Anarquista, Jô defendeu Dilma, atacou Bolsonaro e viu Deltan ficar no vácuo
Jô Soares, que morreu hoje aos 84 anos, teve uma vida marcada também por seus posicionamentos em questões políticas. O artista, por exemplo, entrevistou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em meio ao processo de impeachment e escreveu cartas abertas contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Jô entrevistou Dilma duas vezes no fim do mandato. Em 2015, Jô entrevistou Dilma no Palácio da Alvorada e foi criticado pelo tom da conversa. Após a exibição do programa, ele afirmou que considerou as críticas impertinentes e a entrevista "um sucesso".
Na época, a popularidade da então presidente já estava em baixa, mas Jô também aproveitou o momento para reforçar sua posição política: "Tem que ser anarquista. Intelectualmente, sou anarquista".
Menos de um ano depois, ele recebeu Dilma em seu programa. Nesta ocasião, já em meio ao processo de impeachment, uma pessoa da plateia gritou "Fora Dilma!" e Jô rebateu: "Fala bobagem, fala". O apresentador defendeu que a plateia permanecesse imparcial.
A ex-presidente divulgou uma nota de pesar hoje e relembrou a passagem: "Quando eu estava sob intenso ataque da mídia e dos adversários políticos, ele abriu seu programa para me entrevistar. Foi uma conversa respeitosa e muito importante. Jô foi a única voz dentro da Globo disposta a me ouvir naquele momento."
Jô sempre criticou Jair Bolsonaro. Jô Soares era um crítico do governo Bolsonaro e, desde o início do mandato, publicou uma série de cartas abertas endereçadas ao presidente. Nos textos publicados entre abril de 2019 e março de 2021, Jô rebateu falsas alegações feitas por Bolsonaro sobre nazismo, atacou a escolha de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada dos Estados Unidos - que acabou não se confirmando - e criticou a defesa do kit covid, entre outros.
Antes de chegar a presidência, Bolsonaro já era repreendido por Jô. Quando o então deputado disse à colega Maria do Rosário (PT-RS) que "não a estupraria porque ela não merecia", Jô se manifestou em apoio à deputada. Ao abordar o tema em seu programa, uma pessoa da plateia gritou palavras de apoio a Bolsonaro e Jô o repreendeu.
"Viva Bolsonaro", disse o homem. "Quem foi que gritou esse absurdo? Maluf está na plateia? Quem que gritou? É só para eu saber", questionou o apresentador. O espectador se apresentou e explicou seu posicionamento, ao que Jô respondeu: "Eu já ouvi muita bobagem na minha vida, mas essa supera a do Bolsonaro".
Hoje, Bolsonaro lamentou a morte do artista: "Independentemente de preferências ideológicas, Jô Soares foi uma grande personalidade brasileira que conquistou a todos com seu modo cômico de discutir assuntos profundos."
Deltan Dallagnol ficou no vácuo em entrevista. Entrevistado por Jô Soares enquanto ainda estava à frente da Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol defendeu a investigação.
Deltan pediu autorização de Jô para perguntar à plateia quem acreditava que a Lava Jato iria mudar o país. O apresentador prontamente concordou com a enquete, mas viu a plateia discordar do procurador. Enquanto apenas uma ou outra pessoa disse acreditar no impacto da Lava Jato, a maioria esmagadora mostrou ceticismo.
Desavenças com João Doria. Em entrevista à Jovem Pan em 2017, Jô Soares relatou que nas eleições de 1989 encontrou com Doria na seção eleitoral e foi abraçado pelo empresário. Jô disse que estranhou, porque não tinha proximidade com Doria e "não tinha simpatia" por ele. Segundo Jô, Doria aproveitou o momento e colou um adesivo a favor de Fernando Collor em sua roupa, mas Jô defendia o voto em Mário Covas.
Hoje, João Doria lamentou a morte de Jô em suas redes sociais. "Um talento na TV, no teatro, na literatura e na arte. Jô sempre brilhou. Vai deixar saudade", escreveu o ex-governador de São Paulo no Twitter.
Lula também foi entrevistado. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também participou algumas vezes do Programa do Jô. Em uma das ocasiões, ele falou sobre a fome no Brasil e o programa desenvolvido por seu governo para atacar esse problema, o Fome Zero.
Em tom bem-humorado, Jô falou que ficava com sentimento de culpa, porque era perceptível que ele não passava fome. O comentário também foi recebido com bom humor pelo ex-presidente.
Hoje, Lula também homenageou Jô Soares: "Uma pessoa generosa que por anos conduziu entrevistas que foram um importante espaço de debate para o país. O Brasil hoje, nesse momento tão difícil, perde uma parte do seu humor, talento e inteligência. Mas nunca esquecerá da obra que nos deixou Jô Soares."
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