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Alckmin conduz transição com déjà vu conciliador do fim da era Covas em SP

Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito e coordenador da transição de governo - TON MOLINA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito e coordenador da transição de governo Imagem: TON MOLINA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Do UOL, em Brasília

12/11/2022 04h00Atualizada em 12/11/2022 11h24

Escalado pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para chefiar a transição de governo, Geraldo Alckmin, 70, (PSB) é visto sobretudo como um homem de "perfil conciliador".

O ex-tucano, que governou o estado de São Paulo em quatro mandatos (2001 a 2006 e 2011 a 2018), ficou conhecido na vida pública pela postura moderada, pelo jeito calmo de falar e pela dicção pausada em que dá ênfase a cada sílaba na tentativa de demonstrar clareza. Nos últimos dias, aliados e até mesmo oponentes elogiaram a capacidade de diálogo do agora vice-presidente da República, que acumula mais de 50 anos de carreira na política (a estreia ocorreu em 1972, quando foi eleito vereador em Pindamonhangaba-SP).

Essa fama vem desde os primeiros anos do PSDB, quando foi o principal articulador do partido no interior paulista. O perfil, posteriormente, serviria para que ele superasse a inclinação do então candidato do partido ao governo do estado, Mário Covas, de escolher como vice Walter Barelli, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) e com ligação histórica com o PT. Foi Alckmin o escolhido, que herdou também a costura política de Covas em seus dois mandatos no Palácio dos Bandeirantes.

Agora com Lula, além de coordenar os trabalhos de transição, Alckmin tem buscado atuar como uma ponte entre o bloco que apoiou Lula na eleição (coalizão formada por 14 partidos) e lideranças do centrão, grupo composto por parlamentares que costumam remar de acordo com a maré em Brasília — e que compõe a base do governo Jair Bolsonaro (PL), adversário de Lula, desde 2020.

O objetivo é convencer os congressistas a votar a proposta que tem sido chamada de PEC da Transição, tida como fundamental para liberar espaço no orçamento para os programas sociais que o PT quer priorizar a partir de janeiro de 2023.

Alckmin com o governador ex-governador Mário Covas, morto em março de 2001 - Reprodução - Reprodução
Alckmin com o governador ex-governador Mário Covas, morto em março de 2001
Imagem: Reprodução

O estilo "conciliador", que já rendeu a Alckmin o apelido pejorativo de "picolé de chuchu" em 2002, é uma característica notada desde os tempos em que ele era pupilo do ex-governador Mário Covas, morto em março de 2001. À época, Alckmin era o vice do predecessor e, com o agravamento da saúde do mandatário, acabou assumindo o comando do Palácio dos Bandeirantes.

Na ocasião, aliados já se referiam ao então novo governador como "discreto", "leal" e alguém que não tinha o hábito de "entrar em bola dividida". "Se o PSDB é o partido do muro, Alckmin é o próprio muro", disse um interlocutor à Folha de S.Paulo, em março de 2001.

Esquerda ou centro? Relator do orçamento na CMO (Comissão Mista de Orçamento) e responsável por costurar os acordos que levarão ao texto da PEC da Transição, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) afirmou ao UOL considerar que a escolha do vice-presidente eleito para liderar os esforços de articulação junto ao Congresso representa um "cartão de apresentação" do governo Lula.

Na visão dele, trata-se de uma "sinalização de um governo indo para o centro".

"É um cartão de apresentação do presidente Lula de como vai ser o seu governo. Quer dizer, pelo que ele está fazendo e pelo que se comprometeu durante a campanha. E as medidas que ele está tomando agora, ele sinaliza que vai ser um governo de união nacional. Um governo de uma frente ampla."

"Do contrário, ele não teria colocado o Alckmin na frente, a Simone não estaria no palanque dele em primeiro plano. Eu estou entendendo que é uma sinalização de um governo indo para o centro", comentou Castro, que esteve a Alckmin em reuniões com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na última quinta-feira (10).

Lula, que já foi presidente por dois mandatos (2003 a 2010) como uma liderança política que representa o campo da esquerda. Em um país polarizado, a identidade ideológica acabou por pautar parte das discussões sobre os rumos de gestão e políticas públicas, fato que ficou evidenciado na disputa eleitoral entre o petista e o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).

Mobilizada na transição, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também destacou o perfil "conciliador" de Alckmin e disse que, de acordo com o seu entendimento, a escolha feita por Lula — que preferiu o vice a um aliado de esquerda— simboliza a tentativa de "pacificar" e "unir o Brasil".

"Foi escolha absolutamente acertada, correta, para o cenário político que estamos vivenciando no Brasil. Infelizmente, um Brasil dividido", disse a senadora.

