Vacina, privatização e atrasos: Doria mira em inovação, mas repete erros
João Doria (PSDB) deixou o governo de São Paulo na última quinta (31) para se dedicar à pré-candidatura ao Palácio do Planalto. Depois de três anos e três meses, o tucano leva como marca as ações de combate à pandemia de covid-19 e entrega uma gestão que se aproximou dos modelos de startups, voltada a empreendedorismo e insistindo na performance e nos resultados rápidos.
A tentativa de inovação, no entanto, não resolveu velhos problemas de outras gestões tucanas —nos últimos anos, foram poucos os avanços na infraestrutura, com atrasos e falta de entrega em obras importantes como metrô, por exemplo.
Atual pré-candidato do PSDB à Presidência da República, na administração estadual, Doria reforçou as críticas de adversários, que dizem que ele sobrepõe a imagem ao cargo, com peças publicitárias de alto nível e nomes pomposos para cada programa.
No último dia de governo, virou o centro das atenções num vaivém marcado por impasses, disputas internas e pressão de aliados: ameaçou desistir da disputa e permanecer no Palácio dos Bandeirantes mas, no fim, entregou o posto a Rodrigo Garcia (PSDB), seu vice e pré-candidato à sucessão no Estado.
Agora, Doria ainda tem que negociar alianças e apoios políticos, enquanto tenta mostrar ao eleitor de fora de São Paulo o que considera positivo em sua gestão:
- Estabilidade econômica em anos turbulentos,
- Processos de privatização e
- Sua menina dos olhos --a vacina contra covid-19, CoronaVac.
O objetivo inicial é se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos prováveis oponentes na disputa eleitoral —com quem se aliou na campanha de 2018.
A corrida da vacina
O plano de se candidatar à Presidência da República não é novo —Doria chegou ao Palácio dos Bandeirantes de olho no Planalto. Montou um secretariado com cara de ministério, com ex-integrantes da gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Alguns deles foram:
- Henrique Meirelles (PSD), na pasta da Fazenda e do Planejamento;
- Rossieli Soares, na Educação; e
- Gilberto Kassab (PSD), da Casa Civil --que acabou afastado após ser alvo de denúncias de corrupção.
No início da pandemia, o então governador se colocou como rival de Bolsonaro, tomando medidas contrárias aos discursos feitos em Brasília.
Em fevereiro de 2020, antes de a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretar a pandemia, ele já havia reunido um grupo de médicos que viriam a formar o Comitê de Contingência do Coronavírus, que auxiliou o governo nas decisões tomadas durante dois anos. Em março do mesmo ano, decretou quarentena e, dois meses depois, o uso obrigatório de máscara.
Logo, o principal ponto de divergência entre Doria e Bolsonaro tornou-se a negociação da vacina.
A chegada da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, foi o marco inicial da vacinação no Brasil em 17 de janeiro de 2021. Com um escritório aberto em Xangai no fim de 2019, o governo paulista e o instituto ligado à USP (Universidade de São Paulo) conseguiram fechar acordos de compra e produção de imunizantes quando o governo federal hesitava e criticava a corrida pelo imunizante.
Ele [Doria] lutou pela vacina junto ao Instituto Butantan. Tenha cálculo político ou não, ele a trouxe numa época em que ela era necessária, para salvar vidas, em especial dos idosos --e conseguiu. É essa luta, em oposição clara ao governo federal, que se torna o seu principal ativo e marca."
Rodrigo Prando, cientista político do Mackenzie
Em divergência constante com Bolsonaro —inclusive em bate-bocas públicos—, procurou adiantar a aplicação da vacina em todas as faixas etárias —e fazia questão de exibir isso. Também estimulou, junto ao Butantan, a produção de uma nova vacina, a ButanVac, vendida inicialmente (e de forma equivocada) como 100% brasileira.
Com mais de 84% da população completamente imunizada, São Paulo figura entre os maiores índices de vacinação em todas as etapas, incluindo vacinação infantil, terceira dose e dose de reforço. Ao final de cada coletiva semanal, Doria gosta de exibir o vacinômetro estadual. No Brasil, a taxa imunização chega a cerca de 75%.
Mas, apesar dos bons resultados, aliados avaliam que, com o avanço da vacinação e a melhoria da pandemia, o apelo junto ao eleitorado perde força. Resta saber se a lembrança dura até outubro.
Economia em alta
Quando se candidatou ao primeiro cargo público, à Prefeitura de São Paulo, em 2016, Doria usou como mote de campanha a sua atuação na iniciativa privada. "Não sou político, sou gestor", dizia, surfando na onda antissistema que tomaria o país em 2018.
Na eleição para governador, o tom seguiu, mas de outra forma: ele não era apenas o gestor, mas o gestor que conseguia fundir a iniciativa privada à pública.
Em um ano e meio na prefeitura —ele saiu para disputar o Estado—, sua gestão ficou longe de bater as metas prometidas, mas plantou a semente dos processos de PPPs (Parcerias Público Privadas), como a concessão do Autódromo de Interlagos e do complexo do Anhembi.
