma nova autorização do Congresso. Isso porque, em 2017, o STF determinou que, a exemplo das prisões, será encaminhada ao Parlamento "medida cautelar, sempre que a execução desta impossibilitar, direta ou indiretamente, o exercício regular de mandato parlamentar".

Na Operação Lava Jato, em 2015, policiais legislativos tentaram impedir a Polícia Federal de cumprir ordens de busca e apreensão em residências de senadores na fase conhecida como Politeia. Houve bate-boca na porta do apartamento funcional do senador Fernando Collor. Apesar da briga, o trabalho do Judiciário foi validado. Réu por corrupção, Collor ainda pode ser beneficiado pela demora no julgamento.

Outra ação da Lava Jato, em 2016, mostrou que o Congresso não é inviolável. O juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, ordenou buscas no Parlamento contra policiais legislativos que teriam tentado atrapalhar investigações da Lava Jato. Era a Operação Métis. O magistrado chamado de "juizeco" pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mas, ao final, o STF validou as provas em relação aos policiais legislativos.

Só anulou seu uso em relação a senadores, porque, para isso, as ordens deveriam ter sido dadas por ministros do próprio Supremo. E ainda autorizou a perícia em maletas antigrampo apreendidas no Congresso.

Max Telesca defendeu um dos réus no processo, ligado à Operação Métis. Ele destaca que o voto de Fachin, na prática, revela que "o Congresso não é santuário para ilegalidades".

"Havendo ordem do Supremo a medida pode ser cumprida na casa parlamentar", disse Machado.

"Te imaginei tomando surra", disse deputado denunciado

Hercílio Aquino diz que a vigilância de Silveira se assemelha a uma prisão, porque o monitoramento eletrônico está previsto na lei como uma das "medidas cautelares diversas da prisão". A ação direta de inconstitucionalidade 5526, julgada em 2017, faz esse tipo de ordem ser submetida ao Congresso para ter validade. "Seguindo o que o próprio STF decidiu, a PF fica impedida de cumprir a determinação do ministro, sob pena de responsabilidades", afirmou o advogado ao UOL.

Luís Henrique Machado e Daniel Gerber, porém, entendem que isso não se aplica porque a ordem de Alexandre de Moraes, mandando vigiar o deputado com tornozeleira, foi feita dentro de um processo em que a prisão não foi revogada.

Em fevereiro de 2021, Silveira foi preso por ordem do Supremo por ameaçar o ministro Edson Fachin, num vídeo que ele publicou em rede social na internet:

Fachin, é que todo mundo já está cansado dessa sua cara de filho da p* que tu tem. Essa cara de vagabundo, né (?) Por várias e várias vezes já te imaginei tomando uma surra. Ô? Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte. Quantas vezes eu imaginei você, na rua, levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não. Eu só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime"
Daniel Silveira, em fevereiro de 2021

Prisão não foi revogada, afirmam advogados

A prisão foi confirmada pelo plenário da Câmara dos Deputados. O deputado foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo crime de coação. O parlamentar virou réu em agosto de 2021.

Em 8 de novembro, Moraes não revogou prisão de Silveira mas substituiu a prisão por medidas cautelares. As restrições eram proibir Silveira de se comunicar com outros investigados no inquérito que apura crimes de ameaça contra magistrados ou de utilizar redes sociais.

Agora, Moraes utiliza outras medidas cautelar, mandando o parlamentar usar tornozeleiras. Segundo Daniel Gerber, isso dispensa uma nova autorização do Congresso." "Se a prisão for revogada, a imposição de medidas alternativas sé uma nova cautelar: precisa, sim, de nova autorização", disse ele. "Se a prisão for apenas substituída por medidas, é a mesma medida corroborada pelo Congresso. Não precisa nova autorização."

Machado avaliou que, se Moraes só está reimplementando uma medida cautelar, não vê necessidade de aval do Parlamento para colocar tornozeleira no réu.