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Ciro intervém em candidatura ao governo e rompe com os irmãos no Ceará

Os irmãos Cid e Ciro Gomes (PDT) - Arte UOL
Os irmãos Cid e Ciro Gomes (PDT) Imagem: Arte UOL

Colunista do UOL, em Maceió, e do UOL, em São Paulo

29/07/2022 12h14

A escolha do ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio (PDT) para concorrer ao governo do Ceará causou, pela primeira vez, uma separação entre os irmãos Ciro Gomes (PDT), pré-candidato ao Planalto, Cid Gomes (PDT-CE), que é senador, e Ivo Gomes (PDT), prefeito de Sobral (CE), berço da família.

O senador e Ivo apoiavam a atual governadora Izolda Cela (ex-PDT e agora sem partido) com a anuência do PT, que governou o estado de 2015 a 2022. Havia um acordo entre Cid e o ex-governador Camilo Santana (PT), pré-candidato ao Senado, por um apoio conjunto à candidata. Segundo o UOL apurou, a escolha de Cláudio, feita por meio de votação aberta do diretório estadual do PDT, teve influência direta de Ciro e enfureceu os irmãos e o PT —que decidiu lançar candidato próprio, Elmano de Freitas. Ciro, no entanto, nega interferência.

O presidenciável lançou o candidato ao governo em uma quadra lotada na convenção do PDT-CE em Fortaleza no último domingo (24), mas escancarou a divisão —não estavam presentes Izolda, Ivo e Cid, que é o responsável pelas articulações locais do PDT.

Pouco depois, Santana publicou uma foto ao lado do senador e da governadora, em suas redes sociais, dizendo que são amigos "que ninguém separa".

Na mesma noite, porém, o PT lançou o deputado estadual Elmano de Freitas ao governo estadual, numa chapa com Lula e Santana, bem avaliado no estado. Até pouco tempo atrás, o ex-presidente não tinha planos de se envolver de forma tão intensa no estado por causa da questão Ciro.

Agora, a campanha petista marcou para o próximo sábado (30) um ato público em Fortaleza com a participação de Lula, Camilo Santana, Elmano de Freitas, o deputado José Guimarães (PT-CE) e Izolda. A atual governadora, que ainda não confirmou oficialmente sua presença neste evento, deixou o PDT na última segunda (25), após a confirmação da candidatura de Cláudio.

Com o racha, tanto PT quanto PDT temem que a divisão beneficie o deputado federal Capitão Wagner (União-CE), nome bolsonarista ao governo estadual —que lidera as pesquisas de intenção de voto ao governo do Ceará.

Um racha em dois atos

Prefeito entre 2013 e 2020, Cláudio venceu a votação do diretório estadual com 59 votos. Izolda, então concorrente que tinha apoio petista, teve 24.

A votação aberta, realizada na semana passada em uma escola particular da capital cearense, tem sido o argumento de Ciro para endossar seu candidato e dizer que não interferiu na eleição. Fontes ouvidas pelo UOL contam, no entanto, que já havia um acordo local com o PT para que Izolda fosse a candidata. A votação ocorreu após insistência de Ciro.

Interlocutores do governo dizem que Ciro, que incentivou a aliança com o PT por muitos anos (Cid Gomes governou o estado de 2007 a 2014 apoiado pela base petista), não queria uma candidatura do PDT simpática a Lula —como Izolda— em seu próprio estado. Com Cláudio e o rompimento, não existe chance de palanque presidencial híbrido para Ciro e Lula —os petistas, que governaram a capital cearense nos oito anos anteriores, integraram a oposição durante os dois mandatos do agora candidato.

Nos bastidores da política local, já estava dado que insistir na candidatura de Cláudio significaria romper a aliança. Logo, a importância desta escolha era, além de tudo, uma medição de forças entre Ciro e o PT no Ceará.

Durante convenção nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do partido, chamou a decisão de "muito ruim, autoritária e machista". "Não entendo por que a Izolda não podia ser candidata à reeleição, estando no cargo e bem posicionada nas pesquisas. Nós tínhamos o compromisso de apoiar", afirmou.

Santana, ex-governador do PT, foi um dos principais apoiadores da decisão de Izolda em "mudar de lado". Disse várias vezes que esperava que ela tivesse o "direito natural" de concorrer à reeleição.

