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Juiz rejeita pedido de Flávio Bolsonaro para tirar do ar reportagens do UOL

Colunista do UOL

19/09/2022 19h11Atualizada em 20/09/2022 12h56

O juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, rejeitou pedido formulado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para retirar do ar duas reportagens do UOL sobre o uso de dinheiro vivo para a compra de imóveis pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O advogado Eduardo Reis Magalhães, que representa o filho mais velho do presidente, ajuizou uma queixa-crime contra os repórteres Juliana Dal Piva e Thiago Herdy por alegada prática de calúnia e difamação —crimes contra a honra previstos no Código Penal— pela revelação de que a família Bolsonaro adquiriu 51 imóveis com pagamento total ou parcial com dinheiro vivo desde os anos 1990.

O juiz também rejeitou a abertura de processo criminal contra os repórteres.

A defesa também pediu a retirada do ar das reportagens Metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo (30/08/22) e Clã Bolsonaro: as evidências de dinheiro vivo em cada um dos 51 imóveis (09/09/22) e de posts sobre o assunto no Twitter e no Instagram das contas do UOL (@UOLnoticias) e da repórter (@julianadalpiva).

Na decisão desta segunda (19), o juiz indeferiu o pedido de censurar as reportagens do UOL e as postagens em redes sociais por entender que o pedido não preenchia os requisitos para concessão de tutela provisória (medida urgente do Judiciário para proteger um direito ameaçado), previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil.

"Ademais, a referida matéria jornalística foi publicada, dia 30.8.2022, fato que evidencia haver transcorrido relativo período de tempo entre a data da publicação e o requerimento da tutela de urgência, de modo que se conclui não ter sido bem delineado pelo requerente em que consiste o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo", escreveu o juiz.

No caso de crimes contra a honra, a lei determina que a iniciativa de pedir a abertura de processo é da parte que alega ter sofrido a ofensa. O Ministério Público é chamado a se manifestar sobre o recebimento ou não da denúncia, cuja aceitação marca o início do processo.

Na última sexta (16), o promotor Marcos Juarez Caldas de Oliveira se manifestou pelo não recebimento da denúncia oferecida pelo senador por considerar que não havia indícios de crimes de calúnia e difamação nas reportagens publicadas pelo UOL.

"Após análise da matéria veiculada, verifica-se que não restou demonstrada a prática dos delitos de calúnia e difamação; o conteúdo jornalístico não apresentou ofensa à honra e à dignidade do querelante", escreveu o promotor.

"É cediço que para a configuração de crime de calúnia é imprescindível a imputação de fato criminoso falso, o que nitidamente não ocorreu no presente caso. No que concerne ao crime de difamação, observa-se que os jornalistas limitaram-se a noticiar fatos e a informar situações que foram objetos de investigação pelo Ministério Público", detalhou o representante do Ministério Público.

O UOL revelou que a família do presidente adquiriu metade do patrimônio com o uso de dinheiro vivo. Dos 107 imóveis adquiridos pelo presidente, seus filhos, ex-mulheres e irmãos desde os anos 1990, em 51 deles as aquisições foram feitas total ou parcialmente com o pagamento em dinheiro.

Conforme as escrituras, os 51 imóveis custaram, em valores da época, R$ 13,5 milhões. A parte apenas em dinheiro vivo destas transações é de pelo menos R$ 5,7 milhões, ainda em valores da época. Se corrigidos pelo IPCA a partir da data da compra de cada imóvel, este valor equivale a R$ 11,1 milhões apenas em dinheiro vivo, de um valor total de R$ 25,6 milhões.

Para reconstituir três décadas de transações imobiliárias, repórteres se basearam em documentos públicos dos cartórios, investigações do Ministério Público, entrevistas com funcionários de cartórios e de pessoas que venderam imóveis à família e confirmaram os pagamentos em dinheiro vivo.

A reportagem preferiu correr o risco de subestimar o número de imóveis pagos com dinheiro. Dos 107 imóveis negociados entre os anos 1990 e 2020, em 26 casos não foi descrita a forma de pagamento e, portanto, estes foram eliminados da conta do dinheiro vivo.

Nesta segunda (19), o UOL mostrou que o senador Flávio Bolsonaro, que tem 16 imóveis comprados parcialmente com dinheiro vivo, também fez uso de valores em espécie para pagar despesas pessoais, funcionários e impostos. Além disso, a conta bancária de sua antiga loja de chocolates registrou alto volume de depósitos de dinheiro vivo sem identificação. Ao todo, esse montante movimentado em espécie ultrapassa os R$ 3 milhões.

Os dados constam das quebras de sigilo obtidas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio). Flávio ainda foi apontado nas investigações como líder de uma organização criminosa que funcionava em seu antigo gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa fluminense). O total de desvios apurado pela Promotoria foi de, no mínimo, R$ 6,1 milhões.

A decisão judicial que autorizou o acesso do MP-RJ aos dados financeiros foi anulada em fevereiro de 2021. Atualmente, a PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) refaz a investigação. Na época da denúncia, o senador Flávio negou que tenha cometido crimes.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no texto, o juiz entendeu que o pedido não preenchia os requisitos para concessão de tutela provisória previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, não Penal. A reportagem foi corrigida.