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'Sofro boicote e assédio': opositores de ato golpista em MT revelam pressão

Bloqueio na BR-163 em Sinop, em protestro contra o resultado da eleição - David Murba
Bloqueio na BR-163 em Sinop, em protestro contra o resultado da eleição Imagem: David Murba

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

07/12/2022 04h00

"Liberdade de expressão aqui não existe. Só existe se você apoia o atual governo." A frase da empresária Bianca (nome fictício), de 32 anos, resume o sentimento de quem não está alinhado ao governo Jair Bolsonaro (PL) em um município que se tornou um dos polos de atos golpistas do país.

Sinop, cidade de 146 mil habitantes no interior de Mato Grosso, e outros municípios vizinhos se destacaram pelo volume de embates políticos pós-eleições. Na cidade, marcada pelo agronegócio, há acampamentos de manifestantes desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rodovias já foram fechadas várias vezes e brigas tomaram conta até da Câmara Municipal.

Moradores de Sinop que discordam dos atos golpistas e do governo Bolsonaro relatam dificuldade de expor suas posições políticas por medo. Como em outros municípios brasileiros, as listas de boicote a comerciantes tachados como petistas proliferam em Sinop. E até quem não se posiciona é pressionado a apoiar atos golpistas.

Bianca, que não se identifica por medo, preferiu não levantar bandeira de nenhum candidato nas eleições presidenciais e, mesmo assim, sofre as consequências financeiras. O estabelecimento que ela chefia enfrenta uma queda de 40% no fluxo de clientes desde que as listas de boicote passaram a circular nas redes sociais, no último mês.

Em Sinop, Bolsonaro liderou a votação no segundo turno, com 76,95%, porcentagem bastante superior à média nacional (49,1%). Depois do resultado, na cidade, comerciantes chegaram a fechar lojas em apoio a manifestantes bolsonaristas e colocaram placas de "luto" na fachada.

"A questão aqui está muito mais hostil e acentuada pelo fato de você não se posicionar. As pessoas agem de uma maneira extremista, sofremos boicote financeiro e bastante violência no sentido de assédio moral. Quando você questiona, eles dizem que a gente não pode prosperar", afirma. Bianca e a sócia temem sofrer violência física.

"Na semana da eleição, na nossa loja, estavam nos pressionando para saber em quem votaríamos. Queriam que colocássemos bandeira do Brasil no nosso comércio para que a gente se manifestasse em favor do atual governo. E isso repercute assim: se não é pró-Bolsonaro, é petista. Está sendo bem complicado."

Ela conta que, nas vésperas das eleições, eram raros os carros que não tinham adesivos [fazendo campanha para Jair Bolsonaro] e até morador que não apoiava Bolsonaro resolveu forjar um posicionamento.

Conheço quem adesivou o carro e colocou bandeiras do Brasil no comércio por medo de sofrer retaliação social e violência. Aqui é tudo muito escancarado.
Bianca

'Até quem votou em Bolsonaro é hostilizado'

O mesmo afirma uma mulher, líder de um grupo feminista no município. "Tem sido muito complicado não se posicionar, muitas pessoas ficam com medo. Até mesmo quem votou no Bolsonaro e não concorda com as manifestações tem sido hostilizado", diz Joana (nome fictício).

Todo mundo fala de manifestação e você se sente na obrigação de concordar com medo de ser hostilizado.
Joana

Funcionários também são coagidos a participar de atos antidemocráticos por seus patrões, segundo afirma a mulher, que também preferiu não se identificar por medo.

Os atos golpistas na cidade têm tido apoio da elite política e empresarial da região, incluindo o presidente da Câmara Municipal, que já foi filmado em bloqueios nas estradas. Já a cidade vizinha, Sorriso, concentra mais da metade dos suspeitos de financiar os atos golpistas.

"Não pode se negar [a participar das manifestações] que eles questionam se você é contra a pátria", conta Joana. Em um dos casos, na loja em que uma amiga trabalha, grupos bolsonaristas foram pessoalmente pedir R$ 1 mil para ajudar na mobilização, afirma.

"A proprietária disse que não tinha e eles foram grosseiros, disseram que ela era a favor do comunismo. Ela cogitou fazer um empréstimo, mas o marido não deixou. Em seguida, colocaram ela na tal 'lista comunista'", completa.

As disputas também chegam às instituições políticas. No fim do mês passado, um grupo de manifestantes golpistas ocupou a Câmara Municipal de Sinop, e atacou a vereadora Graciele Marques dos Santos (PT) — a única parlamentar mulher em meio a 15 vereadores — durante a sessão.

A motivação teria sido uma fake news que circulou nos grupos bolsonaristas de que a vereadora protocolaria um projeto de lei para retirar na cidade os acampamentos pró-golpe. Em quase dois anos, a vereadora já teve o carro riscado duas vezes e precisou ir ao menos cinco vezes na delegacia para registrar ocorrências — duas por ameaças de morte.

Em entrevista ao UOL Notícias, a vereadora disse que apoiadores de Bolsonaro "repudiam a existência" dela. "Eu defendo a pauta LGBTI+, defendo o combate ao racismo, defendo a não privatização da educação e da saúde, defendo a preservação da Amazônia. São todas as pautas que incomodam demais", afirmou.

Para Joana, na cidade há também pressão pela permanência de comportamentos ditos femininos. "Precisa ser casada e religiosa, preferencialmente católica. Estudar pelo diploma e não para exercer a profissão. Tem a caixinha certinha de como ser mulher em uma cidade igual a essa. Ela precisa se encaixar na 'docilidade estudada'. Quem não se encaixa, é tachada de várias coisas."

'Conservadores nos costumes'

Para o estudante de medicina veterinária Homero Luiz, que é bissexual e mora em Sinop, certos comportamentos ainda são mal vistos na cidade. "As pessoas [em Sinop] são muito conservadoras nos costumes, na maneira de pensar e nos ideais políticos."

O estudante Homero Luiz, de 24 anos, mora em Sinop e faz oposição a Bolsonaro - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O estudante Homero Luiz, de 24 anos, mora em Sinop e faz oposição a Bolsonaro
Imagem: Arquivo Pessoal

Ele acredita que o diálogo saiu prejudicado após as eleições. "Antes, tinha momentos em que eu me deparava com pensamentos retrógrados e conservadores, mas dava para contornar na convivência. Agora, está impossível."

No dia a dia, segundo ele, a oposição acaba se comportando de forma comedida e a maioria das manifestações contra o governo ocorre pela internet. "Acredito que é porque está todo mundo muito assustado, as pessoas estão muito violentas."

Sinop está conhecida no Brasil por causa desses golpistas. Eles realmente acreditam que as eleições foram fraudadas e pedem intervenção militar.
Homero Luiz

O jovem de 24 anos diz que nunca foi hostilizado. Já o namorado dele, sim. "Ele estava conversando com uma colega sobre Bolsonaro. Uma terceira pessoa ouviu e foi brigar com ele, tentou intimidar. As pessoas tomam partido de coisas que nem são com elas."