Segundo pessoas próximas, a atual governadora ficou extremamente chateada não só pela escolha, mas pela forma com que o diretório estadual do PDT tratou o caso e organizou a votação —para ela, com tudo armado para vitória de Cláudio.

Ciro tem se defendido e defendido a indicação. "O PDT escolheu [Cláudio] numa dinâmica muito aberta, muito democrática. Ficam me acusando de ter escolhido, mas eu não pedi um único voto", afirmou o candidato em uma live do seu canal ao lado do ex-prefeito, na última terça (26).

Já Cid não deverá participar e nem subir em palanques petistas publicamente, mas, segundo pessoas próximas, o arranjo atual contra o irmão, no estado, tem o seu aval. Na disputa nacional, tanto Cid quanto Ivo continuam oficialmente ao lado de Ciro.

A separação dos Gomes

O UOL apurou que o racha na família está consolidado e que Cid Gomes não estaria disposto a subir no palanque de Roberto Cláudio —apesar de, no lançamento, uma foto sua estar à direita do candidato enquanto Ciro está à esquerda.

Uma fonte política ligada à família afirma que Cid ficou muito incomodado com a postura de Ciro e acabou se afastando, por considerar a indicação uma afronta.

Cid deixou o seu papel local de lado em prol do avanço de Ciro na negociação com a base e silenciou por entender que uma fala sua poderia resultar em uma disputa pública com o irmão às vésperas de uma eleição disputada no estado.

Lançamento da candidatura Cláudio ao governo do Ceará junto a Ciro; Cid está na foto, mas não no local - Reprodução/Facebook Ciro Gomes - Reprodução/Facebook Ciro Gomes
Lançamento da candidatura Cláudio ao governo do Ceará junto a Ciro; Cid está na foto, mas não no local
Imagem: Reprodução/Facebook Ciro Gomes

Além disso, Cid não está disposto a causar ainda mais problemas ao presidenciável Ciro. O outro irmão, Ivo Gomes, prefeito de Sobral, também deixou clara sua preferência por Izolda antes da convenção e, após a votação, estaria disposto a seguir Cid e deixar Ciro sozinho no apoio a Cláudio.

Sabe-se que Ciro tenta reverter o mal-estar e quer contar com os irmãos na campanha eleitoral. O apoio público de Cid e Ivo, porém, estaria restrito —pelo menos por enquanto.

Longe da família, na disputa nacional, Ciro já estava isolado. O pedetista tem enfrentado problemas para fechar alianças. Apesar de ter sido o primeiro a realizar a convenção e confirmar a candidatura, ainda não fechou um nome para vice e é provável que seja alguém do próprio PDT por falta de partidos aliados.

Além disso, vencer no Ceará é uma questão simbólica para ele. Nas outras três vezes em que concorreu à presidência da República (1998, 2002 e 2018), Ciro nunca perdeu no estado que governou e sempre usou a aprovação local como argumento em prol da sua candidatura. Pesquisa Quaest divulgada no início do mês aponta Ciro como terceiro colocado no estado com 11% das intenções de voto, atrás de Lula (59%) e Bolsonaro (18%).

O UOL procurou Ciro, Cid, Santana e Izolda, mas não teve resposta de nenhum deles até o fechamento desta reportagem.

Receio por favoritismo bolsonarista

O racha entre Cid e Ciro cria ainda uma segunda preocupação da esquerda no estado. Para interlocutores dos dois partidos, lançar dois candidatos aumenta as chances de que Capitão Wagner, grande apoiador de Bolsonaro, vença as eleições.

De acordo com pesquisa Quaest divulgada no início do mês —antes da escolha do PDT para a disputa ao governo estadual—, o deputado levava vantagem tanto sobre Cláudio quanto sobre Izolda.

Embora ainda não tenha sido divulgada nenhuma pesquisa após a definição do ex-prefeito e o lançamento de Elmano, a avaliação dentro dos partidos de esquerda é que os votos invariavelmente ficarão divididos e o fogo cruzado só beneficiará Wagner.

O Ceará é, até então, o único estado do Nordeste em que um candidato assumidamente bolsonarista lidera as pesquisas.