Geraldo Alckmin dicursa ao lado do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, no CCBB, em Brasília -  Gabriela Biló /Folhapress -  Gabriela Biló /Folhapress
Geraldo Alckmin dicursa ao lado do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, no CCBB, em Brasília
Imagem: Gabriela Biló /Folhapress

"Unificar o Brasil. E o Alckmin tem essa figura, ele tem esse perfil conciliador, de unificação e equilíbrio, e ao mesmo tempo um posicionamento político mais de centro. Tanto que ele, coordenando a transição, percebe-se de forma clara que há pessoas de diferentes posicionamentos políticos trabalhando juntas. Esse é um ponto fundamental, e o Alckmin expressa muito bem isso", completou a parlamentar.

Doutor Geraldo. Se hoje, de volta à cena, Alckmin exerce papel vital na mediação de diferentes interesses entre os atores políticos, a situação dele frente à opinião pública era bem diferente há aproximadamente três anos.

Após amargar o quarto lugar na corrida presidencial de 2018, vencida por Bolsonaro (à época no PSL), o ex-governador de São Paulo recorreu a participações em programas de televisão matutinos para tentar reaver a popularidade.

Com o didatismo de professor de cursinho, o "doutor Geraldo" entrou em ação para explicar temas variados relacionados à sua atividade de formação, a medicina: de acupuntura a picada de cobra.

As grandes derrotas. Alckmin tentou por duas vezes se tornar presidente do país, mas não teve sucesso. Em 2006, na primeira derrota, ele chegou a ir para o segundo turno, mas perdeu para Lula. Na época, PT e PSDB eram as grandes forças políticas para disputar a cadeira da Presidência da República.

A segunda tentativa foi em 2018, quando ele teve seu pior resultado: quarto lugar, com menos de 5% dos votos válidos, muito longe de ir para o segundo turno —que foi disputado por Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). Ele ficou atrás, inclusive, de Ciro Gomes (PDT).

17.ago.2018 - Os então candidatos à Presidência Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin em debate durante a campanha das eleições de 2018 - NELSON ALMEIDA / AFP - NELSON ALMEIDA / AFP
17.ago.2018 - Os então candidatos à Presidência Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin em debate durante a campanha das eleições de 2018
Imagem: NELSON ALMEIDA / AFP

O retorno do 'picolé de chuchu'. Entre 2019 e 2020, Alckmin se dedicou à função de comentarista na TV e também deu aulas em universidades.

Dentro do PSDB, partido que ele ajudou a fundar e foi filiado por 33 anos, acabou perdendo espaço para João Doria —governador de SP até março de 2021 e que renunciou para ser candidato a presidente, mas acabou desistindo.

Rompeu com os tucanos em dezembro do ano passado e, desde então, surgiram especulações de que ele poderia se unir ao campo "progressista" em oposição ao governo Bolsonaro. Em 2022, filiou-se ao PSB e foi convidado a compor uma improvável chapa presidencial, na condição de vice do ex-desafeto Lula.

Por que a PEC da Transição é fundamental para Lula. A chamada PEC da Transição, que o PT também vem dando o nome de "PEC do Bolsa Família", é vista internamente como essencial para os planos de Lula em 2023.

Se aprovada no Congresso, a proposta funcionará como uma blindagem orçamentária para que o novo governo possa realizar gastos com programas sociais sem desrespeitar o teto de gastos.

Coordenador da área de desenvolvimento regional da equipe de transição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou hoje que o texto final da PEC deve ser apresentado entre quarta e quinta-feira da semana que vem. Os negociadores das duas partes, equipe de transição e deputados e senadores do centrão, tentam construir um acordo para que a tramitação seja acelerada tanto na Câmara quanto no Senado.

10.nov.2022 - O vice-presidente da República eleito, Geraldo Alckmin (PSB), anuncia novos nomes para a equipe de transição de governo durante entrevista coletiva realizada no teatro do CCBB, em Brasília - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
10.nov.2022 - O vice-presidente da República eleito, Geraldo Alckmin (PSB), anuncia novos nomes para a equipe de transição de governo
Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Os parlamentares precisam realizar a votação até o dia 17 de dezembro, antes do recesso do Legislativo.

A ideia da equipe liderada por Alckmin é retirar da regra que atrela o crescimento das despesas à inflação todo o Bolsa Família, que prevê gastos de R$ 175 bilhões em 2023 porque inclui um bônus de R$ 150 por criança de até seis anos.

Com isso, R$ 105 bilhões previstos no Orçamento do ano que vem para bancar o programa social poderão ser destinados a outras áreas, como recomposição do Farmácia Popular, a retomada de programas do Ministério da Saúde e investimentos do Ministério da Educação que foram descontinuados, além de obras públicas que estão paralisadas.