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Profecias sobre 7/9 dão espaço a jejum e orações entre líderes evangélicos

Especialistas ouvidos pelo UOL apontam desgaste de fiéis com disputas políticas em espaços de culto - sinseeho/Getty Images/iStockphoto
Especialistas ouvidos pelo UOL apontam desgaste de fiéis com disputas políticas em espaços de culto Imagem: sinseeho/Getty Images/iStockphoto

Do UOL, em São Paulo

07/09/2022 04h00

"O papel da voz profética é o de dar um alerta. E eu estou dando um alerta. Depois não venha chorar", disse o pastor Silas Malafaia a fiéis durante um culto. Aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), Malafaia tem utilizado da condição de líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo para promover os atos de 7 de Setembro. E não é o único.

Déjà Vu. Assim como no feriado do ano passado, líderes religiosos conclamam batalhas espirituais e profecias relacionadas ao dia 7. A diferença é que o apelo de 2022 tem sido mais político, menos apocalíptico e de menor expressão: nenhum dos líderes de grandes igrejas fez previsões de mortes e invasões ao Congresso Nacional.

Em vídeos que circulam no YouTube e no Instagram, os religiosos —em sua maioria pastores de denominações evangélicas— falam do medo de um eventual governo que perseguirá os cristãos.

Apoio discreto. Para Flávio Conrado, doutor em Antropologia da Religião com pós-doutorado pela Universidade de Montreal e assessor da Casa Galileia, no ano passado, havia uma quantidade maior de lideranças mobilizadas em torno do feriado de 7 de Setembro.

"Você tinha uma ameaça muito maior do impeachment contra o Bolsonaro, uma tentativa de tirá-lo da Presidência. Era um elemento que adicionava um pouco mais de mobilização", observa.

Conrado também aponta que escândalos de corrupção, como o caso dos pastores ligados ao MEC (Ministério da Educação), levaram alguns líderes a se descolar publicamente do governo atual, ainda que se mantenham como apoiadores.

Com a exceção de alguns como o Malafaia e o André Valadão, as igrejas históricas estão um pouco mais afastadas e isso se deve ao desgaste do governo, tanto com a pandemia quanto com os escândalos de corrupção. As pesquisas mostram um desconforto, um descontentamento da população com o governo
Flávio Conrado, doutor em Antropologia da Religião e assessor da Casa Galileia

Desgaste. Pastor batista, sociólogo e pesquisador do ISER (Instituto de Estudos da Religião), Clemir Fernandes também enxerga uma redução no apoio de pastores ao dia 7 em relação ao ano anterior. Na sua avaliação, isso é também o fruto de um desconforto que foi se criando com a propaganda eleitoral nos espaços de culto.

Os próprios líderes fazem as convocações de forma mais direta sem precisar de uma linguagem evangélica, porque já são tão alinhados que não há mais necessidade deste tipo de apelo
Clemir Fernandes, pastor batista, sociólogo e pesquisador do ISER

Como exemplo, ele citou o momento em que uma pessoa se manifestou contrária ao apoio a políticos durante um evento da OPBB (Ordem dos Pastores Batistas do Brasil), realizado em São Paulo ao fim de agosto.

O culto contou com a presença do ex-ministro e candidato ao Senado por São Paulo Marcos Pontes (PL). Pontes e outros candidatos que estavam no local foram convidados a se apresentar ao público. "Diga só o seu nome e o cargo que pretende, e nós vamos orar por vocês", pediu quem comandava a cerimônia.

"Está errado isso aqui", gritou uma pessoa que não foi identificada. "Isso aqui é a casa do Senhor, não é lugar de política, vocês estão todos errados. Eu vim aqui prestar a minha voz para o culto, eu não vim aqui para fazer isso."

O momento da interrupção foi cortado do canal oficial da OPBB, mas vem circulando deste então nas redes sociais.

A disputa pelo eleitor evangélico tem sido uma pauta frequente nestas eleições. Bolsonaro tem 48% da preferência do eleitorado evangélico contra 32% de Lula, segundo o último Datafolha. Os dois têm promovido agendas e encontros de olho no voto do eleitor "crente".

De um lado, Lula é aconselhado por um pastor enquanto Bolsonaro vê em sua esposa um trunfo entre o público evangélico.

A primeira-dama Michelle Bolsonaro tem repetido em diversos eventos que o marido é o "escolhido" por Deus para governar o país e que o Palácio do Planalto "já foi consagrado a demônios."

Disputa elevada a outro nível. Segundo um relatório de monitoramento de redes sociais feito pela Casa Galileia, ao longo da última semana, temas como "guerra espiritual" e "eleições" dominaram os perfis de influenciadores evangélicos ligados à extrema direita —na segunda-feira (5), só no YouTube foram publicados mais de 20 vídeos sobre uma batalha espiritual travada na política brasileira.

Jejum e oração. O levantamento da Casa Galileia aponta que enquanto em 2021 os líderes pediam aos fiéis que participassem dos atos de 7 de Setembro, a narrativa predominante deste ano tem sido a de manter o jejum e fazer orações pelo destino da nação.

"Oração e jejum são práticas religiosas bem comuns para qualquer tipo de evangélico e cristão", observa Clemir. "É quase uma decorrência natural na experiência religiosa dessas pessoas."

Não são apenas os evangélicos. Instituições católicas também têm se manifestado nas redes a favor dos atos do dia 7. Uma delas vem sendo promovida pelo Centro Dom Bosco, organização no Rio de Janeiro, com o apoio da atriz Cássia Kiss.