Topo

Empregado por Lira há 11 anos, parente de assessor não trabalha em gabinete

Deputado federal Arthur Lira tem escritório em Maceió - Agência Pública
Deputado federal Arthur Lira tem escritório em Maceió Imagem: Agência Pública

Alice Maciel*

Da Agência Pública

30/03/2022 04h00

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), empregou ao longo de seus três mandatos na Casa, de 2011 a 2021, sete parentes de seu assessor parlamentar e amigo Djair Marcelino da Silva, conforme levantamento da Pública. Djair é apontado como operador de um esquema de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa de Alagoas, que teria sido liderado por Lira quando ele ainda era deputado estadual (2001-2007), de acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de 2018, decorrente da Operação Taturana, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal (PF). Além de Djair, atualmente apenas seu sobrinho, Luciano José Lessa de Oliveira, está lotado no gabinete do líder do Centrão como secretário parlamentar, mas há indícios de que ele dá expediente em outro local.

Filho da cunhada de Djair, Lessa é dono de uma gráfica em Maceió (AL), a Sete Comunicação Visual. A Pública o flagrou cinco vezes no local em horário comercial. No primeiro contato, uma quarta-feira, 16 de fevereiro, às 10h50, ele estava em sua gráfica pintando uma faixa e atendendo a um cliente. No dia 22 de março, terça-feira, às 14 horas, sem saber que éramos jornalistas, ele fez um orçamento de banner para festa infantil.

djair, lira - Reprodução - Reprodução
Djair Marcelino da Silva, assessor parlamentar de Arthur Lira (PP-AL)
Imagem: Reprodução

Nos três dias seguintes, quarta-feira às 15 horas, quinta-feira às 12 horas, sexta-feira às 13 horas, a gráfica estava aberta ao público. Nos dias de funcionamento, Lessa coloca na calçada uma placa divulgando o seu trabalho: "banners, adesivos, placas e faixas". Nas redes sociais, o horário de atendimento divulgado é das 9h às 22h30.

"Eu passo o dia todo fora, de vez em quando venho aqui na bodega [na gráfica] porque tenho três gatos, aí passo para colocar a comida dos gatos, boto a máquina para dar uma esquentada para não perder ela, porque não estou utilizando ela", justificou Lessa, ao ser procurado. Vizinhos ouvidos pela Pública disseram que "ele costuma passar o dia na gráfica".

As regras da Câmara dos Deputados permitem o trabalho do assessor no estado de origem do deputado federal desde que a atividade seja inerente ao exercício do mandato. O secretário parlamentar está sujeito a uma jornada semanal de 40 horas e poderá ser autorizado a realizar atividade privada, desde que fora do período de trabalho o que não se enquadraria no caso de Lessa.

Arthur Lira tem escritório em Maceió, mas Lessa disse que quase não o frequenta. Segundo ele, sua responsabilidade no gabinete do deputado é "cuidar da comunicação visual". "Desde a campanha de 2010 que fiquei encarregado de ficar fazendo as partes de comunicação visual dele, que é camisa, placa, faixa", contou.

"A minha função é fazer a ponte entre o que a agência de publicidade manda de layout e as gráficas, fazer cotação de preço, ficar brigando por desconto, e depois passo para o financeiro", explicou. Por conta disso, justifica, ele passa mais tempo na rua e tem horário flexível. "Meu horário é: 'a hora que precisam de mim, eu tô. Todo dia eu vejo o que é pra ser feito, executo minha parte e fico livre o dia todo", disse, acrescentando: "Não tem a necessidade de eu estar lá [no escritório] primeiro, porque lá eu fico ocioso, meu negócio é ficar correndo atrás de gráfica.". Durante a conversa, Lessa reforçou que não executa funções para as redes sociais: "Meu negócio é papel, adesivo, tecido".

No entanto, na prestação de contas do gabinete de Arthur Lira dos últimos quatro anos não foram localizados registros de gastos com material impresso nem com gráficas. O gasto dos deputados federais com "divulgação de atividade parlamentar" está previsto na "Cota para o exercício da Atividade Parlamentar" valor mensal que recebem para manutenção do mandato. Os gastos de Lira com essa rubrica no portal da transparência da Câmara, de janeiro de 2019 a fevereiro de 2022, indicam apenas investimento em propaganda nas redes sociais, blogs e sites de Alagoas.

Arthur Lira informou por meio de nota que Djair trabalha no gabinete local do deputado em Maceió prestando funções relacionadas ao cargo que ocupa. Já o servidor Luciano Lessa, "exerce o trabalho de base junto à comunidade, com acompanhamento e monitoramento da mídia local e possui uma empresa, sem qualquer vínculo com sua atividade no gabinete". Em relação aos outros parentes de Djair, o deputado afirmou que "alguns foram servidores, em cargo de confiança, em épocas distintas e já totalmente desligados". "Os processos referentes à operação Taturana foram analisados pela Justiça de Alagoas. O deputado foi absolvido", acrescentou.

Luciano Lessa está lotado no gabinete de Arthur Lira desde o início do primeiro mandato do político na Câmara dos Deputados, em 7 de fevereiro de 2011. À época, ele já tocava a Sete Comunicação havia um ano, conforme registro na Receita Federal. Atualmente, o servidor ganha um salário bruto de R$ 5.726,13 mais auxílio de R$ 982,29. Ele contou que trabalhou na campanha de Lira nas eleições de 2010, a convite do tio Djair, e que, posteriormente, foi convidado a integrar o quadro de funcionários do gabinete. Luciano disse ainda que não vai a Brasília. "Lido aqui direto, com o pessoal de Maceió".

lessa, lira - Agência Pública - Agência Pública
Luciano Lessa está lotado no gabinete de Lira como secretário parlamentar
Imagem: Agência Pública

O caso lembra o de Walderice Santos da Conceição, ex-funcionária de Jair Bolsonaro, que ficou conhecida como Wal do Açaí. Lotada no gabinete de Bolsonaro quando ele era deputado federal, a servidora tinha uma loja de açaí em Angra dos Reis, conforme revelou a Folha de S.Paulo. O MPF denunciou o presidente por improbidade administrativa na semana passada por tê-la mantido como funcionária fantasma por 15 anos na Câmara (2003 a 2018).

Arthur Lira e Djair Silva se conheceram em 1989, quando o político promovia vaquejadas no parque Arthur Filho, no município de Pilar (AL), e Djair trabalhava na TV Gazeta de Alagoas. O empresário contratou Djair para cuidar dos eventos no parque e, ao longo do tempo, foi se transformando em um "faz-tudo" de Lira, conforme revelou uma pessoa próxima a eles que prefere não se identificar.

Em 11 de maio de 2020, Djair Silva foi nomeado secretário parlamentar no gabinete de Lira no Legislativo Federal, com salário de R$ 7.509,50 e auxílios no valor de R$ 982,29 e é "encarregado pela parte financeira", segundo Lessa.

"Eu fui chefe de gabinete do Arthur na Assembleia e hoje eu sou chefe de gabinete dele em Maceió. É uma questão de confiança", afirmou Djair no dia 25 de março no escritório do político em Alagoas.

Ele foi chefe de gabinete de Arthur Lira de 2001 a 2010, quando o parlamentar ainda era deputado estadual, e teria sido peça-chave no esquema de rachadinhas na Assembleia de Alagoas, de acordo com denúncia do MPF. Detalhes da investigação foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmados pela Pública.

O processo, que corre em segredo de Justiça, tem um capítulo dedicado ao político. "Arthur Lira é ex-primeiro secretário da Mesa Diretora da ALE/AL e foi beneficiado com os esquemas de manipulação da folha de pagamento e descontos indevidos de cheques da ALE/AL, bem como na obtenção fraudulenta de empréstimos consignados", diz um trecho da acusação, descrito no livro Os bens que os políticos fazem histórias de quem enriqueceu durante o exercício dos mandatos, do jornalista Chico de Gois.

Fatos descobertos na operação renderam a Lira duas condenações na esfera cível por improbidade administrativa em primeira instância, em 2012; em segunda instância, em 2016. O deputado recorreu, mas ainda aguarda as decisões. Na esfera criminal, ele foi absolvido depois que a investigação foi anulada em juízo sob a justificativa de que deveria ter sido realizada pela Justiça Estadual, e não pela Federal. O MP de Alagoas tenta reverter a sentença.

A ação, que começou com o MPF, foi parar nas mãos dos promotores do estado em 2018, após decisão do STF que limitou o foro privilegiado a crimes durante e em função do cargo.

