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Michelle é a promessa de conversão evangélica de Bolsonaro, diz antropólogo

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/08/2022 12h16

O antropólogo Juliano Spyer entende que a primeira-dama Michelle Bolsonaro tem papel importante na campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, não apenas porque ela "blinda" o político entre os eleitores evangélicos.

"A Michelle tem papel absolutamente fundamental [na campanha]. Ela é mais do que a esposa, é a promessa de que o presidente poderá no futuro se converter no cristianismo evangélico, que é algo que não aconteceu ainda", declarou o pesquisador durante participação no UOL Entrevista.

Para Spyer, que é fundador do Observatório Evangélico e autor do livro "Povo de Deus - Quem são os evangélicos e por que eles importam", essa expectativa de conversão de Bolsonaro se fundamente na tese de que ele possa se tornar "alguém diferente do que é hoje", uma pessoa que fala bastantes palavrões, algo que não é comum entre os adeptos desse segmento religioso, por exemplo.

Além disso, o político está em seu terceiro casamento, com filhos em ambos os matrimônios, o que não é uma representação fidedigna do que, em tese, deveria simbolizar a família cristã e tradicional que o presidente tanto diz representar.

Conforme o antropólogo, a primeira-dama também consegue fazer o diálogo com as mulheres, que representam a principal parcela do eleitorado brasileiro, mas, ao mesmo tempo, é o grupo de maior rejeição à figura de Jair Bolsonaro. Mesmo entre as eleitoras evangélicas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) leva vantagem, segundo o Datafolha. Porém, Spyer pondera que, mesmo que Michelle não consiga "trazer votos", ela "pelo menos traz a visão de que os evangélicos abraçaram" seu marido.

Há dez dias, Michelle participou de um culto em Belo Horizonte (MG), e sugeriu que o Palácio do Planalto havia sido "consagrado a demônios". Para o antropólogo, esse tipo de declaração faz parte de um discurso que utiliza referências e simbologias cristãs a fim de fazer com que o eleitor escolha de olho no presente. "Não a partir de lembranças do passado em relação à prosperidade econômica", diz Syper se referindo às gestões do ex-presidente Lula.

Michelle também faz isso, entende o antropólogo, para abafar as críticas à atuação de Bolsonaro na pandemia, quando debochou dos mortos pela covid e atrasou a compra de vacinas — recentemente, o presidente admitiu que recebeu ofertas da Pfizer para adquirir o imunizante a preços menores, mas recusou.

"Michelle articula essas referências do cristianismo, do bem contra o mal, do mundo que está sempre à margem de ser conquistado pelas forças do mal, e a partir dessas referências que o povo deve escolher, não a partir das lembranças do passado em relação à prosperidade, ou ao que aconteceu na pandemia, mas do vínculo do presidente numa perspectiva cristã e cristianizadora", pontuou.

Atualmente, o ex-presidente Lula lidera as pesquisas de intenções de votos para a presidência da República com 45%, ante 33% de Bolsonaro, segundo levantamento da Quaest Consultoria divulgado ontem.

'Guerra santa' pode afastar eleitor evangélico, diz Spyer

No UOL Entrevista, Juliano Spyer ponderou que existe dentro das igrejas evangélicas "uma sensação de cansaço" devido à "invasão desse espaço que é muito próprio e caro" para os fiéis por meio dos políticos durante o período de campanhas. Conforme o antropólogo, essa "guerra senta" travada sobretudo entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva pode surtir efeito contrário do esperado e "afastar" os eleitores evangélicos das urnas.

"Não duvido que por conta desse desgaste todo [o eleitor evangélico] resolva abrir mão de votar, por causa dessa guerra santa que ele não sente que seja proveitosa para ele e para a igreja dele participar", avaliou.

Em relação à vantagem de Bolsonaro sobre Lula dentro desse eleitorado, Spyer pontuou que o atual presidente "foi muito bem em estabelecer" relação com os líderes evangélicos, porque isso o "blinda" dentro dessas instituições, e cita o fato de que "as grandes igrejas não criticam o governo ou fala a favor".

Para Juliano, "o evangélico não é ingênuo", tomou consciência do seu "papel e da força que tem enquanto grupo". Nesse sentido, diz Spyer, o evangélico é "menos complacente em relação a determinados posicionamentos", sobretudo àqueles que dialogam com costumes e valores. Por isso, ressaltou, Jair Bolsonaro faz questão de atrelar a esquerda às pautas progressistas, que tendem a não ser benquistas por esses eleitores.

Spyer salienta que, se Bolsonaro consegue trânsito entre esse eleitor mais conservador, Lula figura no imaginário dos eleitores mais pobres porque esses veem no petista "o primeiro presidente a ter governado como representante desse grupo", a dar poder econômico às famílias mais carentes e necessitadas do país.

"O Brasil popular, uma grande parte dele percebe no Lula o primeiro presidente a ter governado como representante desse grupo. Nesse sentido, o presidente tem um patrimônio importante, na memória da mãe que realizou o sonho de ir para a faculdade pela primeira vez, da compra da casa, carro, moto, isso é importante", declarou.

Por fim, Juliano Spyer afirmou que Bolsonaro "não é o candidato do coração do evangélico, é o da cabeça, do raciocínio, aquele que [esse eleitor] entende que será menos pior" para a questão dos valores morais.

"O Bolsonaro, primeiro, não é evangélico, e tem postura que não condiz com a postura do evangélico, que tende a ser comportado, não falar palavrão. Para além disso, tem a defesa da pauta moral e entra a questão da esquerda e como ela vem sendo trabalhada de maneira que a esquerda seja vista como sinônimo de progressista, e o presidente conseguiu emplacar essa ideia em relação principalmente ao tema da escola, como a ideologia de gênero, esteja hoje ocupando o lugar do debate e sendo o assunto que de alguma forma toca esse eleitor, que valoriza tanto a pauta moral, e optem pelo [atual] presidente", completou.

Durante a campanha de 2018, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro fizeram uso de notícias falsas sobre "mamadeira de piroca" e "ideologia de gênero" nas escolas para atacar Fernando Haddad (PT), que disputava o Planalto à época.

Veja a íntegra da entrevista com Juliano Spyer: