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'Pânico moral': como ala evangélica pró-Bolsonaro cresce e domina as redes
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As redes sociais ligadas à extrema-direita e que apoiam a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) se expandiram bastante. Desde o início de julho, o número de interações cresceu 75%. Com forte apelo contra a esquerda, adotam uma teoria chamada de "pânico moral" para aproximarem os fiéis de Bolsonaro.
O monitoramento dessas redes é feito pela Casa Galileia, uma organização que reúne pesquisadores e tenta promover iniciativas plurais para públicos cristãos católicos e evangélicos.
Desde fevereiro, relatórios mostram o aumento de alcance dos principais perfis. Durante o acompanhamento, eles dividem a análise por posts e interações de grupos classificados como de "extrema-direita", "centro" e "democrático".
O grupo democrático, mais alinhado à esquerda, tem esse nome porque o monitoramento surgiu como uma tentativa de mapear postagens relacionadas às ideias de rupturas democráticas.
O universo de análise corresponde aos perfis ligados aos evangélicos com mais seguidores. Na última semana (entre 15 e 21 de agosto), por exemplo, foram analisados 2.589 posts e 403 vídeos espalhados por 286 páginas, canais e perfis. Os números levam em conta comentários, interações e visualizações.
Portais e pastores
A coluna teve acesso aos relatórios e visitou todas as páginas mais acessadas e citadas. Abrangem portais de notícias gospel e de líderes religiosos evangélicos influentes, como pastores e bispos.
A maioria dos conteúdos são pregações e mensagens bíblicas, que inserem, de forma incidental, as questões políticas. Essas inserções começaram a crescer, especialmente com o discurso antiesquerda.
Esse crescimento ocorre no mesmo momento em que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, passou a fazer também vídeos, falas e aparições direcionadas aos evangélicos.
Entre os posts com mais interação na segunda semana de agosto, está um vídeo do pastor Elizeu Rodrigues. Sem citar Bolsonaro ou política, ele fala de temas comuns ao bolsonarismo, reclamando de "militância gay", "partidos comunistas" e "feministas" e fazendo um discurso endereçado aos jovens.
No dia seguinte, Michelle Bolsonaro participou de um culto em Belo Horizonte, em que disse que a cadeira onde se senta Bolsonaro pertence ao "presidente maior".
A fala foi destaque em muitos perfis. Naquela semana, por exemplo, a foto de Jair Bolsonaro com a esposa alcançou o maior engajamento na página do Facebook do músico André Valadão —um dos perfis mais seguidos pelo público gospel.
Foi exatamente a partir daquela semana que as interações nas redes da extrema-direita começaram a ganhar mais interações. A alta foi de 75% entre o final de julho e o início de agosto.
Michelle intensificou suas participações, sempre focada na chamada "guerra espiritual", como chamou no último dia 23, ao pregar a união contra a "ameaça do comunismo".
Os números se tornam mais significativos quando são comparados às interações dos grupos de centro e democrático.
Interações por grupo entre 15 e 21 de agosto:
- Extrema-direita - 7.277.368
- Centro - 3.654.089
- Democrático - 629.261
Não é só a economia
Segundo os pesquisadores da Casa Galileia, a tática usada na narrativa usa o chamado "pânico moral". Segundo o antropólogo e pesquisador Flávio Conrado, esse grupo evangélico trabalha esse conceito há muitos anos e mantém um número alto de seguidores ativos e de diferentes denominações evangélicas.
O pesquisador afirma que a extrema-direita se uniu no discurso de uma eventual ruptura democrática. "As redes sociais se tornaram um campo muito importante da extrema-direita, e ela está conectada em outras partes do mundo", cita.
No início do ano, quando se falava dos temas que iriam dominar as eleições, se dizia que não ia ser uma campanha de pautas morais, seria a economia, a fome. Mas, olhando para o monitoramento nas redes, a gente via que os temas morais estavam lá permanentemente, nunca saíram de pauta."
Flávio Conrado, pesquisador
Segundo ele, é esse tipo de pauta que ativa o eleitorado evangélico, que se envolve sempre em questões relacionadas a aborto, drogas ou liberdade religiosa, por exemplo.
"Todos esses temas apareceram na lógica do 'pânico moral', do discurso de que 'eles querem acabar com a família'. O tema da liberdade religiosa é caro para os evangélicos. No imaginário deles, a esquerda é comunista e associada ao ateísmo. Então surge o discurso de que vai fechar as igrejas", diz, se referindo a mentiras difundidas pelo deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) sobre o PT.
Conrado explica que o avanço nas interações é parte de uma estratégia que aparenta querer explorar ainda mais o "pânico moral".
"Não é algo aleatório, é estratégico. Há dez anos, não havia portal de notícias evangélicas. Hoje você tem uns 20 portais de notícias. Isso tem a ver com a ideia de retroalimentar esse campo da indústria cultural gospel, de produtos variados. Há um investimento, e esses conteúdos vão chegar ao público pelo WhatsApp", afirma.
A cientista social Andrea Santos, assessora de pesquisa da Casa Galileia, explica que a narrativa consolidada de que a esquerda é uma ameaça à fé deles fortalece a pauta moral desses grupos mais radicais.
É o que eles chamam de guerra espiritual. Eles citam a Bíblia e ligam vários fatos da geopolítica para relacionar isso às profecias bíblicas de fim dos tempos, de que Jesus está voltando, de que essa é a última geração."
Andrea Santos, cientista social
Ela também chama a atenção para a entrada de Michele Bolsonaro na campanha eleitoral e aponta como um fator mais simbólico. "Quando Michele aparece agora, só faz massificar. Ela não traz fala nova, tudo ali é pauta de pregação diária que vem acontecendo nessas páginas há muito tempo", diz.
Nesse cenário, os pastores costumam evitar pregar sobre política e aproveitam pregações de cunho moral e espiritual para citar o risco de a esquerda voltar ao poder ou pedir oração pelo presidente, por exemplo.
"O escalonamento no discurso político não se desliga dos discursos morais e religiosos. É comum ver pastores se desculpando ao falar de política, mas nunca abrem mão de misturar o momento com contextos bíblicos e, no meio de uma hora de culto, vão se posicionando politicamente", diz.
Ideia de guerra espiritual não é nova
Segundo a doutora em teologia bíblica pela Escola Superior de Teologia (RS), a pastora Batista Odja Barros, o conceito de guerra espiritual é antigo e nasce da ideia de bem contra o mal na época dos persas.
"É uma forma religiosa de pensar muito antiga, que vem desde o século 3º, quando foi difundida no Império Romano, onde se origina o cristianismo. Isso também influenciou a cultura grega, quando ganha força o chamado maniqueísmo, que separava o mundo em dois: do bem e do mal", explica.
Ela afirma que essa narrativa ganhou corpo também com os textos bíblicos no Novo Testamento e são rotineiramente usados como forma de engajamento.
Isso não é só hoje: essa ideia é retomada em outros tempos históricos por pessoas que se utilizam para 'nomear' um exército, que se sente eleito como filhos de Deus que estarão governando a Terra contra os filhos do mal e das trevas."
Odja Barros, doutora em teologia
Para ela, é necessário que as igrejas façam a devida interpretação do texto para que ele não seja usado com interesse de organizar um "poder religioso de dominação sobre o Estado laico e democrático". "Isso é muito perigoso e preocupante."
"Todos esses textos precisariam ser lidos e interpretados dentro dos contextos originais que apontavam para uma fé cristã que era de uma minoria, perseguida pelo poder e pela violência do Império Romano, e que a forma de vencer o mal era não ceder aos valores dele, estabelecidos nas estruturas de morte e violência."
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