A atuação de Djair Silva guardaria semelhança com a de Fabrício Queiroz. Isso porque os investigadores identificaram que parte dos recursos que teriam sido desviados de 2001 a 2007 saía do salário de funcionários fantasmas e seria Djair, então chefe de gabinete de Lira, supostamente o responsável por retirar o dinheiro na boca do caixa. Ele teria descontado "aproximadamente dez cheques nominais" de servidores comissionados contratados pelo deputado, conforme depoimento de um gerente do Banco Bradesco em 2007, que consta na ação.

Ao ser questionado, Djair disse: "Já é matéria vencida". "Eu fui envolvido nessa questão lá atrás, mas não ficou nada comprovado. Se tivesse, eu teria dito".

A PF identificou que parte dos recursos desviados foi depositada na sua conta e da então esposa de Lira, Jullyene Lins. Ela confessou no processo ter sido funcionária fantasma do ex-marido e de ser proprietária da conta que recebia o dinheiro ilícito.

Entre os servidores que trabalhavam para Arthur Lira na Assembleia, também estão os filhos de Djair, Djair Afonso Lessa Marcelino, que chegou a ser investigado pelo MPF, e Davi Afonso Lessa Marcelino, e o sobrinho, Anderson José Silva do Nascimento os dois últimos posteriormente contratados por Lira na Câmara dos Deputados.

Procurado, Djair Afonso diz que trabalhava na parte de marketing do mandato de Lira na Assembleia. Ele disse desconhecer qualquer esquema de "rachadinhas" e garantiu que recebia o salário integral. A reportagem tentou contato com Davi e Anderson, mas não obteve retorno.

Ao todo, entre 2011 e 2021, passaram pelo gabinete de Lira na Câmara sete parentes de Djair Silva: dois filhos, três sobrinhos, a ex-mulher e uma prima.

"Todo político tem que ter as pessoas que ele possa confiar", justificou Djair. Ele afirmou que cada um dos seus parentes "acompanhava determinada comunidade, ou determinado município". "Que a gente possa ter gente de confiança, que a gente possa mandar para determinadas bases e saber que vai ser cumprida a tarefa", defendeu.

Ao ser questionado sobre possível prática de "rachadinha" no gabinete de Lira, ele disse: "Pelo que conheço do Arthur, há muito tempo, ele não permitiria esse tipo de coisa, tá certo? Nem eu permitiria, quanto a minha condição de católico, religioso, que é uma coisa tão espúria".

grafica, lira - Agência Pública - Agência Pública
Luciano Lessa é dono de uma gráfica em Maceió (AL)
Imagem: Agência Pública

Laços de família

Quatro anos depois de deflagrada a Operação Taturana, Lira assumiu seu primeiro mandato como deputado federal e, no mês seguinte ao da posse, nomeou para seu gabinete como secretário parlamentar dois filhos de Djair. Davi Marcelino ocupou a vaga de 9 de fevereiro de 2011 a abril de 2012. À época, ele já era sócio do irmão Djair Afonso na agência de publicidade Affesta, registrada na Receita Federal em 2009.

Ainda calouro na Casa, Lira contratou outro filho do amigo, André Marcelino Loureiro Viana Silva, fruto do relacionamento de Djair com Rose Marie Loureiro Viana, que também trabalhou como secretária parlamentar do deputado no Legislativo Federal, de 12 de maio de 2011 a 6 de maio de 2020.

André ficou na vaga por pouco mais de dois anos de 2 de fevereiro de 2011 a 3 de setembro de 2013. Em março de 2016, ele assumiu um cargo comissionado na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), onde permanece até hoje. A empresa pública é vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Regional e teria influência política de Arthur Lira.

Procurado no dia 16 de fevereiro no apartamento onde mora com a mãe, em Maceió, André não quis responder aos questionamentos da Pública e disse que sua mãe também não falaria com a reportagem.

O deputado empregou também em seu gabinete o filho da irmã de Djair, Anderson José Silva do Nascimento. Ele ficou de junho de 2011 a fevereiro de 2013. Um mês depois, ele "foi substituído por seu irmão", conforme admitiu Djair. Djacy Afonso da Silva Neto assumiu a vaga no dia primeiro de março de 2013, na qual permaneceu até 27 de maio de 2020. Ele trabalhou com sua prima Patrícia Marcelino da Silva, que entrou em abril de 2014 no gabinete de Lira . Ela, no entanto, saiu antes, em 2017.

Entramos em contato com Djacy por telefone e pelas redes sociais, mas não obtivemos resposta. Também tentamos contato com Patrícia, sem retorno.

*Colaborou Aliny Gama

Reportagem produzida pela Agência Pública e publicada em parceria com o UOL