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Colchão, travesseiro e pão com mortadela: o gabinete-casa de Silveira

Enquanto deputado estava no plenário, eleitores iam a gabinete pedir apoio a piso salarial de enfermeiros - Eduardo Militão/UOL
Enquanto deputado estava no plenário, eleitores iam a gabinete pedir apoio a piso salarial de enfermeiros Imagem: Eduardo Militão/UOL

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

31/03/2022 04h00

Pão francês com mortadela, manteiga e café. Assim começou, na quarta-feira (30), o dia do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) após uma noite mal-dormida em seu gabinete na Câmara dos Deputados. O local, provisoriamente transformado em quarto, serviu de refúgio contra uma ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) para que voltasse a colocar uma tornozeleira eletrônica.

No dormitório improvisado, dormiram o parlamentar e assessores. Um colchão foi emprestado pelo deputado Luiz Lima (PL-RJ), e um travesseiro, enviado por Carla Zambelli (PL-SP), que também mandou água.

Do lado de fora, um batalhão de jornalistas, acordados, faziam plantão. Na sala, Silveira e os funcionários demoraram para descansar. Publicamente, no entanto, o deputado não relatou dificuldades. "Foi bom, foi uma noite agradável", disse ao UOL no salão verde da Câmara, na noite de quarta-feira (30). "Deu, deu, sim [pra dormir]."

Antes de seguir para o gabinete, conversou com o deputado e delegado de polícia Éder Mauro (PL-PA) no plenário. Ficaram lá até por volta de meia-noite, disse Mauro. Para o colega, Silveira sofre "perseguição ideológica" por apoiar o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Após sair do plenário, Silveira caminhou até o anexo IV da Câmara, subiu ao quarto andar e dirigiu-se à sua sala, com uma penca de repórteres na porta.

Em casa, pronta para dormir, Zambelli anunciou nas redes sociais, que estava saindo de casa para se encontrar com o colega. Em tom de cobrança, perguntou a apoiadores o que eles iriam fazer para ajudá-lo.

"No nosso governo Bolsonaro e as pessoas bolsonarianas... ninguém fica para trás", disse Zambelli. "Eu tô saindo daqui de casa agora, estava indo já deitar, para ir na Câmara me encontrar com o Daniel Silveira. E você vai fazer o quê?", questionou.

De manhã, encontro com evangélicos

Ao amanhecer, Luiz Lima, que emprestou o colchão, voltou a aparecer. Os dois tomaram café da manhã juntos. Em imagens divulgadas por Lima, Silveira aparece de camisa cinza e calção vermelho.

Ainda pela manhã, Silveira recebeu a visita de parlamentares da bancada evangélica. Hélio Lopes (União-RJ), vizinho de gabinete, estava lá. "Fui orar com ele", disse ao UOL, enquanto chegava outro ativista bolsonarista, o jornalista Osvaldo Eustáquio.

No encontro com Silveira, também estavam o presidente da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e Aline Sleutjes (PSL-PR). Todos oraram com o colega, alvo de mandado do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Os parlamentares informaram que pressionaram o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que o plenário votasse se Silveira deveria ou não usar a tornozeleira em ano eleitoral.

Na sequência, Silveira vestiu calça, camisa, terno e gravata. Deixou o gabinete, que não tem chuveiro no banheiro, e foi direto para o plenário, onde passou a tarde. No Anexo IV, a porta do gabinete, que diz "entre sem bater", permanecia trancada.

Idosa pediu apoio para piso dos enfermeiros

Eleitores alheios à tensão dos corredores da Câmara, foram pedir ajuda a Silveira. A técnica em enfermagem Iracema Brito, 73, de Salvador, apareceu querendo que o deputado pressionasse Arthur Lira, presidente da Casa, a votar o piso salarial dos enfermeiros.

Mãe de dez filhos, casada pela segunda vez, Iracema contou que tem 43 anos de profissão. Vive com dois empregos, um num posto de saúde e outro na Câmara dos Vereadores da cidade.

A técnica em enfermagem defendeu Silveira e disse que ele não cometeu crimes: "Se eu disser que alguém é filho da p*, eu sou condenada?", questionou Iracema. Para ela, Silveira agiu "em um momento de raiva".

Silveira foi preso em fevereiro de 2021, após divulgar um vídeo com ameaças aos ministros do STF. Passou por regime domiciliar, e foi solto em definitivo no mês de novembro. Na ocasião, o parlamentar foi submetido a uma série de medidas cautelares, incluindo a proibição de acesso a redes sociais e de contato com outros investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais.

Apesar das restrições, o deputado voltou a atacar o STF e descumpriu ordens da Corte neste mês em eventos de conservadores em São Paulo e Londrina (PR).

Conversa com Flávio

Ao final do dia, a Polícia Federal entrou na Câmara para cumprir a ordem de colocar a tornozeleira em Silveira. "O parlamentar foi cientificado e não consentiu a instalação do aparelho", informou a Diretoria Geral da Câmara. "A recusa foi certificada pelas autoridades policiais."

Depois disso, Silveira foi à liderança do PTB. Ali, recebeu a visita do filho mais velho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Depois de conversarem, os dois saíram para uma coletiva à imprensa no salão verde, em meio ao aperto dos corredores da Câmara com dezenas de jornalistas e câmeras voltados para ele. Ainda no caminho, Silveira conversou rapidamente com o UOL, e disse que não tratou da tornozeleira com os policiais federais.

Na coletiva, só Flávio Bolsonaro falou. Disse que o colega "sempre foi um cara do bem".

Ao sair, Silveira conversou com o UOL novamente, e negou que fosse aceitar a tornozeleira, mesmo que Arthur Lira pautasse a votação da suspensão de sua ação penal. "Não existe condicionante", afirmou.

Às 19h16, Silveira ainda não sabia onde iria dormir. Após as 22h, em entrevista à Jovem Pan, afirmou que colocaria a tornozeleira —ainda não se sabe quando nem onde. A fala ocorreu após nova decisão de Moraes que estabeleceu uma multa diária de R$ 15 mil e mandou bloquear as contas bancárias do parlamentar como garantia do pagamento.

Oposição vê Silveira candidato ao Senado

O UOL ouviu um deputado e uma deputada experientes da oposição. O deputado afirma que, se Alexandre de Moraes entende que o colega bolsonarista cometeu crime, o certo era mandar prender, não impor tornozeleira. A deputada diz que a polêmica de Silveira com o Supremo está virando a favor dele. Ela disse que recebeu informações de que o movimento bolsonarista resolveu impulsionar a candidatura de Silveira para o Senado com base na disputa.

Uma terceira parlamentar oposicionista pensa diferente. Para ela, Arhur Lira deveria pautar a punição de afastamento de seis meses de Silveira. O Conselho de Ética já definiu a pena, mas o plenário precisa votar.