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Da grande derrota à realidade do Planalto: como Alckmin ressurgiu com Lula

Ex-adversários, Lula (à esquerda) e Alckmin são presidente e vice-presidente eleitos - 30.out.2022 - Nelson Almeida/AFP
Ex-adversários, Lula (à esquerda) e Alckmin são presidente e vice-presidente eleitos Imagem: 30.out.2022 - Nelson Almeida/AFP

Do UOL, em São Paulo

31/10/2022 04h00

Em quatro anos, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB) viu o sonho de estar no Palácio do Planalto deixar de ser algo quase impossível para se tornar uma realidade. Ele foi eleito vice-presidente da República na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2018, Alckmin teve o pior desempenho do PSDB em eleições presidenciais, o que poderia marcar seu fim para a política. Afinal, na sequência, foi escanteado no partido que ajudou a fundar, e chegou a ser cogitado pelos tucanos para ser candidato a vereador na capital paulista em 2020.

Agora, em 2022, o sorriso é a grande marca. No momento em que Lula passou à frente na apuração da eleição, Alckmin estava com a campanha petista em São Paulo. Vibrou, pulou e aplaudiu a virada, com um imenso sorriso no rosto. Nem de longe se via o semblante triste da derrota de 2018. Pouco depois, mais sorrisos. Durante o discurso de vitória de Lula, Alckmin ouviu com atenção cada palavra pelo presidente eleito.

Para a cientista social Maria do Socorro Sousa Braga, professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Alckmin conseguiu dar a volta por cima, principalmente depois que deixou o PSDB e migrou para o PSB para participar da chapa com Lula, um antigo adversário político.

"Com a saída do PSDB, ele sobrevive, ganha fôlego. Chega à Presidência da República sem precisar do antigo partido. Ele sai dessa eleição mais fortalecido. É uma reviravolta realmente espetacular", completou a especialista.

As grandes derrotas. Governador de São Paulo por quatro mandatos, Alckmin tentou por duas vezes se tornar presidente do país, mas nunca teve sucesso. E a última foi acachapante.

Em 2006, na primeira derrota, ele chegou a ir para o segundo turno, mas perdeu para Lula. Na época, PT e PSDB eram as grandes forças políticas para disputar a cadeira da Presidência da República.

A segunda tentativa foi em 2018, quando ele teve seu pior resultado: quarto lugar, com menos de 5% dos votos válidos, muito longe de ir para o segundo turno —que foi disputado por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). Ele ficou atrás, inclusive, de Ciro Gomes (PDT).

Para alguns analistas de política, o resultado quase encaminhou Alckmin para seu fim para eleições. "A figura do Alckmin saiu muito desgastada, assim como a imagem do PSDB em si —ainda que tenha vencido no estado de São Paulo", disse o cientista político Henrique Curi, autor da dissertação "Ninho dos Tucanos: o PSDB em São Paulo (1994-2018)".

Foi um flerte com o fim político. Foi um choque, mas não muito. Mostrou que a figura dele ainda tinha um fôlego
Henrique Curi, cientista político

Apesar da derrota nacional, afirma Curi, o ex-governador ainda tinha força dentro do estado de São Paulo. "Ele ainda era forte, viável, para São Paulo. Havia eleitores mais fiéis ao Alckmin do que com o PSDB. Foi a eleição que o partido perdeu o protagonismo nacional."

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Alckmin após pronunciamento depois do resultado da eleição presidencial de 2018 ter sido divulgado; o então tucano terminou a corrida em quarto lugar
Imagem: 7.out.2018 - Bruno Santos/Folhapress

Aliado histórico de Alckmin, José Luiz Penna, presidente do PV, discorda que ali poderia ser o fim político do atual vice-presidente.

"O Brasil mudou, a realidade política do Brasil é outra. Alckmin deu exemplo de amplitude, porque, em um momento desse, o diálogo dele fez diferença. Só a morte faz um cara desse não estar disponível para prestar um serviço ao país", disse.

Curi explica que a eleição de 2022 foi "muito crítica". "Não sabemos como vai se desenrolar o governo, como vai ser o protagonismo do próprio Alckmin, que é uma figura conciliadora, que conversa".

Em termos nacionais, avalia Curi, Alckmin "não tinha mais fôlego para uma candidatura ao Planalto". Mas, por toda sua experiência política em São Paulo, "ele ainda era uma figura muito relevante".

