Carlos Nobre: Lula na COP27 dá poder político inédito a indígenas no Brasil
O discurso feito hoje pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), no Egito, deu um poder político inédito aos indígenas brasileiros, segundo o professor Carlos Nobre, pesquisador sênior do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo).
Durante reunião com lideranças indígenas mundiais, Lula afirmou que o Brasil tem a obrigação de recompensar os povos originários pelo que foi feito com eles ao longo da história. "É muito importante o discurso do presidente Lula, pois é a primeira vez na história do Brasil que se dá um poder político e se reconhece o valor cultural dos indígenas", disse Nobre em entrevista ao programa UOL News.
O climatologista disse que a fala de Lula retoma uma tese defendida por José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como o "Patriarca da Independência". "Além de acabar com a escravidão, José Bonifácio queria um enorme reconhecimento dos povos indígenas", explicou. "Infelizmente, ele foi expulso do Brasil por Dom Pedro I e o país foi numa trajetória oposta de genocídio dos povos indígenas."
Defender novamente essa tese agora, segundo Nobre, é histórico para o país. "É muito importante valorizar o conhecimento dos povos indígenas, que chegaram na América do Sul há 12 mil anos e sempre desenvolveram um modo de vida baseado na floresta em pé, com os biomas todos mantidos."
Por isso, o professor espera que o recém-anunciado Ministério dos Povos Originários tenha um papel importante na defesa dos territórios indígenas. "É preciso que [a pasta] faça associações com o setor econômico, social e educacional para valorizar muito o que os indígenas já fizeram. Será um pagamento por tudo que fizeram pelo Brasil e pelo mundo."
Bolsonaro deu sinal verde para todo o crime ambiental na Amazônia, diz Carlos Nobre
Carlos Nobre também falou sobre os desafios que o próximo governo federal terá na área ambiental. Segundo ele, a degradação da Amazônia foi uma política de estado do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
"No passado, antes da reunião do G20 na Itália, o presidente Bolsonaro visitou um garimpo ilegal na terra Raposa Serra do Sol. Como um presidente visita um garimpo ilegal numa terra indígena? Isso é um crime. O presidente deu sinal verde para todo crime ambiental na Amazônia. Temos que encerrar isso e não vai ser fácil", afirmou o especialista.
"O grande desafio que o Lula enfrenta a partir de 1º de janeiro será como zerar o desmatamento na Amazônia, que é controlado hoje por organizações criminosas", destacou.
Lula precisa de foco para criar políticas com responsabilidade fiscal, diz economista
A economista e professora do Insper Juliana Inhasz repercutiu a fala de Lula na COP27 sobre responsabilidade social ser uma prioridade mais importante do que a fiscal. "Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência", disse o presidente eleito no evento da ONU.
"Não temos como ter responsabilidade social sem responsabilidade fiscal porque de algum lugar o dinheiro tem que sair, e o Lula sabe muito bem disso", explicou Inhasz.
Segundo a especialista, Lula precisa mudar o discurso usado durante a campanha eleitoral para agregar até mesmo os setores que não votaram nele.
"É importante que ele tenha foco em fazer com que as políticas sejam condizentes dentro de uma prática econômica e fiscal responsável. Quando ele abre fogo contra o mercado, ficamos numa situação bem delicada. Ele vai precisar de todo mundo no mesmo barco porque sabemos que, em 2023, não será um mandato fácil como o de 2002", disse.
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