Motociata de Bolsonaro pode ser campanha antecipada, segundo especialistas
A motociata com participação do presidente Jair Bolsonaro (PL), nesta sexta-feira (15), em São Paulo, pode ser considerada campanha eleitoral antecipada, segundo especialista em direito eleitoral e partidos de oposição.
No ato político, o pré-candidato à reeleição deslocou-se junto a centenas de motoqueiros rumo à cidade de Americana, no interior do estado, em um evento que começou com uma concentração por volta das 10h30, no Anhembi, na zona norte da capital paulista.
Segundo o doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo) Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a motociata do presidente é campanha antecipada, pois há clara alusão à candidatura à reeleição e referência a outubro, mês em que acontecem as eleições.
Trata-se de um passeio do presidente com seus apoiadores e com evidente manifestação política por palavras e ações. O evento não se confunde com um ato de governo, já que a motociata não faz parte de nenhuma política pública e muito menos representa um desfile cívico. Em outras palavras: o propósito é claramente eleitoral e fora do período permitido de campanha.'
Renato Ribeiro de Almeida, coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
De acordo com o calendário eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a realização de comícios, distribuição de material gráfico, caminhadas ou propagandas na internet só passa a ser permitida a partir de 16 de agosto.
Segundo o coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a presença na motociata do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), pré-candidato ao governo de São Paulo, também pode ser considerada campanha eleitoral antecipada.
Almeida afirma que o ato político em São Paulo já cria motivação na legislação eleitoral para multar o presidente por propaganda antecipada.
Procurada pelo UOL, a Presidência da República não se manifestou.
Para a advogada Aline Ribeiro Pereira, da Lima & Gois Advogados, especialista em direito eleitoral e membra da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR e coordenadora do grupo de discussão em direito eleitoral da CAI-OAB/PR, a configuração da propaganda eleitoral antecipada, depende de alguns requisitos.
Segundo ela, é preciso que os partidos políticos ou pré-candidatos façam pedido explicito de voto antes de 16 de agosto de 2022 ou façam pedido para que os eleitores não voltam em determinado candidato, ou violem o princípio da igualdade de oportunidade entre os candidatos, ou façam referência ao processo eleitoral, ou ainda que o pré-candidato exalte suas próprias qualidades.
A última motociata realizada pelo Presidente Jair Bolsonaro caracteriza propaganda eleitoral antecipada, pois observou-se a divulgação de campanha eleitoral, caracterizando pedido de voto. Além disso, os recursos públicos utilizados no ato caracterizam abuso de poder político, o que viola o princípio de oportunidade dos candidatos.
Aline Ribeiro Pereira, Lima & Gois Advogados e Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR
Campanha antecipada depende do que ocorre no evento
Já outro membro da Abradep, Fernando Neisser, doutor em direito penal pela USP, advogado especialista em direito eleitoral, é preciso considerar duas coisas para apontar se uma ação configura propaganda eleitoral antecipada.
Primeiro, uma análise de conteúdo, avaliando se houve pedido de votos a favor de um candidato ou contra um outro. Segundo, se a forma adotada é legal ou ilegal. Ou seja, ações que não podem ser feitas no período de campanha eleitoral também não podem ser feitas na pré-campanha. Por exemplo, colocar outdoors e distribuir camisetas com a cara de candidatos.
Para ele então, em tese, elogiar um pré-candidato ou criticar um adversário não configura necessariamente campanha eleitoral antecipada se não houver pedido voto para o primeiro e pedido de não-voto para o segundo.
Como uma motociata é algo que pode ser realizada em uma campanha, ela não é ilegal de antemão. É necessário verificar o que ocorreu durante o evento. Se houve pedidos para que se vote em A ou para que não se vote em B, aí vira um evento eleitoral.
Fernando Neisser, USP e Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)
Abuso de poder político
Mas além de campanha antecipada, o ato de Bolsonaro também representa despesas públicas e abuso de poder político, diz Renato Ribeiro de Almeida.
Segundo Almeida, a lei eleitoral permite que o presidente utilize o avião presidencial para se locomover durante o período de campanha à reeleição. Mas o valor desse deslocamento precisa ser reembolsado pelo partido político.
E como estamos fora do período de campanha, todo esse dinheiro público gasto com essa campanha antecipada por meio de motociatas está saindo do bolso de todos os brasileiros. Esses atos podem configurar o que no direito eleitoral chamamos de abuso de poder político e pode levar, em caso de condenação, à cassação do registro de candidatura ou do próprio mandato e inelegibilidade por 8 anos."
Renato Ribeiro de Almeida, coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
A motociata com participação do presidente Bolsonaro custará por volta R$ 1 milhão ao governo estadual.
Chamado de "Acelera com Cristo", em referência à Semana Santa, o evento repete outros dez que aconteceram no ano passado, quando pré-candidato à reeleição percorreu diversas cidades do Brasil em motociatas, que já custaram quase R$ 8 milhões aos cofres públicos.
A motociata em São Paulo acontece depois que Bolsonaro já havia participado de outro ato, no último dia 27 de março, em Brasília. Em clima de campanha eleitoral, ele disse em discurso que sua luta é do "bem contra o mal", e não da "esquerda contra a direita", criticou pesquisas eleitorais que apontam liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência e elogiou o coronel Carlos Brilhante Ustra, que atuou na ditadura militar, depois foi declarado torturador pela Justiça e morreu em 2015.
PT ajuíza ações contra Bolsonaro por campanha antecipada
O PT (Partido dos Trabalhadores) ajuizou ontem (14), no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mais duas representações por propaganda eleitoral extemporânea contra Bolsonaro.
Na última terça-feira (12), o PT já havia protocolado na Justiça Eleitoral outras três representações por propaganda antecipada através do uso de outdoors.
A primeira representação denuncia a participação da Sociedade Rural do Paraná e do deputado federal Filipe Barros (PL-PR) pela organização de uma carreata com pedido de apoio na disputa eleitoral a Bolsonaro.
Em uma representação, o PT pede a condenação de Bolsonaro, da Sociedade Rural do Paraná e Filipe Barros ao pagamento de multa, no valor máximo previsto em lei, dada a promoção de evento e/ou fala voltada a pedido explícito de votos, configurando campanha eleitoral antecipada.
Na outra, o partido também requer a condenação de Bolsonaro ao pagamento de multa pela promoção da carreata e motociata.
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