"O Alckmin não era qualquer pessoa. Ele não foi necessariamente resgatado [com essa aliança]. Ele carrega esse caráter histórico, que o PSDB sempre trouxe, que ele sempre trouxe. Aprendeu muito com Mário Covas [ex-governador de São Paulo e padrinho político de Alckmin], que foi uma das pessoas que mais pensou a estrutura organizacional do PSDB para os 645 municípios de São Paulo", argumentou.

Doria e o ressurgimento. Com o passar do tempo, a aposta de Alckmin no empresário João Doria para ser o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo em 2016 apenas gerou desentendimentos internos e perda de espaço para o ex-tucano. Em 2020, inclusive, o partido cogitou colocar Alckmin para concorrer a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo, mas ele não aceitou a proposta.

Em 2021, não teve mais jeito. Como Doria, então governador paulista, escolheu Rodrigo Garcia, seu vice, para disputar o Palácio dos Bandeirantes, as portas para Alckmin tentar um novo mandato como governador pelo PSDB foram fechadas. Ele, então, decidiu romper com o partido que ajudou a fundar, após 33 anos. Neste ano, ele se filiou ao PSB.

Após o primeiro turno, Doria afirmou que o PSDB "é um partido perdedor neste momento". "Infelizmente, [o PSDB] perdeu a hegemonia em São Paulo depois de quase 30 anos à frente do governo. A seguir nesse ritmo, o PSDB tende a desaparecer, o que seria uma pena", disse o ex-governador paulista —que, em 19 de outubro, deixou o PSDB.

Esta foi a primeira eleição que o PSDB, desde sua fundação, não teve um candidato a Presidência e o partido acabou apoiando a coligação de Simone Tebet (MDB) —com uma integrante do PSDB como candidata a vice, a senadora paulista Mara Gabrilli.

Surpresa

O ressurgimento nacional de Alckmin na política veio de uma jogada improvável: o ex-governador ficou ao lado de Lula na eleição presidencial de 2022. A chapa surpreendeu, mas a união das forças deu certo e impediu a reeleição de Bolsonaro.

Quando começaram as primeiras conversas sobre Alckmin sair do PSDB e se aliar à Lula, Penna ligou para o aliado.

Eu disse: 'Governador, o senhor vira para esquerda, para direita, não dá pisca-pisca, pô. A gente fica sem saber'
José Luiz Penna, presidente do PV

"Seria um erro grave privilegiar as bancadas de parlamentares em vez de tirar o fascismo declarado do poder", apontou Penna. "O Alckmin teve a sensibilidade de perceber e se posicionar."

lula ackmin - Ricardo Stuckert - Ricardo Stuckert
Lula e Alckmin fizeram chapa improvável
Imagem: Ricardo Stuckert

Presidente em 2026? Ao ser questionado, em sabatina do UOL em setembro, se compor a chapa do petista como vice era uma estratégia para ele próprio ser o candidato à Presidência no futuro, Alckmin negou.

"Não, não é. Se há alguém que não se preocupa com o futuro sou eu", disse. "Política é destino. Eu nem imaginava ser candidato [a vice de Lula]".

"Eu só tenho um objetivo: ajudar o Brasil. Se conseguir, já cumpri minha tarefa", concluiu o ex-tucano sobre o assunto.

O cientista político Henrique Curi avalia que ainda é cedo para pensar em uma candidatura de Alckmin para a Presidência caso Lula realmente não tente a reeleição.

"Ainda tem fôlego para o Alckmin. Acredito que, ainda mais agora, pode haver uma expansão do eleitorado do Alckmin com essa aliança", argumentou. "Alckmin consegue trazer esse voto retrospectivo dos governos dele no estado de São Paulo".

Já a professora Maria do Socorro acredita que é possível uma candidatura de Alckmin para presidente. "Nas narrativas do presidente Lula, ele vai ter um cargo importante. Então, quanto maior é visibilidade, maior será a tendência de ele chegar fortalecido para concorrer ao Planalto em 2026".

Penna acredita que, antes de pensar em 2026, é preciso pensar nos próximos anos, que "não serão fáceis". "Vamos precisar ter uma boa vontade do mundo para sair desse buraco que estamos", disse. "Para isso, vamos ter que ter posicionamentos com grande sintonia com os interesses do planeta. E o eixo central dos interesses do planeta hoje é a crise climática."