No governo estadual, as propostas avançaram mais. Foram 12 concessões e PPPs, com investimento total de R$ 45 bilhões, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Todas apresentadas com grande entusiasmo por Doria, sempre prontificado a falar os nomes das empresas e exibir seus executivos.
Na semana passada, anunciou o último grande projeto da gestão: a transformação da Usina São Paulo, na zona oeste da capital paulista, em uma espécie de shopping ao ar livre sobre o rio Pinheiros. "O exemplo da eficiência de união entre o público e o privado", anunciou. Como trunfo, mostrou o avanço da despoluição do rio, promessa antiga de gestões tucanas, que chegou a avançar sob seu comando.
Se a vacina é um assunto cada vez menos falado à medida que a pandemia regride, é nos bons resultados econômicos que a gestão —e a futura campanha —vão se apoiar.
De acordo com a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), o PIB do estado:
- Cresceu 7,5% entre janeiro de 2019 e o terceiro trimestre de 2021,
- No país, a alta foi de apenas 1,5%.
Segundo a fundação, é a primeira vez desde 1995, quando o acompanhamento começou, que o estado cresce mais do que o país por três anos seguidos.
Para arrecadar verba, Doria promoveu uma reforma previdenciária, um ajuste fiscal com aumento de impostos em algumas áreas e vendeu estatais.
O chamado "Pacotão do Doria", que passou por votação na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) em outubro do ano passado, incluía mudanças amplas de gestão em tantos setores que ficou travado até que o governo recuasse e cedesse em parte das propostas.
Para a oposição, a principal crítica é que seu governo se preocupava mais com números do que com os impactos sociais do pacote.
Talvez seja este o ponto. A gestão Doria mostra um estado bem resolvido, mas que, além de vários problemas, aparenta uma falta de empatia em relação a determinados problemas de razão social. Não é só fazer planejamento com números, é preciso pensar na forma com que se faz política pública."
Vera Chaia, professora de Ciências Sociais da USP
Patrícia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico, defende que, ao cuidar da economia, consegue, também, voltar-se ao social. "A lógica aqui é crescer, gerar empregos, incluir e inovar. Empreender não é uma tendência do governo, é do mundo", afirma Ellen.
Em 2021, entre empregos formais e abertura de novas empresas, a secretaria destaca ter "qualificado" quase um milhão de pessoas (954 mil) que tinham entrado em situação financeira delicada durante a pandemia.
Velhas falhas com obras pendentes
Se as parcerias com a iniciativa privada aumentaram e a economia seguiu crescendo, algumas obras da gestão Doria seguem claudicantes, a exemplo de outras administrações tucanas.
Em levantamento da Folha de S. Paulo no fim de março deste ano, o governo:
- Completou e avançou em 28% das promessas de 2018,
- Enquanto 28% estão em andamento e
- 20% na fase inicial;
- 24% nem foram feitas.
A Linha 18-Bronze do Metrô, que ligaria a região do ABC, na Grande São Paulo, ao sistema de metrô da capital, foi abandonada e transformada em BRT, que começou a ser construído só neste ano.
Para a linha 15-Prata, a promessa é que chegaria até a Cidade Tiradentes, na zona leste, ainda neste ano, mas os trabalhos foram reprogramados para 2024. Na linha-6 Laranja, onde houve o acidente com a cratera na Marginal Tietê, e a conclusão ficou para 2025.
"São alguns dos mesmo problemas, o que não é exatamente uma novidade da gestão Doria. Nós acompanhamos bem e sabemos que não entregar as obras é uma velha questão tucana", avalia Prando.
Um estranho no ninho
Doria enfrentou ainda a Alesp mais arredia de todas as gestões tucanas. O governo paulista costumava reinar com folga na Casa, mas, com a tradicional oposição da esquerda somada à recém-eleita bancada bolsonarista, o governador passou sufoco, mesmo conseguindo eleger dois presidentes consecutivos do partido: Cauê Macris (PSDB) e Carlão Pignatari (PSDB).
Nos corredores da assembleia, assim como na Câmara Municipal paulistana durante sua breve gestão, o senso comum entre os deputados é que Doria manda muito e conversa pouco. Se empresários, políticos nacionais e prefeitos são vistos com frequência nos salões do Palácio dos Bandeirantes, o governador é pouco visto nas salas da assembleia.
Acho que, de tudo, seu principal problema não foi bem de gestão, mas político. Ele muitas vezes não conseguia articular. Não sei se por falta de diálogo ou se por fazer um marketing muito forte de si e do seu governo, mas há uma clara falha política na sua administração."
Maria Teresa Kerbauy, professora de Ciência Política da Unesp
Por outro lado, se, na assembleia, essa distância o afasta dos deputados, entre sua equipe, Doria é elogiado exatamente por saber delegar.
Nas reuniões de secretariado, realizadas presencialmente toda segunda-feira no Palácio dos Bandeirantes, ele exigia que seus secretários tivessem, na ponta da língua, todos os detalhes sobre a pauta da semana. Não era incomum que fizesse perguntas tentando testá-los.
Agora, com Garcia, a expectativa é que o governo fique um pouco mais discreto, com menos coletivas de imprensa e sem tantas demonstrações ou elogios públicos.
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